31 de dezembro de 2009

FELIZ ANO NOVO!!

happy-new-year.jpg

JNPDI deseja a todos os seus leitores e leitoras um Feliz 2010 pleno de Harmonia!!

30 de dezembro de 2009

Hot Club: 60 anos a improvisar o Jazz

Atendendo a que o ano jazzístico em Portugal fica tristemente marcado pelo encerramento do Hot Clube na Praça da Alegria, JNPDI publica o artigo de investigação que o autor deste blogue escreveu para o jornal Expresso (revista Actual) de Março de 2008, por ocasião do 60.º aniversário da fundação desta pequena grande instituição da cultura em Portugal.

HotClubtoldo.jpg
Foto de João Moreira dos Santos

Há precisamente 60 anos, no dia 19 de Março de 1948, Luís Villas-Boas assinava a primeira ficha de sócio do Hot Clube. Era o início formal da coluna vertebral do Jazz em Portugal e de uma instituição por onde têm passado os grandes nomes do jazz – desde Count Basie e Sarah Vaughan, a Pat Metheny e Jason Moran – e até o pianista clássico Friedrich Gulda e Sacha Distel. O prestígio de hoje do Hot não apaga, porém, a oposição do Estado Novo e o antagonismo da sociedade e das elites culturais nos anos 40.

O Hot Clube de Portugal é mais do que a pequena e castiça cave de tectos baixos do n.º 39 da Praça da Alegria, em Lisboa: é um dos mais antigos e prestigiados clubes de jazz a nível mundial e o berço da primeira orquestra de jazz portuguesa e da primeira escola. Ali se formaram músicos como Maria João, Carlos Martins e Carlos Barretto e por lá passaram também Luís Represas e até São José Lapa.

Fundado no tempo em que Hot era sinónimo de improvisação e em que os músicos podiam tocar por prazer, o clube teve de se adaptar gradualmente a uma sociedade em mudança onde até a palavra Hot ganhou novas conotações, como exemplifica Bernardo Moreira, que preside à sua Direcção: “Recentemente, telefonou para cá um tipo a perguntar se o Hot estava aberto e se aqui na zona havia mais bares gay”...

O segredo da longevidade do Hot Club pode estar no enfoque exclusivo no jazz e no alheamento da política. Talvez por isso o reconhecimento dos poderes públicos tenha surgido já numa fase muito tardia. Em 1995 foi-lhe concedido o estatuto de Instituição de Utilidade Pública, distinção complementada em 2001 e 2004 pelo Prémio Almada Negreiros e a Medalha de Mérito Cultural, ambos atribuídos pelo Ministério da Cultura, e em 2005 pela Medalha de Honra da Cidade.

No princípio era a rádio…

DSCN6230.jpg
Villas-Boas nos anos 40.
Colecção João Moreira dos Santos

A história do Hot Club começa a desenhar-se nos primeiros meses de 1945 através do imprevisível encontro de Villas-Boas com Eduardo Botton, um português filho de pais emigrados em França, que o motiva a criar um programa de rádio e um Hot Club, à semelhança do fundado por Hugues Panassié em França, em 1932. Botton é o elo de ligação de Villas-Boas a Panassié, com o apoio do qual esboça os primeiros guiões de um programa que se constitui como uma verdadeira testa-de-ponte para a fundação de um clube de sócios.

Às 9h00 do dia 25 de Novembro de 1945, a Emissora Nacional, através do “Programa da Manhã”, de Artur Agostinho, emite o primeiro Hot Club, transmitindo uma jam-session realizada no Instituto Superior Técnico e em que participam o violinista espanhol José Puertas, António Mendonça, Aleixo Fernandes e Fernando Freitas da Silva, Nereus Fernandes e Luís Sangareau.

jamist1945.jpg
Músicos que participaram no 1.º programa do Hot Club (1945)

Através desta pequena rubrica de meia hora semanal, Villas-Boas convida os interessados em associar-se ao futuro clube a escreverem para a Emissora Nacional. Entre os que respondem estão Augusto Mayer, Ivo Mayer, Mário Henrique Leiria e Alexandre O’Neill. Mas a rádio do regime não alinha com o jazz e a sua potencial ameaça à cultura portuguesa, pelo que os postais não chegam ao seu destino.

Scan10015.jpg
Postal de Bartolomeu Santos
Espólio Luís Villas-Boas/HCP

Villas-Boas decide então rumar ao Rádio Clube Português e é aí que o Hot Club se faz ouvir a 21 de Janeiro de 1946, inicialmente apresentado por Fernando Curado Ribeiro, que participa activamente na edificação do clube.

hotclub-1.jpg
Guião do 1.º Hot Club no RCP
Espólio Luís Villas-Boas/HCP

Nada detinha Villas-Boas e o Hot Club, nem mesmo as críticas violentas, como a de um ouvinte que afirma que “ninguém pode suportar essa música de loucos varridos, de idiotas agrupados em manicómio, tocando sem tom nem som essas estridulências enervantes que faz a cada momento voltar o botão”. De facto, desde finais de 1945 que Villas-Boas dinamiza no Palladium e no Belvedere reuniões com os futuros fundadores do Hot. Destes encontros saem os primeiros estatutos do clube, apresentados em 1947 ao Governo Civil de Lisboa, juntamente com uma lista de 48 sócios, dos quais fazem parte Luís Villas-Boas (1.º), Eduardo Botton (2.º), Sena da Silva (autor do logotipo), Abel Manta ou Gérard Castello Lopes.

logohotclub1946.jpg
Logotipo orinal do HCP.
João Moreira dos Santos

É nesta fase que Villas-Boas percebe que o Estado Novo não está preparado para o Hot, com a aprovação dos estatutos a arrastar-se durante três anos, como o próprio explicaria anos volvidos: “Ninguém os queria aprovar. O Ministério da Cultura mandou-nos para o Conservatório. Não sabiam qual era a nossa ideia de querer implantar uma música de pretos no País e o director do Conservatório chegou a dizer que «não podia aprovar o Hot, porque iria prejudicar o nosso folclore». Passei horas nos ministérios à espera e tivemos de modificar os estatutos segundo uma maqueta do Governo Civil, que dava para tudo: clubes de copofones, sociedades recreativas...”

Villas-Boas avança, ainda assim com o Hot Club, organizando no café Chave d’Ouro, no Rossio, uma série de jam-sessions.

jamchavedouro.jpg
I Jam-session no Café Chave d'Ouro (Fevereiro de 1948)
Foto de Augusto Mayer

A primeira tem lugar a 6 de Fevereiro de 1948, aproveitando a presença de Pops Whitman (um bailarino que se exibia no Carvaval do Politeama), Tom Kelling e Inez Cavanaugh, a que se juntam músicos da orquestra de Tavares Belo e, entre outros, Art Carneiro e Jorge Costa Pinto. Outras sessões se seguiriam, contando com a participação de Don Byas e George Johnson. Entretanto, a 19 de Março Villas-Boas assina a ficha que faz dele o primeiro sócio do Hot Club.

Da oficialização aos grandes concertos

No início dos anos 50 o Hot está num impasse, com os estatutos chumbados pelo Subsecretário de Estado da Educação Nacional, a cuja apreciação tinham sido submetidos pelo Governador Civil de Lisboa, depois de ouvido o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, que declarara nada ter a opor à criação do Hot por este não se propor “objectivos de representação profissional”. Anulado fica desde logo o propósito inicial de “finalidade cultural, educativa e artística”, como explica Pedro Martins de Lima, que acompanhou o processo: “Nós queríamos que o Hot fosse um movimento cultural e eles não admitiam isso porque consideravam que a música de pretos não tinha uma conotação suficientemente artística”.

É neste novo enquadramento que em 16 de Março de 1950 os estatutos são finalmente aprovados. Para tal contribui decisivamente a intervenção de Cândida Ghira, uma associada do Hot, como recorda Helena Villas-Boas: “A história do Hot, da aprovação dos estatutos, faz-se com uma senhora a tomar um chá com o Governador Civil”. Há contudo nítidas diferenças entre os estatutos de 1947 e os de 1950, nomeadamente a divisa, que passa do apaixonado “Pelo verdadeiro jazz” ao amorfo “Divulgação da música de jazz”.

O próximo passo é encontrar uma sede onde sócios e músicos possam conviver em torno do jazz e tocar sem necessitar de recorrer à Casa da Madeira, ao Maxime, ou no Clube Espanhol. Francisco Teodoro dos Santos acaba de investir num prédio na Praça da Alegria e é precisamente no 5.º andar desse novo edifício que o Hot se estabelece em Janeiro de 1951, até se mudar em Abril para a subcave, um amplo espaço decorado pelo cenógrafo Mário Alberto e enriquecido com biombos pintados por António Brandão e por uma tela de Manuel Viana que hoje em dia passa quase despercebida aos frequentadores da actual sede.

primeirasededohotclub.jpg
Edifício onde o Hot teve as suas primeiras duas sedes.
Foto de João Moreira dos Santos

HotClubquadro.jpg
Pormenor de tela de Manuel Viana
Foto de João Moreira dos Santos

Imagem1-5.jpg
Jam-session no Hot Club (1951)
Foto de Augusto Mayer

É nesta cave que actuam alguns dos músicos que Villas-Boas vai literalmente pescar para o Hot, muito particularmente os das bandas de marinheiros. Um dos principais “fornecedores” é o Caronia, como recorda Augusto Mayer, um dos sócios históricos do clube: “O Caronia foi o principal navio a que íamos buscar músicos para as jam-sessions. Eles tinham uma orquestra e os músicos escreviam-nos com antecedência a avisar quando chegavam e mal apareciam iam logo para o Hot”.

caronia-pc.jpg
O famoso Caronia

Villas-Boas recorre também aos vasos de guerra da armada dos EUA que aportam no Tejo. “Muitas das bandas das esquadras americanas que vinham cá tinham uma conotação jazzística já extremamente avançada para a época, com bebop, cool e jazz orquestral com orquestrações sensacionais”, explica Pedro Martins de Lima, que tocava nas jam-sessions do Hot Club, à semelhança de Gérard Castello Lopes (especialista de boogie-woogie), Ivo Mayer, Manuel Menano (que tocava à George Shearing) e Luís Sangareau.

Em 1951, o Hot tem cerca de 1000 sócios, na sua maioria estudantes, mas elevado valor da renda e a irregularidade das receitas ameaçam seriamente a sua saúde financeira. A solução para o reequilíbrio das contas está, todavia, longe de agradar aos músicos, como explica Martins de Lima: “Havia problemas de tesouraria e a secretária-adjunta do Hot começou a trazer uma quantidade de amigos que não vinham minimamente animados do espírito de Jazz e que queriam era um sítio para virem dançar agarradinhos… Nós estávamos a tocar e como aquilo não era dançável eles punham passos dobles e tangos em altos berros. Achei que contra o terrorismo só o contra terrorismo e então confeccionei umas bombas de fabrico caseiro. Num Sábado em que tínhamos sido invadidos por uma cáfila de sócios que nos iam impedir de tocar jazz pus uma bomba no meio da malta que estava a dançar. Quando pus a segunda, que era altamente explosiva, aquilo mandou um petardo que o sopro foi pela escada acima, fechou a porta e houve malta a fugir! Ficou tudo surdo”.

georgejohnson.jpg
George Johnson no Hot Club (1952)
Foto de Augusto Mayer

Em Maio de 1953 o Hot Club vê-se obrigado a transferir a sede para a Av. Duque de Loulé, onde beneficia de um aluguer mais económico. Aí tocam George Johnson, Yorke de Souza e Hazy Osterwald. No entanto, a renda mensal revela-se igualmente elevada pelo que se torna imperativo mudar, sob risco do clube fechar portas, até porque os sócios são agora pouco mais de 200.

A sede actual e a cisão

Augusto Mayer encontra na Praça da Algéria, numa cave anexa ao clube tauromáquico Tertúlia Festa Brava, de que é sócio, o espaço ideal: “Nós tínhamos regressado de Paris e ali estava uma sede igual à de Saint-Germain-des-Prés. Ficámos fascinados”. A nova sede custa apenas 500$00 por mês e depois de expulsos os ratos e realizadas algumas obras, em Março de 1954 fica pronta a receber as obras de Sena da Silva, Mário Henrique Leiria e Paulo Guilherme D’Eça Leal.

É aqui que têm lugar os factos mais importantes da vida do Hot, que nos anos 50 acolhe músicos como Claude Bolling, Count Basie e a sua orquestra, Bill Coleman, André Rewelliotti, Maxime Saury, Peters Sisters, Sivuca, Jimmy Davis (compositor da célebre canção “Loverman”) e Colin Beaton (que compõe o hino do Hot).

villasbasie.jpg
Villas-Boas e Count Basie (Outubro 1956)
Foto de Augusto Mayer

Em 1956, Count Basie é agraciado com um jantar de homenagem e músicos da sua orquestra participam numa jam-session, incluindo Thad Jones e Frank Wess. William "Bill" Hughes, já então trombonista da orquestra, situa o contexto dessa sessão: “Recordo-me de tocar em Lisboa e de ser muito bem recebido pelas pessoas. Tivemos uma grande festa num restaurante. (…) Estávamos sempre à procura de mulheres e as jam-sessions eram ideais para isso!”

À porta do Hot batem também músicos como Sacha Distel ou o pianista clássico Friedrich Gulda, que se encontra em Portugal para integrar o júri do primeiro Concurso Viana da Mota, no Tivoli, e “atravessava a Avenida da Liberdade de smoking para vir tocar para o clube”, recorda Barros Veloso, actualmente Presidente da Assembleia-Geral.

É ainda nos anos 50 que o Hot acolhe um grupo de estudantes de Coimbra (António José de Barros Veloso, Bernardo Moreira e José Luís Tinoco) e do Porto (Vasco Henriques) que vão marcar a diferença na história do jazz em Portugal por serem amadores mas almejarem tocar como profissionais. É deste núcleo que sai em parte o histórico Quarteto do Hot Clube de Portugal, composto por Justiniano Canelhas, Bernardo Moreira, Manuel Jorge Veloso e um saxofonista-barítono belga que se encontra em Lisboa. “O Jean-Pierre Gebler introduziu a óptica profissional: tínhamos de tocar as introduções e saber os finais e obrigou-nos a tocar as músicas nos tons originais e não nos tons que davam jeito ao pianista. Fizemos ali um upgrade muito rápido”, explica Bernardo Moreira.

quartetohotclub.jpg
Quarteto do Hot Club de Portugal (1963): Bernardo Moreira (cb), Justiniano Canelhas (p), Manuel Jorge Veloso (bt) e Jean-Pierre Gebler (sb)
Foto de Augusto Mayer

O ponto alto deste quarteto é o concerto realizado na Bélgica em 1963, no festival de Comblain-La-Tour, que merece uma pequena, mas favorável, crítica na revista DownBeat. Porém, nem tudo corre bem: “Nós estávamos em palco para começar quando o locutor nos anunciou e uma mancha grande de público começou a gritar «fascistas, fascistas!» durante 20 segundos. Foi um bocado tenso".

Na cave da Praça da Alegria trabalha também o maestro Jorge Costa Pinto: “Nesse local ensaiei os meus primeiros ‘arranjos’ de jazz, com uma big band constituida por músicos que tocavam nos teatros do Parque Mayer e gostavam da linguagem musical”.

sachadistel.jpg
Sacha Distel e Villas-Boas (1959)
Foto de Augusto Mayer

O Hot de então é todavia diferente do de hoje, já que funciona ainda à porta fechada – com acesso exclusivo a sócios – e sem programação regular nem cachets para os músicos. Barros Veloso recorda que na época "os músicos tocavam no Hot com à vontade. Não havia bilhetes nem nada. Tocavam por prazer. O Sacha Distel esteve assim a tocar e a cantar no Hot as suas canções". Bernardo Moreira acrescenta ainda que para compensar os músicos “havia na altura uma espécie de diploma que o Villas-Boas tinha instituído e que era entregue por ele no fim [das sessões] e que dizia «o Hot Clube agradece a sua participação graciosa»”.

É nesta década que se dá a primeira ruptura no Hot, quando a direcção de Villas-Boas é contestada por um grupo de sócios “de uma geração constituída pelo Raul Calado, José Duarte, José Soares, Dário Romani e outros”, explica Barros Veloso. “Aquilo criou de facto um cisma, tanto mais que o José Duarte queria nitidamente ser o guru do Jazz, e entre ele e o Villas-Boas houve confrontos de alguma crispação. Isso acabou na constituição do Clube Universitário de Jazz, um clube diferente do Hot Clube porque havia muita politização. Grande parte desse grupo era claramente de esquerda”.

Além de dinamizar ciclos de cinema e Jazz no Condes e jam-sessions em vários locais, o Hot está na origem do primeiro festival de jazz em Portugal, quando em Julho de 1953 organiza o I Festival de Música Moderna – assim nomeado por o regime não aceitar a designação correcta – evento modesto e que serve sobretudo para reequilibrar as contas do clube. Novas edições se seguem em 1954, 1955 e 1958.

Entre o cinema e a ficção

Nos anos 60 o Hot é ainda um clube de sócios que vive das jam-sessions esporádicas e das actividades aí desenvolvidas pelos sócios, como recorda Bernardo Moreira: “Os sócios reuniam-se para ouvir discos, para confraternizar, para trocar impressões e para fazer blindfold tests porque não havendo em Portugal grande quantidade de discos à venda acontecia que alguém ia ao estrangeiro (sobretudo a Inglaterra) e trazia três ou quatro discos que tinham acabado de sair. Foi assim que eu ouvi durante a década de 60 todos os discos das fases do Coltrane e do Miles”.

jamquincyjones.jpg
Jam-session com músicos da Orq. Quincy Jones (Maio 1960)
Foto de Augusto Mayer

Entre as jam-sessions destaca-se a que em Maio de 1960 ocorre com músicos da orquestra de Quincy Jones. “Havia lá um grupo de brasileiros a tocar e eles pegaram nos instrumentos e começaram a tocar. Aquele primeiro impacto foi um grande momento!”, recorda Barros Veloso. Um dos músicos que participam nesta sessão é Buddy Catlett, que decide trocar o seu contrabaixo pelo do Hot, mais pequeno e fácil de transportar. Nesta década passam ainda inesperadamente pelo clube Trummy Young, Herb Geller, Franco e Flávio Ambrosetti, os Delta Rhythm Boys e Dexter Gordon.

belarmino_1b.jpg

Algo está, porém, a mudar e o Hot Club atrai agora as atenções de actrizes, cineastas e jornalistas de nomeada. Catherine Deneuve assenta arraiais no clube enquanto protagoniza o filme Vacances Portugaises, Fernando Lopes filma aí em 1964 algumas cenas do seu Belarmino e Baptista Bastos publica na revista Almanaque uma ficção que tem o Hot como centro da acção.

orquestragirassol.jpg
Zé Eduardo dirige a Orquestra Girassol durante sessão de gravação
Colecção Zé Eduardo

Os anos 70 trazem ao clube importantes desenvolvimentos, com a criação da primeira big band portuguesa – a Orquestra Girassol – e, sobretudo, da escola, projectos lançados por Zé Eduardo, que explica assim o seu contexto: “Até então quem queria aprender Jazz ia às sessões do Hot e via e ouvia. Podia perguntar alguma coisa, mas os músicos pouco sabiam. Apenas os profissionais, que trabalhavam nos Hotéis, Casinos e Night Clubs, podiam dar umas dicas, mas sempre diziam «Ó filho… eu toco isto mas não sei muito bem o que estou a fazer, ouvi isto num disco e gostei…»”

BarrosVeloso.jpg
António José de Barros Veloso (HCP, 19/03/2008)
Foto de João Moreira dos Santos

Os próprios músicos de jazz sofrem uma metamorfose, como explica Barros Veloso: “Houve uma mudança sociológica em relação aos músicos. Na primeira fase os músicos eram filhos da burguesia que tinham o seu curso e profissão, gostavam de jazz e tocavam, mas não tinham compromisso nenhum. Há uma geração a seguir em que começam já a aparecer rapazes que querem ser músicos de jazz profissionais”.

raokyao.jpg
Rui Cardoso, Rão Kyao e Paulo Gil (1970)
Foto de Augusto Mayer

Entre estes encontram-se Rão Kyao, Nuno Gonçalves ou Emílio Robalo, mas o pivot desta mudança é Marcos Resende, pianista brasileiro que Augusto Mayer recorda ter sido “o primeiro que apareceu a pedir-nos dinheiro para tocar”.

É em face desta nova realidade que Rui Martins, que dirige o Hot Club a partir de 1980, introduz o pagamento à porta para financiar os músicos. Pela primeira vez, o Hot passa também a ter uma programação regular e anunciada.

redrodney.jpg
Red Rodney, Marcos Resende e Bernardo Moreira (1975)
Foto de Augusto Mayer.

É neste novo modelo que nas décadas de 70 e 80 actuam no Hot, entre muitos outros, Pony Poindexter, Ronnie Scott, Steve Potts, Sarah Vaughan, Charlie Mariano, Red Rodney, Tete Montoliu, Charlie Haden e Carlos Paredes e Dave Liebman.

binau.jpg
Bernardo Moreira com Billy Harper, Terence Blanchard e Steve Turre

escolahcp.jpg
Escola do Hot Club de Portugal
Foto de João Moreira dos Santos

Em 1992, Bernardo Moreira assume a direcção do Hot Club e é sob a sua presidência que a escola se expande a nível curricular e logístico – transitando para as antigas instalações da Standard Eléctrica – e se reconstrói e dinamiza a big band, enquanto pela velha cave passam músicos de nomeada como Benny Golson, Lee Konitz, Freddie Hubbard, Pat Metheny e Max Roach, numa programação que é desde meados dos anos 80 dirigida por Luís Hilário: “O maior desafio neste trabalho é conseguir distribuir as oportunidades de uma forma equitativa e justa e decidir sobre o interesse ou não de determinados projectos”.

HotClubinterior.jpg
Foto de João Moreira dos Santos

Parece ser unânime hoje que o futuro do Hot Club assenta na criação e instalação no prédio da sede de um núcleo museológico e de um centro de documentação e biblioteca que constitua uma verdadeira Casa do Jazz. Mas, independentemente da viabilidade de tal projecto, certo é que sessenta anos depois da sua fundação o Hot Club continua a ser a coluna vertebral do jazz, como sustenta Zé Eduardo: “Para os neófitos e os seus primeiros contactos com o Jazz, o Hot continua a ser definitivamente o Santuário de Fátima do Jazz em Portugal. Falta apenas o Villas (a Irmã Lúcia)”.

Artigo publicado originalmente no jornal Expresso (Actual) de Março de 2008.

29 de dezembro de 2009

Hot Clube: São Jorge não é solução

052.jpg

A direcção do Hot Clube de Portugal reuniu ontem com a EGEAC, empresa municipal que gere o cinema São Jorge, mas rejeitou a hipótese dos concertos já agendados até Agosto de 2010 serem transferidos para esta sala de cinema em Lisboa.

As razões da recusa prendem-se com a necessidade de dar prioridade à recuperação do edifício do Hot Clube, que é propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, embora tenham também sido invocadas razões que se prendem com a insonorização das salas.

Para 5 de Janeiro, está já marcada uma reunião entre o executivo camarário e a direcção do Hot, no âmbito da qual deverá ser apresentado um projecto do arquitecto Manuel Mateus para sediar neste edifício a futura Casa do Jazz.

Quanto à programação do Hot, existem para já três ou quatro espaços possíveis, mas nenhuma decisão está ainda tomada. Sabe-se já, porém, que a solução deverá perdurar durante cerca de quatro anos, o tempo estimado como necessário para recuperar o edifício da Praça da Alegria.

27 de dezembro de 2009

Hot Clube: 60 anos em vídeo

Em Março de 2008, para celebrar os 60 anos do Hot Clube, escrevemos para o jornal Expresso um longo artigo que historiava o percurso desta mítica casa da cultura em Portugal. A partir desse trabalho, o Expresso on-line realizou o seguinte vídeo, um trabalho que vale sempre a pena rever.

24 de dezembro de 2009

FELIZNATALDEJNPDI400x300.jpg

Hot Clube: Futuro próximo decide-se dia 28

O Diário de Notícias avança hoje que a EGEAC "está disponível para colaborar com o clube de jazz" e que a hipótese do cinema São Jorge acolher o Hot continua em cima da mesa. Para debater esta solução, que esperamos seja provisória, está já agendada uma reunião para o próximo dia 28.

Pedro Moreira, que durante vários anos foi director da escola do Hot Clube, afirma em declarações a este jornal, que "alguma programação do Hot poderá passar para lá, mas temos de ver também a agenda do São Jorge, nomeadamente a questão dos festivais de cinema".

Hot Clube: Há opiniões para tudo...

Há opiniões para tudo e até há quem ache que o incêndio que destruiu o prédio do Hot Clube foi uma feliz ocorrência. Esta é pelo menos a opinião de um blogue (Movimento Liberal Social) cujo post sobre este tema é no mínimo chocante e ultrajante para todos que conhecem a história do Hot Clube e a sua importância cultural para a cidade e país. Ali se formou uma esmagadora maioria de músicos e ali se produz música de qualidade desde 1954, sem subsídios nem apoios estatais

Eis, pois, uma parte do artigo que tanto nos repugnou e sobre o qual nos abstemos de fazer maiores juízos de valor pois o seu conteúdo fala por si e pela ideologia e agenda política que transporta. E revela também ignorância sobre o assunto, pois o prédio é propriedade da CML, que não pretende despejar o Hot, mas sim reabilitar o edifício para nele instalar a Casa do Jazz em Portugal... A mesma CML possui pelo menos mais dois prédios na Praça da Alegria que se encontram totalmente desabitados e em avançado estado de ruína, pelo que não é o facto de os prédios não terem "empresas aninhadas" (expressão do dito autor) que faz a diferença no seu destino...

O desconhecimento revela-se também no facto do autor desta prosa inqualificável rotular o Hot Clube de empresa, quando este é na verdade uma associação cultural sem fins lucrativos... e assim permanece desde que os seus estatutos foram aprovados em Março de 1950. Já agora, importa referir que foi concedido ao Hot, pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva, o estatuto de instituição de utilidade pública.

É toda esta realidade que o referido autor se compraz em afirmar que ficou finalmente inviabilizada com este incêndio. Talvez gostasse também de ter visto arder os vários talentos que ali se fizeram ao longo de décadas: Rão Kyao, Mário Laginha, Maria João, Bernardo Sassetti, Carlos Barretto, Carlos Bica, irmãos Moreira, Paula Oliveira...


Mais uma vez, o fogo fez o trabalho

Quarta, 23/12/2009 - 10:11 — Luís Lavoura

Ontem no prédio onde se alojava o Hot Clube (uma casa de jazz), mais uma vez teve que ser o fogo a fazer o trabalho que deveria ter sido feito pelo Homem. Mas, felizmente, desta vez o trabalho ficou feito.

Era um prédio com uma cave, rés-do-chão e três andares. Antigo, em madeira e tabique. Um prédio portanto sem qualquer viabilidade nos tempos que correm. Os inquilinos dos andares habitacionais já o tinham abandonado. Mas o legítimo proprietário do prédio continuava sem poder fazer da sua propriedade o que quisesse ou o que deveria ser feito, pois que o rés-do-chão e a cave estavam arrendados a empresas - a cave ao Hot Clube - e as empresas não morrem facilmente (em geral são trespassadas por uma boa maquia, inversamente proporcional ao valor da renda). Como a lei das rendas antigas continua a, iniquamente, proteger as empresas, o Hot Clube e a empresa do rés-do-chão não podiam ser despejados pelo senhorio para que o prédio pudesse finalmente ser reabilitado, ou demolido e reconstruído.

Teve que ser um incêndio a fazer o trabalho que os políticos, através de uma alteração da lei das rendas, já há muito deveriam ter feito. O prédio ardeu, as empresas que nele se anichavam ficaram inviáveis. Ainda bem. Ficou consumado o despejo que há muito deveria ter tido lugar.

Hot Clube: Anterior sede também está fechada e em ruínas...

johnsonorchestra2100400x295.jpg
Hot Clube: Jam-session na sede da Av. Duque de Loulé.
Foto: Augusto Mayer

Quando em 1954 o Hot Clube se mudou, graças à acção de Augusto Mayer, para a cave do n.º 39 da Praça da Alegria, deixou para trás uma sede bem situada na Avenida Duque de Loulé. Por lá passaram muitos nomes do jazz, incluindo o saxofonista George Johnson.

Hoje, também essa segunda sede (a primeira foi na Praça da Alegria, num edifício que está hoje também devoluto) está em ruínas, definhando ano após ano.

Passámos por lá em Abril de 2008 - sempre a tentar refazer a história do Jazz e do Hot Clube em Portugal, numa luta contra o tempo e sem apoios (nem sequer o interesse remoto das várias licenciaturas/quintas que já por cá há em Jazz; provavelmente já sabem tudo e apenas não nos dizem nem o publicam...) - e aqui ficam as belas imagens que colhemos...

P6050348400x300.jpg
Foto: JMS/JNPDI
P6050325400x300.jpg
Foto: JMS/JNPDI

Infelizmente as imagens já não estão actualizadas com o presente estado do edifício, que foi entretanto alvo de grafitis que o degradaram ainda mais.

Deixamos porém uma imagem que esperemos que não venha a ser o destino dado pela CML ao Hot Clube, mas que é o presente da porta que dava acesso à anterior sede.

P6050333300x400.jpg
Foto: JMS/JNPDI

Tudo isto se passa na que foi uma das principais avenidas de Lisboa, capital europeia deste século XXI...

Aproveitamos para deixar à CML uma proposta para estes dois imóveis abandonados. Vemo-los no futuro recuperados e integrados num roteiro vivo da história do jazz em Portugal, um funcionando como museu e clube (na Praça da Alegria) e outro funcionando como residência de artistas convidados e de jovens músicos (Duque de Loulé). Desta forma, os dois edifícios seriam produtivos e um pólo de vida para uma cidade que morre ano após ano, incêndio após incêndio, derrocada após derrocada...

23 de dezembro de 2009

Hot Clube de Portugal: Dia 1

DSC_0033400x602.jpg

Regressámos hoje ao Hot Clube para colher novas imagens e fazer um ponto de situação.

Segundo apurámos, o incêndio terá começado devido ao descuido na utilização de uma vela por um sem abrigo que terá acedido às águas furtadas do edifício através de aberturas existentes nas traseiras.

O grande problema neste momento são os danos no telhado, por onde continua a entrar chuva, o que obviamente deteriora cada vez mais o edifício. A água escorre pelo interior do prédio e acaba em parte na cave do Hot Clube.

Imagem1400x484.jpg

Imagem3400x205.jpg

Embora não tenha ardido por completo, o interior do prédio está muito danificado e pudemos ver um grande buraco aberto no tecto do restaurante O Púcaro. A deterioração das janelas vai agravar também a entrada de água no interior, potenciando a destruição deixada pelo fogo e pela água usada para o extinguir.

DSC_0010400x266.jpg

DSC_0014399x600.jpg


A nossa visita de hoje não findou, porém, sem nos depararmos com um acontecimento insólito...

É que a porta do prédio que ontem foi cimentada (ver foto no post de ontem), estava hoje aberta... Segundo nos explicaram, quem da CML mandou cimentar esqueceu-se de que ela era necessária para a entrada dos comerciantes e, sobretudo, dos peritos dos seguros.

DSC_0021399x600.jpg

Porém, quem entrasse hoje por tal porta veria diante si um cenário desolador e que ilustra bem o estado de degradação a que chegou o edifício nos últimos anos. Importa perguntar que corpo de bombeiros poderia passar pela escada ao fundo, atafulhada com mercadorias como está...

DSC_0020399x600.jpg

Este cenário não é, infelizmente, diferente do de tantos prédios da baixa pombalina, muitos deles convertidos em armazéns comerciais, facto que, como o incêndio do Chiado demonstrou há 20 anos, potencia obviamente qualquer foco de incêndio.

Algo muito radical tem de acontecer urgentemente na gestão dos edifícios históricos e esse algo tem de partir de um dos seus maiores senhorios, a própria CML!

Hot Clube ainda sem solução à vista

DSC_0016399x600.jpg
Foto: JMS/JNPDI

A reunião que houve hoje entre a direcção do Hot Clube e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não deu ainda frutos concretos, afastada que parece estar a ida provisória do clube para o cinema S. Jorge.

Em comunicado recebido hoje à tarde por JNPDI a direcção do Hot Clube explica que está neste momento a trabalhar com a CML para encontrar "um local que permita a realização de concertos e jam–sessions e que seja um ponto de encontro da comunidade jazzística". O clube pretende porém "um local que respeite a 'alma' do Hot e a sua tradição e que permita que continue a cumprir com o seu objectivo: a divulgação do jazz".

Aqui fica, pois, o comunicado na íntegra, solidarizando-se JNPDI totalmente com a decisão do Hot em procurar um local provisório que case com a sua alma e tradição.


Como é do conhecimento geral um incêndio que deflagrou nos pisos superiores do edifício do Hot Clube na Praça da Alegria, inutilizou a cave e obrigou ao cancelamento de todos os concertos que aí estavam agendados. O estado geral do edifício não permite a sua reutilização sem uma intervenção profunda e total, pelo que a Protecção civil recomendou que fosse selado.

Neste momento procuramos com a ajuda da Câmara Municipal de Lisboa um local que permita a realização de concertos e jam – sessions, e que seja um ponto de encontro da comunidade jazzística, um local que respeite a “alma” do Hot e a sua tradição e que permita que continue a cumprir com o seu objectivo: a divulgação do jazz.

Assim que esteja encontrada esta solução provisória procuraremos que chegue a público com toda a rapidez.

A par de uma tristeza comum a todos os sócios e amigos desta instituição, tristeza essa que já nos acompanhava há alguns anos enquanto assistíamos à degradação do edifício, move-nos a necessidade de conjugar esforços para conseguir que esta perda resulte afinal numa determinação da Câmara Municipal de Lisboa para a sua reabilitação e instalação da Casa do Jazz, no edifício onde ela afinal sempre esteve.

Vida longa ao Hot!

A Direcção
23 de Dezembro de 2009

Hot clube: Antes e depois

Dois anos separam as imagens seguintes. A primeira foi tirada por volta de 2007 e a segunda foi recolhida ontem por JNPDI.

HotClube.jpg

DSC_0014400x266.jpg

A degradação do edifício era já bem visível antes do sinistro, sobretudo nas suas traseiras.

Os dois andares de cima e as águas furtadas, onde chegou a funcionar durante anos a escola do Hot Clube, encontravam-se há muito devolutos...

Hot Clube: O fim de um ciclo e uma nova oportunidade

Hoje abro uma excepção para escrever aqui na primeira pessoa do singular, a única que permite a emotividade para falar de uma parte de mim que ontem morreu em parte no incêndio no prédio do Hot Clube.

Findava a manhã quando soube da notícia por um jornalista amigo da RDP já que a preparação de um curso para ontem à tarde não me permitira ainda ouvir ou ver os noticiários do dia. A primeira reacção foi de choque, logo seguida de “isto talvez não seja bem assim…” Telefonei ao Luís Hilário, que gere a programação cultural e o bar do Hot desde há anos, e confirmei o pior: o Hot dificilmente voltaria a funcionar novamente naquele espaço.

E aquele espaço não é um espaço qualquer. É um prédio em que o clube se instalou há 55 anos – por sugestão de Augusto Mayer, braço direito de Villas-Boas no Hot – e por onde passaram grandes nomes do jazz contemporâneo. Afinal, quantos prédios, ou mesmo teatros de Lisboa e do país, se podem orgulhar de ter acolhido músicos como Count Basie, Thad Jones, Dexter Gordon, Sarah Vaughan, Sacha Distel, Sivuca, Vinicius, Pat Metheny, Tete Montoliu, Max Roach, Lee Konitz, Benny Golson e tantos outros?

A minha relação com o Hot começou no ano lectivo de 1987/88, data em que ingressei na escola para estudar contrabaixo. Numa época em que não havia internet nem telemóvel, só o acto de encontrar o Hot já era uma vitória! Para tal houve que lamber páginas amarelas e classificadas, fazer telefonemas, etc.

As aulas eram ainda leccionadas no próprio clube (leia-se em cima do palco), mas pouco tempo depois transitaram para o andar de cima. O tempo passou e de repente, por volta de 1990/91, encontrei-me integrado na direcção do Eng. Bernardo Moreira, que acabara de vencer as eleições.

Coube-me a pasta das finanças (tesoureiro) e um cabo de trabalhos, mas no fim de tudo até tenho algumas saudades daquele tempo. Tinha 20 anos e estava a fazer algo por um clube onde passava muitas noites desde os 17 e que me tinha dado grandes momentos com os concertos de músicos como Lee Konitz, John Abercrombie, Eddie Henderson ou a jam-session em que participou inesperadamente o genial Pat Metheny.

Fruto da tenra idade, e por muito mais que não vem ao caso, acabei por sair abruptamente da direcção em 1992. Entretanto, a vida profissional afastou-me por uns anos do clube, ao qual voltava sempre que um concerto mais tentador era anunciado e, a partir de 1995, como crítico de jazz do jornal A Capital. Em 1999, finda a parceria com este diário também já desaparecido, acabei por me apartar novamente da vida do clube, desta vez por muito mais tempo pois as funções profissionais assim o ditavam.

Até que por volta de 2002/2003 me sucedeu algo muito curioso e a que depois vim a perceber se chamava de serendipitismo. Num final de tarde, regressando a casa pela Avenida Marginal, quis virar à direita para Alcântara, mas um condutor mais agressivo não o permitiu, obrigando-me a seguir em frente em direcção a Algés…

Em vez de me irritar, decidi que muito provavelmente e misteriosamente alguma entidade que eu desconhecia queria que eu seguisse caminho por ali e posto isto aceitei de bom grado o novo percurso. Apercebi-me então, numa fracção de segundos, que ia passar em frente à escola do Hot Clube e veio-me à mente o pensamento/intuição que era tempo de curar a ferida aberta desde 1992.

Virei imediatamente à direita e dei comigo a entrar no edifício da antiga Standard Eléctrica, onde nunca tinha entrado. Sabia que era tempo de pedir desculpa ao então presidente (Eng.º Bernardo Moreira), ainda que soubesse que elas também me eram devidas. Ambos tínhamos errado, magoando-nos e criando uma brecha que durou mais de 10 anos. Desconhecia se ele estava presente ou se quereria sequer receber-me, mas arrisquei. Do que disse, resta-me pouca memória, mas sei que foi um passo importante e que fui, de certa forma, recompensado por tal gesto quando quatro anos mais tarde o Hot apoiou o meu livro sobre o seu fundador, o Luís Villas-Boas. Nessa época, em 2002/2003, não imaginava sequer que ia escrever tal livro e portanto sei que o meu acto foi apenas o de alguém que queria, com uma nova consciência e maturidade, encerrar um ciclo, desconhecendo se haveria outro sequer para se iniciar.

Se escrevo aqui estas linhas é porque hoje, 23 de Dezembro, o Hot está também perante o fecho de um ciclo, neste caso de 55 anos. O prédio da Praça da Alegria ardeu e o clube dificilmente aí voltará.

Há, todavia, duas formas de olhar para este acidente: podemos revoltar-nos porque nos obrigaram a seguir por um caminho que não desejávamos (a tal Estrada Marginal, que neste caso é a perda da velha cave)… ou podemos seguir esse caminho e abrir-nos para as novas possibilidades que ele traz. Essas possibilidades são a tão almejada requalificação do prédio (é contudo imperioso manter a fachada e o carácter do Hot) e um upgrade das funcionalidades e serviços do clube, incluindo um restaurante, museu, etc.

Há porém um senão: é que para isto acontecer é preciso, muito provavelmente, dar um autêntico passo de gigante. Esse passo é simbolizado pelo início de um novo ciclo no Hot Clube, um ciclo que passe por mais diálogo e pela abertura à sociedade civil e um ciclo que permita estabelecer mais sinergias e mobilizar mais vontades e recursos. De igual modo, é imprescindível que a comunidade do jazz se una e encontre pontos de convergência. “Now’s the Time”. Sem o primeiro passo, o Hot ficará sempre um anão e sem o segundo passo o mundo do jazz nunca falará a uma só voz e portanto não será ouvido pelo poder político nem levado a sério.

João Moreira dos Santos
23/12/2009

22 de dezembro de 2009

Hot Clube encerrado na Praça da Alegria

DSC_0014400x266.jpg
Hoje à tarde era grande a agitação em redor do Hot Clube.
Foto: JMS/JNPDI

JNPDI esteve hoje na Praça da Alegria para testemunhar os danos causados pelo incêndio que ocorreu esta madrugada no prédio onde funciona desde 1954 o Hot Clube de Portugal.

De acordo com Luís Hilário, responsável pela direcção artística do clube, o espaço não foi atingido directamente pelo incêndio, mas sofreu colateralmente com a água utilizada pelos bombeiros. E embora o Hot pudesse funcionar depois de limpo e seco, o estado geral do prédio - que neste momento não tem sequer telhado - compromete a sua continuidade neste edifício. Afectados de forma mais grave foram sobretudo o restaurante vizinho do Hot e a Tertúlia Festa Brava, espaços também definitivamente comprometidos com este sinistro.

DSC_0019400x266-1.jpg
Esta foto ilustra bem o estado do imóvel depois do incêndio, mas não deixa ver a devastação no seu interior.
Foto: JMS/JNPDI

Para amanhã está agendada uma reunião da direcção do clube com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, entidade detentora deste imóvel. Informalmente, circulam rumores de que a CML poderá propor a transferência do Hot para o Cinema S. Jorge, solução que, em nosso entender, está muito longe de ser ideal por poder constituir um “provisório definitivo” tão comum em Portugal...

Hoje durante a tarde, foi possível retirar o piano e equipamento de som (ver reportagem da RTP aqui), mas neste momento é ainda difícil avaliar se a água e humidade a que foram expostos terão causado danos graves.

DSC_0027400x602.jpg
Foto: JMS/JNPDI

No momento em que se especula se o incêndio terá tido origem num curto-circuito ou numa ocupação ilegal do espaço, uma equipa da CML fechou hoje a tijolo a porta da entrada do prédio. Assim se prova uma vez mais a sabedoria do ditado popular: “Depois de casa arrombada, trancas à porta”.

DSC_0021400x602.jpg
Foto: JMS/JNPDI

Neste momento triste e de fim de ciclo do Hot, é importante que a comunidade do jazz se una, por uma vez que seja, para impedir que o edifício venha a ser simplesmente entaipado pela CML e o Hot caia no esquecimento e pereça juntamente com ele. Compete à detentora do edifício, a Câmara Municipal de Lisboa, dar ao Hot os meios necessários para sobreviver a esta crise, certamente a mais grave da sua história, e poder renascer das cinzas.

Importa levar às instâncias de poder o conhecimento da importância do Hot também ao nível da economia de dezenas de músicos que aí actuam regularmente e ensaiam novos projectos. A nível da Freguesia de S. José, que tantos imóveis devolutos apresenta já, as consequências do encerramento do Hot sãodramáticas, contribuindo para desqualificar e desertificar ainda mais o bairro...

Deixe-nos as suas memórias e sugestões!!

Deixar fechar o Hot é deixar empobrecer Lisboa, já de si bem pobre a nível cultural. Se nada fizermos agora não nos assiste um dia o direito de criticar e lamentar que Lisboa volte costas a um importante centro de cultura e turismo.

JNPDI dá o exemplo e convida já os seus leitores a deixarem aqui, em jeito de mensagem aberta ao presidente da CML, o seu testemunho sobre a importância do Hot Clube e as suas vivências e memórias deste espaço.

Somos pela recuperação do edifício porque a cultura, tal como o jazz, não se improvisa sem as condições de base adequadas e porque o Hot é um marco na cidade de Lisboa e no panorama do jazz mundial. É também, e sobretudo, um dos últimos exemplos do associativismo do século XX (modelo em crise), um notável fruto da carolice de uns poucos, mas que tanto tem dado à nossa cultura musical.

Ardeu hoje o prédio do Hot Clube

HotClube.jpg

O prédio do Hot Clube de Portugal foi atingido esta madrugada por um incêndio que terá deflagado nas águas furtadas. De acordo com fonte de JNPDI, que acompanhou o sinistro durante a madrugada, a principal preocupação é a água utilizada pelos Bombeiros para extinguir o incêndio, a qual deverá ter chegado ao clube em grande quantidade.

Porém, segundo o presidente da Junta de Freguesia de S. José, citado pelo jornal Público de hoje, o edifício ficou sem condições para voltar a albergar aquele que se orgulha de ser um dos mais antigos clubes de jazz do mundo.

Este é um dia muito triste para nós, que temos trabalhado na história do Hot Clube, e para o Jazz em Portugal, que, a confirmar-se o pior cenário, vê a sua catedral ficar irremediavelmente encerrada.

21 de dezembro de 2009

Jazz vocal natalício

Já é uma tradição de há várias décadas as vozes do jazz, e não só, gravarem temas natalícios. Hoje, JNPDI recorda alguns desses trabalhos.
















20 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL E EXCELENTE 2010

JNPDI deseja a todos os seus leitores um Feliz Natal e um Excelente Ano Novo de 2010, se possível, com muito bom jazz ao vivo e em disco, especialmente o português.

18 de dezembro de 2009

Jazz embalado e de luxo para o Natal

Se quer bom jazz e bem embalado para colocar no sapatinho de algum familiar ou amigo mais próximo ou querido, saiba que a editora Universal Music acaba de lançar em Portugal quatro caixas irresistíveis para qualquer amador de jazz.

EllaFitzgerald.jpg

Comecemos por Ella Fitzgerald... O que a Universal nos traz é o sonho realizado de qualquer amante desta extraordinária voz: a edição de quatro CD's com material nunca antes publicado, à excepção de uma faixa.

A história desta notável edição começa em 1961, ano em que Ella actuou ao vivo em Berlim e foi gravada para um registo que se tornou histórico: Ella in Berlin. No regresso aos EUA, foi contratada para cantar durante cerca de um mês num clube de Nova Iorque. Numa pausa de duas semanas deste compromisso, Ella actuou no Crescendo Club, fundado por Billy Eckstine, em Hollywood, em 1952. Ao seu lado estavam Lou Levy (piano), Jim Hall (guitarra), Wilfred Middlebrooks (contrabaixo) e Gus Johnson (bateria).

Ciente do extraordinário pico de forma que Ella atravessava na época, Norman Granz gravou todos os sets de todas as noites de concerto. O mais interessante é que a cantora não repetiu praticamente o repertório ao longo das duas semanas, o que garantiu um manancial de canções para editar em disco, com o atractivo adicional de Ella percorrer praticamente todos os seus grandes êxitos. E foi de facto isso que sucedeu com a publicação de Ella in Hollywood.

Das quatro horas desta caixa apenas um tema é respecado deste disco, sendo as restantes 75 faixas totalmente inéditas. Os quatro Cd's incluem ainda o regresso de Ella ao Crescendo, o que sucedeu em 1962.

Ella, improvisadora nata, sentiu-se provavelmente mais descontraída perante uma audiência de apenas cerca de 200 pessoas, o que explica as constantes alterações que aqui vai fazendo às letras de algumas das suas canções mais célebres, inserindo momentos humorísticos ligados à actualidade do momento.

Em suma, uma pérola e uma surpresa muito especiais que ficam a dever-se ao facto de em 1988 Phil Schaap ter descoberto estas gravações nos arquivos da Verve juntamente com outras que vieram a ser editadas, como as que deram origem ao CD Ella in Rome. Porém, só volvidos 21 anos é que Richard Seidel ouviu as gravações originais e decidiu produzir esta magnífica caixa que, além dos discos, contém ainda um interessante livro que documenta as gravações na época e a reedição em 2009.

OscarPeterson-1.jpg

Na mesma linha da edição anterior e da mesma editora, surge também neste Natal uma caixa que contém as primeiras gravações realizadas por Oscar Peterson nos EUA, quando tocava basicamente em duo com contrabaixo (Ray Brown e Major "Mule" Holley).

412lqLQZKRL._SL500_AA240_.jpg

Neste caso, a caixa reúne três CD que contêm todos os singles gravados pelo pianista para a Mercury e também o seu primeiro concerto nos Estados Unidos, espectáculo realizado em Setembro de 1949 no Carnegie Hall, em Nova Iorque. Aqui há lugar ainda para uma inédita versão ao vivo de "Tea For Two" (gravada no regresso de Peterson ao Carnegie Hall, em 1950) e uma inédita versão de estúdio de "There's A Small Hotel"

BillieHoliday.jpg

De regresso às cantoras, a Universal contemplou outra grande voz do jazz com uma luxuosa caixa para este Natal. Referimo-nos a Billie Holiday.

Aqui não existe propriamente o factor novidade, mas sim a firme intenção de reunir e reeditar de forma atraente as gravações realizadas pela cantora para a Commodore e Decca, editoras com as quais trabalhou entre 1939 e 1950.

No total, são 52 faixas que incluem canções emblemáticas da sua carreira, como é o caso de "Strange Fruit" e "Fine and Mellow".

img296400x551.jpg

Deixámos para o fim o mais recente trabalho do pianista e cantor Jamie Cullum, aquele que é considerado a revelação do jazz vocal britânico neste novo século.

Esta caixa acrescenta ao CD homónimo um booklet com as letras dos temas e um DVd que contém 16 canções gravadas ao vivo no Festival de Jazz do Mar do Norte e no Festival de Jazz de Montreux.



Site Meter Powered by Blogger