Hot Club: 60 anos a improvisar o Jazz
Atendendo a que o ano jazzístico em Portugal fica tristemente marcado pelo encerramento do Hot Clube na Praça da Alegria, JNPDI publica o artigo de investigação que o autor deste blogue escreveu para o jornal Expresso (revista Actual) de Março de 2008, por ocasião do 60.º aniversário da fundação desta pequena grande instituição da cultura em Portugal.
Foto de João Moreira dos Santos
Atendendo a que o ano jazzístico em Portugal fica tristemente marcado pelo encerramento do Hot Clube na Praça da Alegria, JNPDI publica o artigo de investigação que o autor deste blogue escreveu para o jornal Expresso (revista Actual) de Março de 2008, por ocasião do 60.º aniversário da fundação desta pequena grande instituição da cultura em Portugal.
Foto de João Moreira dos Santos
Há precisamente 60 anos, no dia 19 de Março de 1948, Luís Villas-Boas assinava a primeira ficha de sócio do Hot Clube. Era o início formal da coluna vertebral do Jazz em Portugal e de uma instituição por onde têm passado os grandes nomes do jazz – desde Count Basie e Sarah Vaughan, a Pat Metheny e Jason Moran – e até o pianista clássico Friedrich Gulda e Sacha Distel. O prestígio de hoje do Hot não apaga, porém, a oposição do Estado Novo e o antagonismo da sociedade e das elites culturais nos anos 40.
O Hot Clube de Portugal é mais do que a pequena e castiça cave de tectos baixos do n.º 39 da Praça da Alegria, em Lisboa: é um dos mais antigos e prestigiados clubes de jazz a nível mundial e o berço da primeira orquestra de jazz portuguesa e da primeira escola. Ali se formaram músicos como Maria João, Carlos Martins e Carlos Barretto e por lá passaram também Luís Represas e até São José Lapa.
Fundado no tempo em que Hot era sinónimo de improvisação e em que os músicos podiam tocar por prazer, o clube teve de se adaptar gradualmente a uma sociedade em mudança onde até a palavra Hot ganhou novas conotações, como exemplifica Bernardo Moreira, que preside à sua Direcção: “Recentemente, telefonou para cá um tipo a perguntar se o Hot estava aberto e se aqui na zona havia mais bares gay”...
O segredo da longevidade do Hot Club pode estar no enfoque exclusivo no jazz e no alheamento da política. Talvez por isso o reconhecimento dos poderes públicos tenha surgido já numa fase muito tardia. Em 1995 foi-lhe concedido o estatuto de Instituição de Utilidade Pública, distinção complementada em 2001 e 2004 pelo Prémio Almada Negreiros e a Medalha de Mérito Cultural, ambos atribuídos pelo Ministério da Cultura, e em 2005 pela Medalha de Honra da Cidade.
No princípio era a rádio…
Villas-Boas nos anos 40.
Colecção João Moreira dos Santos
A história do Hot Club começa a desenhar-se nos primeiros meses de 1945 através do imprevisível encontro de Villas-Boas com Eduardo Botton, um português filho de pais emigrados em França, que o motiva a criar um programa de rádio e um Hot Club, à semelhança do fundado por Hugues Panassié em França, em 1932. Botton é o elo de ligação de Villas-Boas a Panassié, com o apoio do qual esboça os primeiros guiões de um programa que se constitui como uma verdadeira testa-de-ponte para a fundação de um clube de sócios.
Às 9h00 do dia 25 de Novembro de 1945, a Emissora Nacional, através do “Programa da Manhã”, de Artur Agostinho, emite o primeiro Hot Club, transmitindo uma jam-session realizada no Instituto Superior Técnico e em que participam o violinista espanhol José Puertas, António Mendonça, Aleixo Fernandes e Fernando Freitas da Silva, Nereus Fernandes e Luís Sangareau.
Músicos que participaram no 1.º programa do Hot Club (1945)
Através desta pequena rubrica de meia hora semanal, Villas-Boas convida os interessados em associar-se ao futuro clube a escreverem para a Emissora Nacional. Entre os que respondem estão Augusto Mayer, Ivo Mayer, Mário Henrique Leiria e Alexandre O’Neill. Mas a rádio do regime não alinha com o jazz e a sua potencial ameaça à cultura portuguesa, pelo que os postais não chegam ao seu destino.
Postal de Bartolomeu Santos
Espólio Luís Villas-Boas/HCP
Villas-Boas decide então rumar ao Rádio Clube Português e é aí que o Hot Club se faz ouvir a 21 de Janeiro de 1946, inicialmente apresentado por Fernando Curado Ribeiro, que participa activamente na edificação do clube.
Guião do 1.º Hot Club no RCP
Villas-Boas decide então rumar ao Rádio Clube Português e é aí que o Hot Club se faz ouvir a 21 de Janeiro de 1946, inicialmente apresentado por Fernando Curado Ribeiro, que participa activamente na edificação do clube.
Guião do 1.º Hot Club no RCP
Espólio Luís Villas-Boas/HCP
Nada detinha Villas-Boas e o Hot Club, nem mesmo as críticas violentas, como a de um ouvinte que afirma que “ninguém pode suportar essa música de loucos varridos, de idiotas agrupados em manicómio, tocando sem tom nem som essas estridulências enervantes que faz a cada momento voltar o botão”. De facto, desde finais de 1945 que Villas-Boas dinamiza no Palladium e no Belvedere reuniões com os futuros fundadores do Hot. Destes encontros saem os primeiros estatutos do clube, apresentados em 1947 ao Governo Civil de Lisboa, juntamente com uma lista de 48 sócios, dos quais fazem parte Luís Villas-Boas (1.º), Eduardo Botton (2.º), Sena da Silva (autor do logotipo), Abel Manta ou Gérard Castello Lopes.
Logotipo orinal do HCP.
João Moreira dos Santos
É nesta fase que Villas-Boas percebe que o Estado Novo não está preparado para o Hot, com a aprovação dos estatutos a arrastar-se durante três anos, como o próprio explicaria anos volvidos: “Ninguém os queria aprovar. O Ministério da Cultura mandou-nos para o Conservatório. Não sabiam qual era a nossa ideia de querer implantar uma música de pretos no País e o director do Conservatório chegou a dizer que «não podia aprovar o Hot, porque iria prejudicar o nosso folclore». Passei horas nos ministérios à espera e tivemos de modificar os estatutos segundo uma maqueta do Governo Civil, que dava para tudo: clubes de copofones, sociedades recreativas...”
Villas-Boas avança, ainda assim com o Hot Club, organizando no café Chave d’Ouro, no Rossio, uma série de jam-sessions.
I Jam-session no Café Chave d'Ouro (Fevereiro de 1948)
Foto de Augusto Mayer
A primeira tem lugar a 6 de Fevereiro de 1948, aproveitando a presença de Pops Whitman (um bailarino que se exibia no Carvaval do Politeama), Tom Kelling e Inez Cavanaugh, a que se juntam músicos da orquestra de Tavares Belo e, entre outros, Art Carneiro e Jorge Costa Pinto. Outras sessões se seguiriam, contando com a participação de Don Byas e George Johnson. Entretanto, a 19 de Março Villas-Boas assina a ficha que faz dele o primeiro sócio do Hot Club.
Da oficialização aos grandes concertos
No início dos anos 50 o Hot está num impasse, com os estatutos chumbados pelo Subsecretário de Estado da Educação Nacional, a cuja apreciação tinham sido submetidos pelo Governador Civil de Lisboa, depois de ouvido o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, que declarara nada ter a opor à criação do Hot por este não se propor “objectivos de representação profissional”. Anulado fica desde logo o propósito inicial de “finalidade cultural, educativa e artística”, como explica Pedro Martins de Lima, que acompanhou o processo: “Nós queríamos que o Hot fosse um movimento cultural e eles não admitiam isso porque consideravam que a música de pretos não tinha uma conotação suficientemente artística”.
É neste novo enquadramento que em 16 de Março de 1950 os estatutos são finalmente aprovados. Para tal contribui decisivamente a intervenção de Cândida Ghira, uma associada do Hot, como recorda Helena Villas-Boas: “A história do Hot, da aprovação dos estatutos, faz-se com uma senhora a tomar um chá com o Governador Civil”. Há contudo nítidas diferenças entre os estatutos de 1947 e os de 1950, nomeadamente a divisa, que passa do apaixonado “Pelo verdadeiro jazz” ao amorfo “Divulgação da música de jazz”.
O próximo passo é encontrar uma sede onde sócios e músicos possam conviver em torno do jazz e tocar sem necessitar de recorrer à Casa da Madeira, ao Maxime, ou no Clube Espanhol. Francisco Teodoro dos Santos acaba de investir num prédio na Praça da Alegria e é precisamente no 5.º andar desse novo edifício que o Hot se estabelece em Janeiro de 1951, até se mudar em Abril para a subcave, um amplo espaço decorado pelo cenógrafo Mário Alberto e enriquecido com biombos pintados por António Brandão e por uma tela de Manuel Viana que hoje em dia passa quase despercebida aos frequentadores da actual sede.
Edifício onde o Hot teve as suas primeiras duas sedes.
Foto de João Moreira dos Santos
Pormenor de tela de Manuel Viana
Foto de João Moreira dos Santos
Jam-session no Hot Club (1951)
Jam-session no Hot Club (1951)
Foto de Augusto Mayer
É nesta cave que actuam alguns dos músicos que Villas-Boas vai literalmente pescar para o Hot, muito particularmente os das bandas de marinheiros. Um dos principais “fornecedores” é o Caronia, como recorda Augusto Mayer, um dos sócios históricos do clube: “O Caronia foi o principal navio a que íamos buscar músicos para as jam-sessions. Eles tinham uma orquestra e os músicos escreviam-nos com antecedência a avisar quando chegavam e mal apareciam iam logo para o Hot”.
O famoso Caronia
Villas-Boas recorre também aos vasos de guerra da armada dos EUA que aportam no Tejo. “Muitas das bandas das esquadras americanas que vinham cá tinham uma conotação jazzística já extremamente avançada para a época, com bebop, cool e jazz orquestral com orquestrações sensacionais”, explica Pedro Martins de Lima, que tocava nas jam-sessions do Hot Club, à semelhança de Gérard Castello Lopes (especialista de boogie-woogie), Ivo Mayer, Manuel Menano (que tocava à George Shearing) e Luís Sangareau.
Em 1951, o Hot tem cerca de 1000 sócios, na sua maioria estudantes, mas elevado valor da renda e a irregularidade das receitas ameaçam seriamente a sua saúde financeira. A solução para o reequilíbrio das contas está, todavia, longe de agradar aos músicos, como explica Martins de Lima: “Havia problemas de tesouraria e a secretária-adjunta do Hot começou a trazer uma quantidade de amigos que não vinham minimamente animados do espírito de Jazz e que queriam era um sítio para virem dançar agarradinhos… Nós estávamos a tocar e como aquilo não era dançável eles punham passos dobles e tangos em altos berros. Achei que contra o terrorismo só o contra terrorismo e então confeccionei umas bombas de fabrico caseiro. Num Sábado em que tínhamos sido invadidos por uma cáfila de sócios que nos iam impedir de tocar jazz pus uma bomba no meio da malta que estava a dançar. Quando pus a segunda, que era altamente explosiva, aquilo mandou um petardo que o sopro foi pela escada acima, fechou a porta e houve malta a fugir! Ficou tudo surdo”.
George Johnson no Hot Club (1952)
Foto de Augusto Mayer
Em Maio de 1953 o Hot Club vê-se obrigado a transferir a sede para a Av. Duque de Loulé, onde beneficia de um aluguer mais económico. Aí tocam George Johnson, Yorke de Souza e Hazy Osterwald. No entanto, a renda mensal revela-se igualmente elevada pelo que se torna imperativo mudar, sob risco do clube fechar portas, até porque os sócios são agora pouco mais de 200.
A sede actual e a cisão
Augusto Mayer encontra na Praça da Algéria, numa cave anexa ao clube tauromáquico Tertúlia Festa Brava, de que é sócio, o espaço ideal: “Nós tínhamos regressado de Paris e ali estava uma sede igual à de Saint-Germain-des-Prés. Ficámos fascinados”. A nova sede custa apenas 500$00 por mês e depois de expulsos os ratos e realizadas algumas obras, em Março de 1954 fica pronta a receber as obras de Sena da Silva, Mário Henrique Leiria e Paulo Guilherme D’Eça Leal.
É aqui que têm lugar os factos mais importantes da vida do Hot, que nos anos 50 acolhe músicos como Claude Bolling, Count Basie e a sua orquestra, Bill Coleman, André Rewelliotti, Maxime Saury, Peters Sisters, Sivuca, Jimmy Davis (compositor da célebre canção “Loverman”) e Colin Beaton (que compõe o hino do Hot).
Villas-Boas e Count Basie (Outubro 1956)
Foto de Augusto Mayer
Em 1956, Count Basie é agraciado com um jantar de homenagem e músicos da sua orquestra participam numa jam-session, incluindo Thad Jones e Frank Wess. William "Bill" Hughes, já então trombonista da orquestra, situa o contexto dessa sessão: “Recordo-me de tocar em Lisboa e de ser muito bem recebido pelas pessoas. Tivemos uma grande festa num restaurante. (…) Estávamos sempre à procura de mulheres e as jam-sessions eram ideais para isso!”
À porta do Hot batem também músicos como Sacha Distel ou o pianista clássico Friedrich Gulda, que se encontra em Portugal para integrar o júri do primeiro Concurso Viana da Mota, no Tivoli, e “atravessava a Avenida da Liberdade de smoking para vir tocar para o clube”, recorda Barros Veloso, actualmente Presidente da Assembleia-Geral.
É ainda nos anos 50 que o Hot acolhe um grupo de estudantes de Coimbra (António José de Barros Veloso, Bernardo Moreira e José Luís Tinoco) e do Porto (Vasco Henriques) que vão marcar a diferença na história do jazz em Portugal por serem amadores mas almejarem tocar como profissionais. É deste núcleo que sai em parte o histórico Quarteto do Hot Clube de Portugal, composto por Justiniano Canelhas, Bernardo Moreira, Manuel Jorge Veloso e um saxofonista-barítono belga que se encontra em Lisboa. “O Jean-Pierre Gebler introduziu a óptica profissional: tínhamos de tocar as introduções e saber os finais e obrigou-nos a tocar as músicas nos tons originais e não nos tons que davam jeito ao pianista. Fizemos ali um upgrade muito rápido”, explica Bernardo Moreira.
Quarteto do Hot Club de Portugal (1963): Bernardo Moreira (cb), Justiniano Canelhas (p), Manuel Jorge Veloso (bt) e Jean-Pierre Gebler (sb)
Foto de Augusto Mayer
O ponto alto deste quarteto é o concerto realizado na Bélgica em 1963, no festival de Comblain-La-Tour, que merece uma pequena, mas favorável, crítica na revista DownBeat. Porém, nem tudo corre bem: “Nós estávamos em palco para começar quando o locutor nos anunciou e uma mancha grande de público começou a gritar «fascistas, fascistas!» durante 20 segundos. Foi um bocado tenso".
Na cave da Praça da Alegria trabalha também o maestro Jorge Costa Pinto: “Nesse local ensaiei os meus primeiros ‘arranjos’ de jazz, com uma big band constituida por músicos que tocavam nos teatros do Parque Mayer e gostavam da linguagem musical”.
Sacha Distel e Villas-Boas (1959)
Foto de Augusto Mayer
O Hot de então é todavia diferente do de hoje, já que funciona ainda à porta fechada – com acesso exclusivo a sócios – e sem programação regular nem cachets para os músicos. Barros Veloso recorda que na época "os músicos tocavam no Hot com à vontade. Não havia bilhetes nem nada. Tocavam por prazer. O Sacha Distel esteve assim a tocar e a cantar no Hot as suas canções". Bernardo Moreira acrescenta ainda que para compensar os músicos “havia na altura uma espécie de diploma que o Villas-Boas tinha instituído e que era entregue por ele no fim [das sessões] e que dizia «o Hot Clube agradece a sua participação graciosa»”.
É nesta década que se dá a primeira ruptura no Hot, quando a direcção de Villas-Boas é contestada por um grupo de sócios “de uma geração constituída pelo Raul Calado, José Duarte, José Soares, Dário Romani e outros”, explica Barros Veloso. “Aquilo criou de facto um cisma, tanto mais que o José Duarte queria nitidamente ser o guru do Jazz, e entre ele e o Villas-Boas houve confrontos de alguma crispação. Isso acabou na constituição do Clube Universitário de Jazz, um clube diferente do Hot Clube porque havia muita politização. Grande parte desse grupo era claramente de esquerda”.
Além de dinamizar ciclos de cinema e Jazz no Condes e jam-sessions em vários locais, o Hot está na origem do primeiro festival de jazz em Portugal, quando em Julho de 1953 organiza o I Festival de Música Moderna – assim nomeado por o regime não aceitar a designação correcta – evento modesto e que serve sobretudo para reequilibrar as contas do clube. Novas edições se seguem em 1954, 1955 e 1958.
Entre o cinema e a ficção
Nos anos 60 o Hot é ainda um clube de sócios que vive das jam-sessions esporádicas e das actividades aí desenvolvidas pelos sócios, como recorda Bernardo Moreira: “Os sócios reuniam-se para ouvir discos, para confraternizar, para trocar impressões e para fazer blindfold tests porque não havendo em Portugal grande quantidade de discos à venda acontecia que alguém ia ao estrangeiro (sobretudo a Inglaterra) e trazia três ou quatro discos que tinham acabado de sair. Foi assim que eu ouvi durante a década de 60 todos os discos das fases do Coltrane e do Miles”.
Jam-session com músicos da Orq. Quincy Jones (Maio 1960)
Foto de Augusto Mayer
Entre as jam-sessions destaca-se a que em Maio de 1960 ocorre com músicos da orquestra de Quincy Jones. “Havia lá um grupo de brasileiros a tocar e eles pegaram nos instrumentos e começaram a tocar. Aquele primeiro impacto foi um grande momento!”, recorda Barros Veloso. Um dos músicos que participam nesta sessão é Buddy Catlett, que decide trocar o seu contrabaixo pelo do Hot, mais pequeno e fácil de transportar. Nesta década passam ainda inesperadamente pelo clube Trummy Young, Herb Geller, Franco e Flávio Ambrosetti, os Delta Rhythm Boys e Dexter Gordon.
Algo está, porém, a mudar e o Hot Club atrai agora as atenções de actrizes, cineastas e jornalistas de nomeada. Catherine Deneuve assenta arraiais no clube enquanto protagoniza o filme Vacances Portugaises, Fernando Lopes filma aí em 1964 algumas cenas do seu Belarmino e Baptista Bastos publica na revista Almanaque uma ficção que tem o Hot como centro da acção.
Zé Eduardo dirige a Orquestra Girassol durante sessão de gravação
Colecção Zé Eduardo
Os anos 70 trazem ao clube importantes desenvolvimentos, com a criação da primeira big band portuguesa – a Orquestra Girassol – e, sobretudo, da escola, projectos lançados por Zé Eduardo, que explica assim o seu contexto: “Até então quem queria aprender Jazz ia às sessões do Hot e via e ouvia. Podia perguntar alguma coisa, mas os músicos pouco sabiam. Apenas os profissionais, que trabalhavam nos Hotéis, Casinos e Night Clubs, podiam dar umas dicas, mas sempre diziam «Ó filho… eu toco isto mas não sei muito bem o que estou a fazer, ouvi isto num disco e gostei…»”
António José de Barros Veloso (HCP, 19/03/2008)
Foto de João Moreira dos Santos
Os próprios músicos de jazz sofrem uma metamorfose, como explica Barros Veloso: “Houve uma mudança sociológica em relação aos músicos. Na primeira fase os músicos eram filhos da burguesia que tinham o seu curso e profissão, gostavam de jazz e tocavam, mas não tinham compromisso nenhum. Há uma geração a seguir em que começam já a aparecer rapazes que querem ser músicos de jazz profissionais”.
Rui Cardoso, Rão Kyao e Paulo Gil (1970)
Foto de Augusto Mayer
Entre estes encontram-se Rão Kyao, Nuno Gonçalves ou Emílio Robalo, mas o pivot desta mudança é Marcos Resende, pianista brasileiro que Augusto Mayer recorda ter sido “o primeiro que apareceu a pedir-nos dinheiro para tocar”.
É em face desta nova realidade que Rui Martins, que dirige o Hot Club a partir de 1980, introduz o pagamento à porta para financiar os músicos. Pela primeira vez, o Hot passa também a ter uma programação regular e anunciada.
Red Rodney, Marcos Resende e Bernardo Moreira (1975)
É em face desta nova realidade que Rui Martins, que dirige o Hot Club a partir de 1980, introduz o pagamento à porta para financiar os músicos. Pela primeira vez, o Hot passa também a ter uma programação regular e anunciada.
Red Rodney, Marcos Resende e Bernardo Moreira (1975)
Foto de Augusto Mayer.
É neste novo modelo que nas décadas de 70 e 80 actuam no Hot, entre muitos outros, Pony Poindexter, Ronnie Scott, Steve Potts, Sarah Vaughan, Charlie Mariano, Red Rodney, Tete Montoliu, Charlie Haden e Carlos Paredes e Dave Liebman.
Bernardo Moreira com Billy Harper, Terence Blanchard e Steve Turre
Escola do Hot Club de Portugal
Foto de João Moreira dos Santos
Em 1992, Bernardo Moreira assume a direcção do Hot Club e é sob a sua presidência que a escola se expande a nível curricular e logístico – transitando para as antigas instalações da Standard Eléctrica – e se reconstrói e dinamiza a big band, enquanto pela velha cave passam músicos de nomeada como Benny Golson, Lee Konitz, Freddie Hubbard, Pat Metheny e Max Roach, numa programação que é desde meados dos anos 80 dirigida por Luís Hilário: “O maior desafio neste trabalho é conseguir distribuir as oportunidades de uma forma equitativa e justa e decidir sobre o interesse ou não de determinados projectos”.
Foto de João Moreira dos Santos
Foto de João Moreira dos Santos
Parece ser unânime hoje que o futuro do Hot Club assenta na criação e instalação no prédio da sede de um núcleo museológico e de um centro de documentação e biblioteca que constitua uma verdadeira Casa do Jazz. Mas, independentemente da viabilidade de tal projecto, certo é que sessenta anos depois da sua fundação o Hot Club continua a ser a coluna vertebral do jazz, como sustenta Zé Eduardo: “Para os neófitos e os seus primeiros contactos com o Jazz, o Hot continua a ser definitivamente o Santuário de Fátima do Jazz em Portugal. Falta apenas o Villas (a Irmã Lúcia)”.
Artigo publicado originalmente no jornal Expresso (Actual) de Março de 2008.
6 Comments:
Belíssimo post. Belíssimo blog.
Com muito menos aspirações e conhecimento, convido para http://blue-breve.blogspot.com
João mais uma vez e sem ousar sequer tirar assistência ao JNPDI, acho que tudo isto, estes importantes textos de cultura, da história do Jazz em Portugal, deveriam "subir" à Televisão, à RTP2 porque não, porque sempre foi o canal público onde se dava cultura e onde se fazia a diferença. Deixar tudo isto somente num blog acho que é pouco, sabe bem escrever e saber que outras pessoas o lêem, mas isto deveria ser repartido por muito mais pessoas e mais rapidamente, pelo menos para que o "Hot" volta rapidamente ao lugar onde estava e receba aquilo que merece, a consagração.
Mais uma vez, parabéns pelo excelente trabalho.
Desejo a este blogue e seu feitor um Ano Novo sem crises e com realização dos mais altos anseios, particulares e gerais.
Saudações em quinteto de piano, baixo, sax tenor, trompete e bateira.
(Eu é só piano e mal.);)
Obrigado a todos e um Excelente 2010, pleno de harmonia!
Destes Red Rodney, Marcos Resende e Bernardo Moreira (1975)(foto) o Marcos Resende não é brasileiro, pois não?
O Marcos Resender é brasileiro, mas viveu em Portugal durante vários anos a partir da década de 60.
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