Cascais Jazz renasce em Dezembro Festival está de regresso após 21 anos de interregno
Dizzy Gillpespie no Festival Cascais Jazz, em 1980.Fotografia de Duarte Mendonça.
Em memória a Luís Villas-Boas, a ProJazz/DM-Produções, cujo dinamizador Duarte Mendonça foi durante 15 anos (1974-1989) co-produtor do festival Cascais Jazz em parceria com Villas-Boas, decidiu, após consulta e aprovação dos seus herdeiros, registar a marca Cascais Jazz e, ao mesmo tempo, voltar a realizar um festival de Jazz inspirado no mesmo nome.
As datas para o regresso deste novo Cascais Jazz estão já marcadas para 4, 5 e 6 de Dezembro deste ano, sendo o local escolhido para a realização dos cinco concertos que compõem o seu excelente cartaz o Auditório do Centro de Congressos do Estoril.
Trata-se, assim, de procurar reviver a maior iniciativa na área do Jazz alguma vez realizada, não só em Portugal mas também na Península Ibérica, dando-lhe oportuna continuidade e assim prestando uma justa homenagem à sua importância histórica. Para tal, a ProJazz/DM Produções propõe-se apresentar, com uma frequência anual, mais uma grande realização jazzística.
Na primeira edição deste ano, procurou-se torná-la uma iniciativa simbólica, ao apresentar em alguns concertos grandes nomes do Jazz ainda em actividade e escolhidos de entre os que tenham actuado no mítico Pavilhão do Dramático de Cascais entre 1974 e 1980, ano em que o Cascais Jazz mudou de palco e se transferiu para o Pavilhão dos Salesianos.
A par desses grandes nomes históricos, ainda vivos, outros músicos e grupos que estarão a seu lado no festival pertencerão a gerações mais recentes, embora mantendo fortes relações com a tradição do Jazz.
A organização anunciará brevemente o elenco e JNPDI aqui o divulgará de imediato.
JNPDI e Cascais homenageiam hoje Carlos Menezes Músico celebrou ontem 89 anos
Carlos Menezes (anos 60).Fonte: Carlos Menezes
JNPDI e a Câmara Municipal de Cascais promovem hoje, no Centro Cultural de Cascais, pelas 21h30, um concerto de homenagem a Carlos Menezes, guitarrista madeirense decano dos músicos de jazz portugueses e que ontem celebrou 89 anos.
E como de guitarra se trata, a direcção artística do espectáculo foi confiada a Bruno Santos (também ele guitarrista e madeirense), que dirige um trio composto por Filipe Melo (piano) e Demian Cabaud (contrabaixo). A esta secção rítmica de luxo juntam-se os convidados especiais António José de Barros Veloso (piano), Maria Anadon e Maria Viana (voz), e, obviamente, o próprio Carlos Menezes. A entrada é livre e o tom é de festa.
Centro Cultural de Cascais.Fonte: JMS/JNPDI
Carlos Menezes
Há 89 anos, a 29 de Setembro de 1920, nascia na ilha da Madeira Carlos Menezes, o primeiro músico de jazz português reconhecido internacionalmente e o pioneiro na introdução da guitarra eléctrica em Portugal. A estreia deste instrumento – então amplificado de forma improvisada – ocorreu na boite Nina, em Lisboa, por volta de 1944.
Ao longo de uma carreira de mais de 70 anos, a guitarra de Menezes fez-se ouvir em vários países e cruzou-se com músicos como Don Byas, Max, Tony Amaral, Jorge Costa Pinto (com cuja orquestra, a primeira big-band criada em Portugal, gravou em 1963 para a RTP), Mário Simões e Shegundo Galarza (com o qual actuou nos Estados Unidos), estando registada em centenas de discos gravados na Emissora Nacional pelo sistema de sobreposição.
A sua ligação ao concelho de Cascais data do final dos anos 40, época em que começou a actuar no Casino Estoril. Foi, aliás, neste casino que foi descoberto, nos anos 50, por Steve Race, crítico de música da prestigiada revista Melody Maker, que o colocou no dicionário dos grandes guitarristas mundiais, tornando-o o primeiro jazzman português a internacionalizar-se como tal.
Para além de uma longa carreira na Emissora Nacional, como músico da orquestra ligeira, e de inúmeras gravações para a RTP, a sua exímia técnica na guitarra e a ligação ao Hot Clube de Portugal e a Luís Villas-Boas, asseguraram a participação em múltiplas jam-sessions na cave da Praça da Alegria.
Em jam-session no HCP, com Max (Junho 1954).Fonte: Augusto Mayer
O presente concerto insere-se no lançamento do livro Jazz em Cascais – Uma História de 80 Anos, recentemente editado pela Casa Sassetti com o patrocínio da Câmara Municipal de Cascais e o apoio do Casino Estoril, Hot Clube de Portugal e Jazz no País do Improviso.
Memória do Jazz em Portugal Carmen McRae no JNDV (1982)
JNPDI retoma hoje mais uma memória do jazz em Portugal, desta feita para recordar o concerto realizado pela cantora Carmen McRae na primeira edição do festival Jazz Num Dia de Verão (Cascais), em Julho de 1982.
O tema que seleccionámos é o inconfundível e clássico "That Old Black Magic". A voz que anuncia os músicos é, claro, de Luís Villas-Boas, produtor deste festival, juntamente com Duarte Mendonça.
Completam-se hoje, 28 de Setembro, 18 anos sobre a morte de Miles Davis, esse incontornável e gigante ícone do jazz e da música do século XX. A sua partida foi noticiada em todo o mundo, incluindo na RTP.
Telejornal da RTP 1 (29/09/2009)
JNPDI presta-lhe homenagem publicando o artigo que escrevemos propositadamente para a revista Blitz n.º 9 (Março de 2007), um trabalho inédito que resultou da consulta de dezenas de artigos publicados pela imprensa da época, de uma detalhada entrevista ao produtor dos concertos mais recentes, em 1989 e 1991 e de pesquisa fotográfica e iconográfica (bilhetes dos concertos e autógrafos).
Para enriquecer este texto, adicionámos um audio-vídeo nosso referente à presença de Miles Davis no Cascais Jazz de 1971 e um vídeo (a qualidade da imagem é fraca, mas o audio está muito aceitável) que encontrámos no Youtube, também referente a este espectáculo. Ambos os vídeos são praticamente inéditos pois há décadas que a RTP não transmite a gravação que fez deste concerto...
Texto de João Moreira dos Santos
Miles Davis actuou por quatro vezes em Portugal no espaço de 20 anos, entre 1971, quando abriu o primeiro grande festival de Jazz do país, e 1991, ano que marcou também o seu adeus à vida. Se em nenhuma delas tocou jazz, em todas foi igual a si mesmo: um mestre do trompete e da arte de improvisar, alheado de tudo o que fosse para além da sua música e da sua arte. Nos ouvidos de quem assistiu aos seus concertos ainda ecoam os sons da fusão que fez soar em Cascais, Lisboa e Porto.
Quando em 1971 Miles Davis, aos 46 anos, pisou pela primeira vez território nacional era já uma estrela não do jazz, mas da música de massas, tocando as audiências do rock e da pop com as suas experiências de fusão entre estes dois géneros musicais. O auge da sua popularidade tinha sido atingido apenas um ano antes, quando na sua actuação no célebre Festival da Ilha de Wight (Reino Unido) partilhara o cartaz com os gigantes The Who, The Doors, Sly and the family Stone, Joni Mitchell e Jimi Hendrix, actuando perante nada menos do que 350 000 espectadores.
Miles Davis no Isle of Wight Festival (Agosto 1970)
Mas onde estava agora o consagrado monstro do jazz, autor de discos míticos como Birth of the Cool, Kind of Blue e Porgy and Bess? Provavelmente vivia apenas na sua atitude em palco e no seu som sublime no trompete, já que o divórcio de Miles com a sua música de sempre havia começado em finais dos anos 60 quando as vendas dos seus discos caíram abruptamente (cerca 50%), prejudicadas pelo advento do free jazz e pela explosão do rock, e o trompetista se encontrava não raras vezes a tocar em clubes com cerca de 40 pessoas…
Miles não estava pronto para sair de cena, mas sabia que tinha de encontrar um novo som para chegar à nova geração que ia a eventos como o Woodstock e por isso ouvia agora sobretudo músicos como Hendrix (músico que muito o impressionava e com quem esteve para gravar em estúdio), James Brown e Sly Stone, procurando sincronizar-se com a música do momento. Consequentemente, as mudanças na sua banda eram inevitáveis e os músicos iam-se sucedendo ao longo do tempo, isto enquanto Miles incorporava novos instrumentos, como a guitarra eléctrica e o piano eléctrico, rompendo com o passado. “O piano acabou. É um instrumento antiquado. Não quero voltar a ouvi-lo. Pertence a Beethoven – não é um instrumento contemporâneo”, afirmava então. Em 1969 gravava o disco da viragem, Bitches Brew, considerado o precursor da fusão. Pouco depois do seu lançamento, em 1970, atingia o top 40 e já tinham voado das prateleiras das discotecas nada menos do que 70 mil cópias, valendo-lhe o seu primeiro disco de ouro certificado. Miles sabia que este era o seu novo caminho e em breve estava a actuar pela primeira vez em palcos do rock, como sucedeu nos célebres concertos realizados (e gravados) no Fillmore, em São Francisco.
Flyer do I Cascais Jazz.Colecção particular de João Moreira dos Santos.
Curiosamente, o mago da trompete, como era conhecido, deslocava-se a Portugal para um festival da música que o havia consagrado, o Cascais Jazz – nesse ano iniciado por Luís Villas-Boas, João Braga e Hugo Lourenço – mas não tocaria jazz, o que causou natural desilusão entre os seus admiradores mais antigos e incondicionais. Contudo, ciente do seu valor e da sua popularidade e importância (para mais, acabara de ser eleito Jazzman do ano pela revista Downbeat), Miles trocou as voltas à organização do evento quando anunciou a João Braga que queria ser ele, e não Ornette Coleman – que havia realizado a revolução do free-jazz e era então um músico de referência como inovador e pioneiro – a abrir o Cascais Jazz: “Ele disse-me uma coisa que nunca mais me esqueci: «Este é o primeiro festival de jazz em Portugal e quero ser eu a abri-lo. Os outros só podem tocar a seguir a mim»”. As exigências de Miles não se ficaram, aliás, por aqui, incluindo um chauffeur branco (fardado a rigor, com boné, luvas brancas e dragonas), um sparring-partner para servir de saco de pancada às suas ambições de boxeur (na verdade foram dois porque o primeiro “voltou-se” ao trompetista e João Braga teve de ir à Mouraria arranjar “um tipo mais velho” que não oferecesse mesmo resistência…), uma suite em hotel de luxo, nove quartos simples em hotel de primeira classe, cinco automóveis e uma camioneta para transporte de equipamento (cerca de duas toneladas!).
Caprichos satisfeitos, por volta das 22h00 do dia 20 de Novembro Miles Davis subia ao palco do Pavilhão do Dramático e tinha a seus pés cerca de 12 000 pessoas – incluindo alguns notáveis da música portuguesa, como Amália Rodrigues, Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira – muitas delas convencidas de que iam ouvir jazz, convicção logo refutada quando Miles soprou as primeiras notas num trompete ligado a um pedal de efeitos (wah-wah e volume) para, como revelaria na sua autobiografia, se aproximar do som de Jimmy Hendrix. A acompanhá-lo estavam seis jovens, então, praticamente desconhecidos do grande público: Keith Jarrett (piano eléctrico), Gary Bartz (saxofone), Michael Henderson (baixo eléctrico), Don Alias e James Foreman (percussão) e Leon Chandler (bateria).
Miles Davis no Cascais Jazz (Novembro 1971)
Miles Davis em Berlim (Junho 1971)
Em palco o septeto debitava uma música predominantemente funky e eléctrica, baseada em discos como Bitches Brew, Black Beauty, Live at the Fillmore East e Live Evil, e apesar de Jarrett ter desde logo captado a atenção do público e da imprensa – com o Diário de Lisboa a informar na crítica ao festival que um dos seus solos “marcou profundamente toda a assistência, absolutamente conquistada” – todas as atenções estavam obviamente centradas no trompetista. E a primeira impressão que saltava à vista era a imagem pouco clássica de Miles. Diniz de Abreu descrevia assim, no Diário Popular, a sua nova indumentária: “Colete de pele preto, camisa da mesma cor, calça verde acetinada, muito justa, um lenço ao pescoço, caído em duas pontas; cinto dourado; botas prateadas; óculos escuros”.
Miles Davis no Cascais Jazz (Novembro 1971)
Estava claro que também no look Miles Davis se recusava a ficar preso ao passado e era agora, em todos os sentidos, uma verdadeira estrela. E se ao longo da sua carreira sempre se tinha distinguido por uma peculiar atitude em palco, tocando não raras vezes de costas para o público, a sua presença e a sua linguagem corporal assumiam ainda maior importância no momento em que se direccionava para as massas e para um público sedento de carisma e revolução.
Colecção particular de João Moreira dos Santos.
Na revista O Século Ilustrado Maria Antónia Palla escrevia após o concerto: “Quando Miles pára e deixa tocar o seu conjunto, fica a um canto do palco, o corpo inclinado para a frente, as mãos fixadas nos joelhos, balançando-se como um felino selvagem pronto a saltar sobre a presa. O rosto cerrado, sem deixar transparecer a menor emoção, fixa o olhar num ponto indeterminado. (…). Numa hora passada de exibição, nem um sorriso. Como se o público não contasse, como se a multidão fosse um inimigo potencial”. Mas nem todos eram anónimos entre os 10 000 espectadores. No meio do público, de gravador em mãos, estava outro trompetista e gigante do jazz, Dizzy Gillespie, que referia estar a gravar o concerto para ver se percebia depois o que Miles estava a tocar em palco…
Música à parte, Miles Davis era também mais uma das estrelas da música que se tornara vítima e dependente das drogas. João Braga recorda um facto que chamou a sua atenção: “A água que escorria das costas dele durante o concerto era algo inumano, certamente por causa das profaminas”. A verdade é que antes de actuar Miles solicitara a Braga uma elevada quantidade deste medicamento tendo, como este recorda, “engolido sem se deter as três caixas” providenciadas, mas isto só depois de sair do armário da suite do Hotel Palácio, no Estoril, onde se encontrava fechado em meditação. Não era pois de admirar que no final do concerto mal conseguisse articular uma frase, não dirigindo mais do que um seco obrigado a Villas-Boas, que o esperava nos camarins, depois de este ter deixado o palco com o trompete erguido em sinal de agradecimento e satisfação por esta sua prima nocte em Portugal.
Luís Villas-Boas e Miles Davis no final do concerto.D.R.
Muita coisa mudaria, contudo, na vida de Miles pouco depois do Cascais Jazz. Com efeito, no Verão de 1975 o príncipe negro arrumava pela primeira vez o trompete para entrar num período sombrio marcado pela deterioração da sua saúde, o abuso de drogas e o desenvolvimento de sentimentos paranóicos, fechando-se em casa e passando pela prisão por não cumprir com a pensão alimentar do seu filho Erin.
Mas mais uma vez o “camaleão” Miles não estava preparado para sair de cena e no início dos anos 80 emergia renovado do seu casulo. Liberto das drogas e a recuperar a sua sonoridade no trompete (o que só conseguiria plenamente ao fim de três anos), apresentava-se agora com uma nova banda cuja música estava ainda mais próxima do que a juventude negra norte-americana ouvia e comprava, o que lhe permita chegar a audiências que desconheciam mesmo quem era Miles Davis, mas que se identificavam com a sua sonoridade soul, funky, pop e electrónica, acentuada por um discurso mais melódico que iria consolidar-se ao longo dos anos.
Era este o ambiente sonoro que já se adivinhava em discos como The man with the horn (1980), We want Miles (1981) e que ganhava nova expressão com a entrada em cena dos seus novos parceiros musicais, particularmente o baixista Marcus Miller, autor de novos temas e do arranjo de vários êxitos do trompetista. Em breve os seus discos chegavam a lugares cimeiros nas tabelas de vendas e Miles, para desgosto dos seus admiradores dos anos do jazz, estaria mesmo a adoptar temas dos novos ícones da pop, como Cindy Lauper e Michael Jackson (que edita no disco You’re Under Arrest), e a gravar com músicos e bandas como Prince, Toto, Scritti Politti e Cameo. Depois da ruptura com as drogas e com o som dos anos 70 seguir-se-ia ainda a ruptura com a sua editora de três décadas, a Columbia, e a mudança para a Warner, onde a partir de 1986 iria editar os seus derradeiros registos: Tutu, Siesta, Amandla, Dingo, Miles & Quincy Livet at Montreux e Doo-bop.
1989: O segundo concerto
Foi este “novo” Miles Davis que se apresentou a 2 de Abril no Coliseu dos Recreios, no primeiro concerto da sua digressão europeia e também o primeiro na cidade de Lisboa. Mas o trompetista, agora com 63 anos e acabado de sair do hospital devido a uma pneumonia, era uma pessoa diferente, como recorda Rui Neves, o promotor do espectáculo: “O Miles Davis tinha saído de um longo período de hibernação e estava numa onda diferente, talvez mais polémico, mais do que nunca”.
Miles Davis em Paris (1989)
Porém, antes do mago do trompete chegar ao Coliseu teriam de ser vencidos alguns obstáculos. O mais difícil destes era obviamente a dificuldade em contratar um músico que exigia como cachet um valor exorbitante para a época, nada que demovesse Rui Neves e a sua equipa, determinados que estavam a não perder esta oportunidade única: “O Miles Davis pedia imenso dinheiro: 40 000 euros. Nós tínhamos algum dinheiro, mas não tínhamos que chegasse e como estávamos a fazer o Festival de Jazz na cidade pedimos ao Vereador da Cultura da Câmara Municipal (Vítor Reis) que adiantasse algum dinheiro deste festival e assim foi”. Mas o processo não ia ser assim tão linear: “Como arranjámos o dinheiro à última hora dois de nós tiveram que ir de avião a Boston com 40 000 dólares em notas «para bater» no escritório do representante do Miles Davis!” Por outro lado as exigências técnicas eram também elevadas para a época: “[O Miles] pedia coisas assombrosas de tecnologia de som. Depois quem trabalhava eram os técnicos dele: trazia três pessoas para o som e três pessoas para a luz”. Estas exigências permitiram montar no Coliseu o que José Duarte consideraria no jornal Sete “um som espectacular onde a pureza da captação era espantosa [e] a individualidade sonora dos instrumentistas impecável”.
E se Rui Neves adivinhava no mago do trompete uma redobrada polémica os acontecimentos antes do concerto haveriam de lhe dar razão, como o próprio recorda: “Quando ele chegou ao Hotel Tivoli teve de esperar que a suite estivesse vaga e eu tomei o pequeno-almoço com ele, mas nunca falei sobre música, falei só sobre pintura. Depois já o tínhamos convencido a estar presente numa conferência de imprensa à tarde, numa sala chic do hotel Tivoli. Efectivamente ele esteve, todo encasacado, levava um casaco de couro cheio de cores, uma coisa muito inchada, e tinha uma cabeleira postiça… O Miles ali ao pé de nós parecia um boneco cibernético; só falava com quem queria e falava com aquela voz fanhosa. Sentei-me ao lado dele na mesa da conferência e depois um jornalista do Expresso disparou a primeira pergunta, que teria a ver com algo como o jazz branco e preto. O Miles ficou abespinhado, saiu imediatamente e boicotou o encontro com a imprensa”. Sem responder a uma única pergunta, o trompetista recolheu à sua suite. Porém, Rui Neves desconfiava já da sua pouca vontade em participar naquele evento, o que aliás era raro suceder noutros concertos: “Ele não gostou da pergunta e foi-se embora, mas eu acho que ele já estava a preparar isso. Fiquei com a ideia de que ele estava mesmo afinado para se vir embora caso acontecesse qualquer coisa de que não gostasse”.
Tal incidente não impediu porém a divulgação do concerto na imprensa, que nas vésperas do evento lhe dedicava várias páginas, nomeadamente o jornal Expresso, através de Raul Vaz Bernardo e de António Curvelo. Mas se o concerto era visto como o evento musical do ano, nem todos olhavam o novo Miles com reverência. Com efeito, o Diário de Notícias, por exemplo, titulava assim o artigo sobre o trompetista: “Miles embalado em plástico vai estar hoje no Coliseu”. A referida plasticidade devia-se ao casamento da sua música com a electrónica, algo que os mais clássicos amantes do jazz não lhe perdoavam, conforme esclarecia o autor da notícia, Monteiro Costa: “Teremos então esta noite, no Coliseu, um Miles Davis envolvido pelo plástico dos electrónicos. Tentem concentrar-se exclusivamente na voz do trompete. Talvez consigam momentos óptimos”. Também a sua ruptura com a sonoridade do jazz e o casamento com o rock não lhe eram poupados pelos críticos de jazz. Escrevia ainda Monteiro Costa: “Miles Davis não se conformou, porém, com a perspectiva desta existência sombria [do êxito alcançado décadas antes no âmbito do jazz]. Decidiu figurar nas primeiras páginas, continuar a vencer referendos, ganhar muito dinheiro. Socorreu-se então dos cenários (com sucesso garantido) do rock, das técnicas electrónicas e das campanhas promocionais das grandes editoras. Até o seu temperamento, naturalmente agressivo, ajudou a vender a imagem junto do novo (amplo) público que foi conquistando”. Já José Duarte parecia mais preocupado em aproveitar a presença de Miles para dirigir uma farpa aos dirigentes da cultura da época, rematando ironicamente o seu artigo no jornal Sete: “França fê-lo honoris causa. Espanha fê-lo cavaleiro. Lisboa cede-lhe o Coliseu”.
Entretanto, na produção tudo decorria com normalidade já que ao contrário do que sucedera no Cascais Jazz, Miles estava agora mais comedido nas suas extravagâncias contratuais, exigindo apenas uma limousine Mercedes, e também mais acessível no trato com os produtores do espectáculo, como recorda Rui Neves: “O Miles foi demais, estava amorosíssimo. Eu pessoalmente dei ao Miles uma gravura do meu amigo António Palolo e uma tela enrolada do meu amigo pintor Miguel Horta [autor do design do cartaz e bilhetes deste concerto] e o Miles adorou isso”. Ciente do interesse do trompetista pela pintura, o produtor ainda o convidou a ver o tríptico do Hieronymus Bosch, um dos ex-libris do Museu Nacional de Arte Antiga: “Ele disse que queria ir, mas no outro dia mandou o valet dele (um valet muito gay, por sinal) às compras comigo aos estilistas e andei com ele a comprar tintas, acrílicos e telas na casa Varela, do Bairro Alto, para [o Miles]. Ele ficou sempre fechado na suite a pintar”.
Já próximo da hora do concerto surgia um sinal de alarme, com os produtores a constatarem que se a sala estava completa na geral, nos camarotes e no galinheiro, já a plateia permanecia timidamente preenchida, deixando o Coliseu longe de acolher as 4000 pessoas que dias antes haviam esgotado os bilhetes. Para agravar a situação, nos bastidores Miles Davis exigia começar rigorosamente às 21h30 e assim sucedeu, causando alguma emoção e calafrios à produção. “Eu estava a ver a situação e estava um pouco emocionado por ver o Miles Davis ali, que nos tinha dado tanto trabalho trazer, e as pessoas que tinham pago o preço maior a correrem à pressa para ocupar o lugar”, recorda Rui Neves.
Miles Davis, Coliseu de Lisboa.Fonte: João Freire.
Eis, então, que a música gravada ecoa pelo Coliseu e por entre fumos de cena surge Miles Davis que, vestido de forma exuberante e escondido por detrás de uns enormes óculos escuros, percorre o palco desenhado por si. Só depois entram os membros da sua banda, que formara apenas no ano anterior, composta pelo saxofone de Kenny Garrett, os baixos eléctricos de Benjamin Rietveld e Joseph “Foley” McReary, a bateria de Ricky Wellman, a percussão eléctrica de John Bigham e os teclados de Kei Akagi. Durante a sua actuação Miles recorre frequentemente ao diálogo ora com o saxofone e a flauta de Garrett (unanimamente considerado a revelação do concerto), ora com o baixo de Foley (ligado a uma parafernália de pedais de efeitos) ou, ainda, com a percussão electrónica de Bigham, que diz representar o som das ruas que deseja importar para a sua música. Ao contrário do que era habitual no passado, Miles move-se agora de um lado para o outro e quando não toca trompete passa as mãos pelos teclados para injectar um acorde num tema e puxar pelo groove da banda. Quando ataca o trompete raramente toca sem a surdina e bebe frequentemente água após cada intervenção, normalmente curta. A fórmula do sucesso mantém-se, pois, na criteriosa gestão dos silêncios.
A este propósito e sobre a prestação de Miles no Coliseu escrevia José Duarte para o jornal Sete, três dias depois: “Miles já quase nunca discursa, diz apenas coisas, às vezes mesmo sem nexo, pequenas frases ou até só palavras para encher os espaços e os silêncios e criar outros. (...) Fazem agora parte dos solos de Miles os passeios, a forjada distanciação em cena (de costas e numa espécie de altar), uma maior atenção ao público, ao olhar para ele às vezes, e ao falar pelo microfone da boca da trompete”. Mas, para que não restassem dúvidas, remata: “Agora a verdade, verdadinha, é que a sonoridade que Miles ainda obtém (com ou sem abafador) é notável, tem o selo altamente personalizado e algo de mágico e extraordinário. Depois de um curto intervalo, Miles voltou só com ritmo e em tempo muito lento desfraldando, durante minutos, a bandeira da genialidade. Intervenção perfeita, de extremo bom gosto, numa forma que esgota o conceito, discurso de alta sensibilidade, superior inteligência musical, construção melódica, rica e exuberante de maturidade, contenção e equilíbrio”.
Os temas, esses, num total de 12, sucediam-se uns após os outros, muito baseados no disco Tutu, até que “Time after time”, da autoria de Cindy Lauper, levanta uma enorme salva de palmas, uma interpretação que António Curvelo consideraria “uma obra-prima” ao escrever a sua crítica do concerto para o jornal Expresso. Cerca de duas horas depois, por volta das 23h30 o público exigia um encore com grande ruído desconhecendo que a essa hora já Miles Davis ia a caminho do hotel. Afirma Rui Neves: “O Miles já estava um bocado fisicamente caquético, movimentava-se com uma certa dificuldade, não podia estar muito tempo de pé. Enquanto ele estava a tocar o produtor dizia-me que ele tinha muita energia, mas que não o podiam deixar tocar mais do que duas horas. Logo que saía do palco estava sempre sentado e só bebia Diet Coke”. O seu segundo round em Portugal estava terminado e se não deixara o público KO também estava longe de ser uma derrota.
Nos dias seguintes a imprensa concedia, obviamente, grande destaque ao concerto. O Correio da Manhã titulava “Jazz de Miles Davis espantou o coliseu”, o Diário de Lisboa falava no “Príncipe das trevas” e o Diário Popular colocava em título “Miles Davis: Último fôlego no coliseu”, salientando que “o mestre chegou com um humor inédito, tocando de frente para o público e chegando ao extremo de saudar a plateia com a trompete (…) em riste” e sem “os seus invioláveis óculos escuros”.
1991: Adeus, Miles
Quem em 1989 tinha vaticinado a Miles e o seu último fôlego no Coliseu estava bem longe da razão, já que em Março de 1991 o trompetista estava de regresso para dois concertos, um no Coliseu do Porto (dia 16) e outro no Coliseu de Lisboa (17), agora sim os seus derradeiros. E para que não passasse despercebido acompanhavam-no 20 mil watts de som e 180 mil de luz… Estes não eram claramente concertos de jazz!
Relativamente ao concerto realizado anos antes poucas eram as diferenças, para além de pequenas mudanças na banda e da apresentação de alguns temas novos. António Curvelo foi quem porventura melhor descreveu o que Miles tinha para apresentar ao público: “O enamoramento pela obra actual do trompetista radica na magia visual, na alquimia do espectáculo montado numa cena paramentada como altar de um ritual soberano construído para abraçar um público habituado a ver mais do que a ouvir; ou talvez melhor, uma plateia que só ouve o que vê e porque vê”. E sobre a sua música: “Parece pacífica que a prática musical de Miles é hoje mais pobre (e não apenas diferente). A riqueza rítmica de outrora (amassada em diversidade e intensidade) rendeu-se a estruturas mais simples, alimentadas quase exclusivamente pela força sonora. Onde antes havia subtileza e virilidade há agora evidência e agressividade”. Esta opinão era partilhada por Villas-Boas que em entrevista ao jornal Público, em Março de 1991, afirmava: “Assisti ao regresso de Miles Davis há doze anos. Foi o começo desta fase em que está menos ligado ao jazz. Um retrocesso, para satisfazer um público que traz mais lucro no aspecto material”.
Embora o factor novidade estivesse pouco presente, Miles é Miles e mais ainda do que em 1989 a imprensa dedicava-lhe elevada atenção, com destaque para o longo artigo de cinco páginas que António Curvelo escreve para o Público de 16 de Março, jornal que concede a Miles Davis o exclusivo da sua primeira página deste dia, facto inédito para um músico oriundo do jazz. Nesta mesma data a RTP transmitia o concerto dado pelo trompetista em Paris, em Novembro de 1989, compensando assim todos os que não podiam deslocar-se aos coliseus.
Miles Davis em Paris (1989)
A produção de ambos os espectáculos estava mais uma vez sob a responsabilidade de Rui Neves, que justifica assim a opção de apresentar novamente Miles em Portugal: “Aconteceu porque era isso que estava a pedir. Em 1989 tinha sido só um concerto e tinha tido tanto sucesso…”. Tal como sucedera em 1989 as exigências do trompetista já pouco tinham de extravagante e resumiam-se a latas de Diet Coke e a ficar descansado no hotel a pintar, um hotel de luxo, claro… Mas Miles estava agora mais frágil: “Ele já estava um bocado debilitado, em dois anos pareceu-me mais debilitado”.
O primeiro dos concertos teve lugar no Porto, onde Miles se estreava, e à semelhança dos anteriores concertos do trompetista entre nós o insólito voltaria a marcar presença, como recorda Rui Neves: “O Coliseu do Porto antigo era uma lástima, era um espaço de espectáculos decrépito e então aconteceu uma coisa fantástica: o Miles Davis sentiu tanto frio no palco que tocou uma hora e foi-se embora e pediu-nos que o levássemos ao hotel porque não conseguia tocar. Incrível”. Miles abandonava a sala ao som dos primeiros acordes de “Tutu”, mas o espectáculo esse continuou durante mais uma hora, para um Coliseu quase esgotado, com a actuação dos músicos de Miles: Deron Johnson (teclados), Foley McReary (baixo), Richard Patterson (baixo) Ricky Wellman (bateria) e Kenny Garrett (saxofone e flauta). Enquanto esteve em palco Miles não dirigiu uma palavra ao público e tocou quase sempre de costas, o que já era hábito…
Miles Davis, Coliseu de Lisboa.Fonte: João Freire.
Em Lisboa o cenário foi praticamente o mesmo, com o Correio da Manhã a relatar dois dias depois os acontecimentos sob o título “De costas para o público Miles domina o Coliseu”. Mas algo tinha mudado, porém, já que a produção aprendera com os problemas ocorridos no Porto. Esclarece Rui Neves: “No concerto de Lisboa fizemos uma coisa gira. Gastámos um dinheiro em alcatifa industrial e alcatifámos os camarins todos velhos, para tapar as mazelas, e pusemos lá um espelho e um jarro de flores e um aquecedor e champanhe e ele estava ali na maior. Parece que estava numa cápsula. E pusemos um aquecedor no meio do palco e quando ele não tocava chegava-se ao aquecedor e aquecia-se”.
Ao contrário do que sucedera dois anos antes, Miles entrou em palco com um atraso de 20 minutos, mais uma vez com roupas extravagantes e óculos escuros que só tiraria para saudar o público. Nas mãos o seu característico trompete encarnado (que será feito dele?) e uma novidade: tabuletas para anunciar o nome dos músicos, os quais levantava no final de cada solo. Maria João Lourenço, jornalista da Tv Guia, captou bem os seus gestos em palco: “Dobrado sobre si próprio, percorre o palco de uma ponta a outra, como quem persegue as sete notas. Ou então, a corresponder aos aplausos no final no final do solo: trompete ao alto, num gesto fugaz a fazer lembrar a saudação dos negros. De costas para o público, o único sinal de «vida» é muitas vezes o movimento dos maxilares, entretidos com chewing gum. Ou ainda, quando os óculos lhe escorregam para a ponta do nariz, empurra-os com o indicador para o seu lugar. Sorrisos nem pensar”.
Miles Davis em Paris (1991)
Num concerto em que Miles tocou pouco e quase se limitou a pontuar, dando mais tempo de antena aos seus músicos, Corvelo viu na actuação do trompetista um certo regresso ao passado, escrevendo no jornal Público: ” Quando a primeira hora se esgotou, nada poderia apagar a imagem de um Miles Davis totalmente empenhado numa música claramente afastada da agressividade sonora da sua passagem por Lisboa em 1989 e cada vez mais próxima da evocação – emocional e física – do ciclo Prestige e dos primeiros anos Columbia, a que não faltaram, sequer, frases e desenhos que pareciam saídos dos mapas de “Someday my prince will come” ou de “My funny Valentine”. Mas os temas agora interpretados eram bem mais actuais: “Perfect way”, “um blues original de Miles, “Hannibal”, “Human nature”,“Time after time”, “Tutu”, “Serenate/Me + you”, “Carnival time”, “A girl + her puppy”, “Penetration”, “Are U legal yet” e “Jail bait”, sendo os últimos quatro da autoria de Prince.
Tal como em 1989, não houve encore porque Miles não voltou e nem mais voltaria já que em 28 de Setembro morria vítima de pneumonia, pouco tempo depois de ter aceite voltar a tocar jazz, como quem se reconcilia com o passado, num concerto histórico promovido a 8 de Julho, em Montreux, por Quincy Jones. A inesperada partida de Miles Davis veio frustrar os planos pioneiros de Rui Neves: “Nós tínhamos combinado levá-lo a Angola, estávamos a tratar disso para 1992 porque tínhamos pessoas em Luanda que queriam. Era demais. Fantástico”.
Rui Veloso no seu estúdio (2007).Fonte. João Moreira dos Santos
Rui Veloso, amante da música de Miles Davis, orgulha-se dos autógrafos que o trompetista lhe desenhou na capa de dois discos, Star People (1983) e Tutu (1986), e explica o porquê da escolha destes registos em particular: “Eu gostei muito desta fase do Miles porque era uma fase mais funky. O Tutu gostava porque é uma capa histórica na história das capas de discos em geral, com uma fotografia do Irving Penn, e queria, até pelo contraste da capa, que tivesse uma assinatura do Miles. O Star People foi porque a capa é do Miles e ele acabou por completar o desenho dele, que é onde está a piada da coisa”.
Fonte: João Moreira dos Santos.
Quanto ao concerto em si, lamenta o facto de Miles ter tocado pouco e recorda sobretudo o saxofonista que o acompanhava: “O Kenny Garrett foi fabuloso, um tipo absolutamente monstruoso. Foi um concerto extraordinário não do Miles, mas do Kenny Garrett, que era realmente um saxofonista de mão cheia. Vim de lá completamente siderado por ele.
Fanático confesso do pianista Bill Evans, um ex companheiro do trompetista, confidencia ainda que “o jazz é como a pintura: ou gosto ou não gosto”.
The Pursuit, o novo CD do cantor Jamie Cullum, tem data de edição marcada para 20 de Novembro próximo. O músico britânico já anunciou que este será um trabalho mais a pender para o rock, embora mantenha a vertente jazzy que o tem caracterizado.
Recordemo-lo num memorável espectáculo que realizou no Blenheim Palace, no Reino Unido, no Verão de 2004.
JNPDI atingiu hoje o valor acumulado de 300 000 visitas, o que sucede 5 meses depois de termos celebrado o primeiro quarto de milhão de visitantes. O objectivo é agora atingir o meio milhão pois estamos já a preparar uma iniciativa muito especial para essa efeméride.
O vibrafonista Jeffery Davis acaba de lançar o CD Haunted Gardens, o seu primeiro registo como líder. Quem o viu e ouviu em Abril passado no CCB, no Dose Dupla, em duo com Pascal Schumacher, conhece já a excelência deste músico, que está bem patente nesta gravação da TOAP em que é acompanhado por André Fernandes, Nelson Cascais e Marcos Cavaleiro. JNPDI aproveitou o “pretexto” e entrevistou-o.
JNPDI:Vamos começar pelo princípio porque o teu nome e apelido deixam entender que és estrangeiro. Para quem não te conhece, quais as tuas origens?
Jeffery Davis: Sou filho de pai canadiano e mãe portuguesa. Nasci no Canadá e vim para Portugal muito cedo com cinco anos, devido a um problema de saúde que era incompatível com o mau tempo canadiano.
JNPDI:A tua formação foi inicialmente clássica, no Conservatório Calouste Gulbenkian, em Aveiro, e na Escola Profissional de Música de Espinho. Como é que chegaste ao jazz?
JD: Cheguei ao jazz muito cedo ate antes de começar a estudar música, através de algumas gravações que o meu pai tinha em casa (sendo ele fã desse estilo) e de um professor de percussão que tive em Espinho, Mário Teixeira, que me incentivou bastante.
JNPDI: Quais eram as tuas grandes referências jazzísticas no início?
JD: Os mais antigos, sendo essas as gravações que o meu pai possuía na altura, Louis Armstrong, Lester Young, Miles Davis, John Coltrane, Milt Jackson, John Coltrane, Bill Evans, Bud Powel, Charlie Parker, mais tarde Pat Metheny, Lennie Tristano e Lee Konitz, entre muitos mais.
JNPDI:E actualmente, que músicos e projectos te seduzem mais?
JD: Existem vários, mas para nomear alguns: Brad Mehldau, Kurt Rosenwinkel, Mark Turner, Steve Nelson, Dave Holland, Ben Monder, Ethan Iverson, Chris Cheek, Keith Jarret e muitos, muitos outros.
JNPDI:Regressemos aos estudos… porque em 2006 terminaste o curso da Berklee College of Music com grande distinção. Como foi essa experiência?
JD: Foi bastante intensa e divertida, conheci muita gente incrível e toquei com grandes músicos.
JNPDI:Na tua opinião de ex-aluno, o que é que faz da Berklee a referência que é?
JD: A história da própria escola e o facto de ter músicos de todo o mundo. A variedade cultural daquele sítio é incrível.
JNPDI:Ainda no âmbito da formação, não posso deixar de referir alguns dos músicos com quem estudaste nos EUA: Joe Lovano, Gary Burton, Dave Liebman… O que retiveste deste contacto privilegiado, nomeadamente para as master classes que realizas em Portugal e no resto da Europa?
JD: Na minha opinião acima de tudo numa situação de master classes ou workshops o mais importante é transmitir inspiração e amor pela música, para que os alunos tenham essa mesma inspiração e vontade de estudar e aprender esta música. Acima de tudo, foi isso que esses professores me transmitiram.
JNPDI:Mudavas alguma coisa no ensino do jazz em Portugal?
JD: Acho que o ensino da música em Portugal está melhor do que nunca.
JNPDI:E na programação dos festivais?
JD: Mais músicos portugueses! Este país está repleto de músicos com um nível incrível e acho que os festivais nacionais deveriam apostar mais em músicos da nossa própria terra.
JNPDI:Vamos então ao Haunted Gardens, que é o principal motivo desta nossa conversa. O que pretendias comunicar com este título tão sugestivo?
JD: Nada de especial. É o titulo de um dos temas do disco, que foi escrito em casa dos meus pais onde a minha mãe tem um jardim belíssimo, e assim surgiu o tema. A razão pela qual dei este nome ao disco é que por algum motivo sempre achei a minha música algo sombria em contraste com a minha forma de ser, e daí achei este titulo adequado.
JNPDI:Como surgiu este projecto?
JD: O projecto tem vindo a surgir desde que cheguei dos EUA em 2006. Tem sido uma constante busca de música e músicos até chegar a um resultado que me satisfizesse musicalmente. O André, curiosamente, conheci nos EUA, e percebi logo que era um músico muito especial e sem dúvida alguém com quem eu iria querer gravar o disco. Quando cheguei a Portugal conheci e ouvi tocar o Nelson Cascais e imediatamente percebi que era ele o contrabaixista. O Marcos Cavaleiro foi o último a chegar à banda. A primeira vez que toquei com ele foi noutro projecto que não o meu, até acho que foi numa banda do André Fernandes, e foi fácil perceber que seria ele o baterista desta banda.
JNPDI:Foi difícil chegar até aqui?
JD: Digamos que foi um processo, um processo bastante divertido e bastante trabalhoso. Mas como dizem, quem corre por gosto não cansa. Também gostava de dizer que a existência da TOAP foi uma enorme ajuda. Foram eles que deram o voto de confiança que eu precisava para gravar o disco.
JNPDI:Excusado será dizer que obviamente concordas comigo na importância que atribuo à editora Tone of a Pitch (TOAP) na promoção do jazz português...
JD: Plenamente, acho incrivelmente notável o esforço e a dedicação que as pessoas na TOAP têm pelo jazz nacional. Acho que se não fossem eles o mundo jazzístico português estaria bem mais pobre.
JNPDI:Os oito temas presentes no CD são todos originais teus, o que confirma de facto algum afastamento dos standards (pelo menos em disco) por parte das novas gerações de músicos. Achas que os velhinhos standards do jazz e do American Songbook estão esgotados?
JD: Acho que não, de todo. Só que visto que venho de uma escola onde eles são a grande parte do reportório que se toca ,para mim era um desafio bastante refrescante escrever toda a música para o disco. Era uma oportunidade de também incluir as minhas outra influências que não o jazz na própria escrita. A ideia de escrever especificamente para cada músico também me agradava imenso. Tendo os músicos escolhidos, torna-se mais fácil escrever e bem mais divertido. Mas tenho grande vontade de num futuro próximo gravar um disco com standards.
JNPDI:Como é que compões? Isto é, qual é o processo e qual a inspiração?
JD: Não há grande processo, sento-me ao piano e escrevo o que ouço na cabeça. A inspiração vem de toda a música que ouço e todas as situações que vivo no dia a dia.
JNPDI:Se agora aterrasse aqui um ET e te perguntasse que música é esta que tocas no CD, o que lhe responderias? Não basta dizeres que é jazz porque desconfio que em Marte eles desconhecem o que por aqui fazemos musicalmente…
JD: Diria que era a minha música. Acho que a música tem um toque bastante pessoal com o qual eu me identifico imenso, que vai para além da necessidade de a catalogar. Tenho influências de todo o lado: música clássica, contemporânea, jazz, rock e outras. E acho a minha música uma mistura de todas essas influências.
Fonte: JMS/JNPDI, 2009.
JNPDI:Tens 28 anos e este é o teu primeiro disco, que é editado numa época de crise para as grandes editoras tradicionais e em que se coloca muito seriamente a hipótese do fim do CD. Pensas que a tua carreira pode ser já feita sobretudo através de músicas compradas online?
JD: É uma possibilidade, mas para ser honesto não me incomoda. Eu compro a maior parte da música que ouço online, só por uma questão de conveniência, pois muitas vezes os discos que pretendo não existem nas discotecas neste país e para os encomendar demoraria uma eternidade. Esta é uma forma de estar tudo bastante mais acessível.
"How High the Moon", com música de Morgan Lewis e letra de Nancy Hamilton, foi estreado na peça Two for The Show, exibida em 1940 na Broadway. Ao jazz, chegou pelas mãos da orquestra de Benny Goodman, que gravou este tema em Fevereiro deste mesmo ano.
Ei-lo aqui, em 1967, a "descascar" o tema e a explicar como Charlie Parker utilizou a sua harmonia para compôr "Ornithology".
Em 1960, Ella Fitzgeral incluiu este standard num concerto memorável que realizou em Berlim e a Verve registou-a em disco. Não foi por acaso que Ella cantou "How High The Moon" pois este tema foi uma das "signature songs" do início da sua carreira, tendo-o gravado em 1947 pela primeira vez. No seguinte vídeo podemos vê-la, mas em 1966. A interpretação é notável sob todos os pontos de vista. Obrigatório ouvi-la...
Mas, já que estamos a falar de vozes, ouçamos a versão dos Manhattan Transfer com Ella e sem ela...
Ao nível das vozes, uma das nossas versões preferidas é a de Betty Carter. O concerto é de 1994, no Carnegie Hall (NYC). Ouça-se a forma como a cantora reiventa a canção à sua maneira, tal como faria um qualquer (bom) instrumentista que sobre ela improvisasse.
Dianne Reeves, uma das melhores vozes femininas do jazz contemporâneo, canta assim este "How High the Moon".
Vejamos agora o que sucedia quando Nat King Cole (ao piano), June Christy (na voz) e Mel Tormé (à bateria), se juntavam ao luar...
O mítico violinista Stéphane Grappelli gostava particularmente deste tema.
Embora não seja uma das canções mais populares para evidenciar os dotes de solista dos contrabaixistas, Arvell Shaw deixou-nos uma excelente versão num concerto de 1964 com o sexteto de Louis Armstrong. Vale a pena ver!
Somewhere there's music How faint the tune Somewhere there's heaven How high the moon There is no moon above When love is far away too Till it comes true That you love me as I love you
Somewhere there's music How near, how far Somewhere there's heaven Its where you are The darkest night would shine If you would come to me soon Until you will, how still my heart How high the moon
Somewhere there's music How faint the tune Somewhere there's heaven How high the moon The darkest night would shine If you would come to me soon Until you will, how still my heart How high the moon
CSB Rádio: Nova equipa reuniu ontem em Cascais pela primeira vez
A nova equipa da nova CSB Rádio reuniu ontem em Cascais num almoço informal que serviu para conhecer os contornos desta estação que se posiciona como a primeira rádio de cultura privada em Portugal e aposta forte no jazz, na música clássica/erudita e na música brasileira.
Entre os colaboradores da CSB encontram-se, além do autor deste blogue, personalidades como Leonor Xavier, Tiago Torres da Silva, José Jorge Letria, Ana Paula Lemos, Jorge Rodrigues e Paulo Sérgio (director e responsável pelo programa da manhã).
Paulo Sérgio, JMS e Leonor Xavier
Jazz No País do Improviso foi um dos primeiros programas/espaços da nova grelha a arrancar, estando no ar desde 20 de Julho, sempre de segunda a sexta-feira, entre as 12h00 e as 13h00 e as 20h00 e as 21h00.
Luís Sangareau: Faleceu o decano dos bateristas de jazz em Portugal
Jean-Pierre Gebler e Luís Sangareau, Barcelona.Fonte: Augusto Mayer.
Faleceu hoje, com 85 anos, Luís Sangareau, um dos primeiros bateristas de jazz em Portugal - sem dúvida o mais influente da sua geração - e um dos mentores, com Luís Villas-Boas, da fundação do Hot Clube de Portugal. O músico, e também artista plástico, encontrava-se hospitalizado há 15 dias e foi vítima de enfarte agudo do miocárdio.
Filho do então Chanceler da Embaixada de Espanha em Portugal, Luís Sangareau nasceu em Lisboa a 18 de Novembro de 1923. A sua paixão pelo jazz, partilhada por três dos seus seis irmãos, e a amizade com Luís Villas-Boas - que conheceu em meados de 1944 - rapidamente transformaram a sua casa num centro de audição de discos e improvisação instrumental. Aí se reunia, assim, o primeiro grupo organizado de amadores de jazz em Portugal, de que faziam ainda parte, entre outros, Gérard Castello-Lopes, Augusto e Ivo Mayer e Manuel Menano.
O seu nome tornou-se referencial no jazz quando em Novembro de 1945 participou na primeira jam-session realizada em Portugal, no Instituto Superior Técnico, onde tocou com José Puertas (violinista espanhol), Nereus Fernandes, António Mendonça, Aleixo Fernandes e Fernando Freitas da Silva. Esta sessão marcou o arranque do programa radiofónico Hot Club, que Luís Villas-Boas manteve na rádio nacional ao longo de três décadas.
Carlos Menezes, Luís Sangareau e Viegas (1954). Fonte: Augusto Mayer.
Nos anos 40 e 50 esteve bastante activo como baterista, participando em inúmeras jam-sessions no café Chave d'Ouro (no Rossio), na sede do Hot Clube de Portugal e no Festival de Música Moderna. Ocasionalmente, acompanhou músicos estrangeiros de passagem por Portugal, de que é exemplo a jam-session organizada por Luís Villas-Boas em Fevereiro de 1953, para o programa Hot Club, transmitido em directo dos estúdios do Rádio Club Português (Parede).
A este propósito, JNPDI divulga hoje, em estreia absoluta, uma das faixas gravadas na referida sessão, na qual participam dois músicos brasileiros - Ary Magalhães (trompete) e Jadir (bateria) - e António José de Barros Veloso (piano), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Luís Sangareau (percussão).
Depois de experiências na restauração - na Taverna Sevilhana e na boite Ronda - nos anos 60 Sangareau radicou-se em Espanha, em Ibiza, tocando com vários músicos de renome de passagem pela Península Ibérica, incluindo Tete Montoliu, Pony Poindexter e Perry Robinson. Este último recorda-o elogiosamente na sua biografia, comparando-o a um dos melhores bateristas de jazz de sempre: "O Luís tinha um bom feeling como o do Kenny Clarke". Este não era porém o único músico a admirá-lo, tal como Villas-Boas testemunhou pessoalmente: "Uma vez encontrei na América o Booker Ervin, um saxofonista que esteve em Barcelona, que me disse que conhecia o Sangareau perfeitamente, que gostava muito de tocar com ele porque era um músico que tocava bateria sem interferir".
Luís Sangareau e Barros Veloso (Estoril Jazz, 2006).Fonte: JMS/JNPDI
Barros Veloso, companheiro de inúmeras sessões musicais, amigo e médico, recordou-o hoje a JNPDI: "O Luís Sangareau foi o primeiro baterista de jazz em Portugal. Tinha um bom gosto e um sentido musical excepcionais. Era uma pessoa encantadora e como baterista marcou uma época".
Villas-Boas explica num artigo até agora desconhecido:
Como se deve ouvir Jazz ?
Vamos responder à questão em título com a divulgação de um artigo que, tudo indica*, foi escrito por Luís Villas-Boas - a autoridade máxima no jazz em Portugal - e que descobrimos há alguns dias no decurso das investigações intensivas que vimos fazendo desde 2003 sobre a história do jazz em Portugal, da qual já resultaram 4 livros inéditos e vários artigos de fundo.
"Como se deve ouvir a caluniada música de «JAZZ»" remonta a 1947, tendo sido publicado originalmente na revista O Século Ilustrado de Agosto deste ano.
Tem a palavra o então jovem (23 anos) Luís Villas-Boas, mas não sem antes realçarmos que o artigo tem obviamente várias passagens marcadas pela época em que foi escrito e, sobretudo, pelo tipo de jazz que então se ouvia.
É evidente que se existe um verdadeiro «jazz», também existem formas adulteradas que pretendem passar por boas. Esse é o primeiro princípio a observar no desenvolvimento deste assunto. Os dois tipos mais comuns de adulterações são: o chamado «jazz» sinfónico e os «fox-trots», cantados e dançados nas fitas musicais, que tão insistentemente são impingidas nos nossos cinemas. Para o primeiro caso intentou-se a produção de uma música híbrida, mediante a fusão de dois géneros totalmente distintos, com o desastroso resultado que é de imaginar e para o segundo (de que são exemplo as orquestras de Guy Lombardo e Eddy Duchin, sempre; e as de Artie Shaw, Tommy Dorsey e Benny Goodman, muitas vezes) dá-se o nome de «jazz» que, embora modesta, é uma música sincera e digna, a retalhos musicais desprovidos por completo de qualquer valor estético.
Originalidade e interpretação criadora
Se considerarmos somente aquilo que é próprio de genuíno e verdadeiro «jazz», ver-se-á facilmente que dentro dele não existem nenhuma[s] daquelas formas.
No «hot jazz», o fundamental é a inversão dos papéis desempenhados pelo autor e executante. Com efeito: na música em geral o compositor concebe a obra e os executantes procuram interpretá-la o mais fielmente possível, desempenhando assim um papel de certo modo secundário. No «jazz», pelo contrário, o compositor limita-se a subministrar uma melodia que servirá de esquema sobre o qual o executante criará frases novas e introduzirá elementos inexistentes no original; todos eles de acordo com o seu estado de espírito no momento da execução. Esta é a diferença radical que existe entre a música chamada clássica e o «hot-jazz», constituindo como consequência mais importante, pelo menos em princípio, o facto de, em «jazz» pouco interessar o nome do autor, enquanto que o do intérprete é fundamental na existência artística da obra.
Isto quer dizer - falando em linguagem clara - que o elemento primordial no «jazz» é o executante e a improvisação que este realiza.
Por isso mesmo, para que a improvisação seja facilitada, os músicos devem ser poucos, mas altamente competentes e inspirados.
***
Uma vez que fizemos notar a importância que a improvisação tem, assinalemos as características que permitem dizer quando um músico faz «jazz» a improvisar... e quando não.
Em primeiro lugar, no «jazz» há um notável predomínio da harmonia sobre a melodia. Escute-se ao acaso uma gravação de Duke Ellington, por exemplo, e compreender-se-á, em seguida, por que todos o acham mais aparentado com Wagner do que com Verdi - ressalvando, como é necessário, o exagero da comparação.
No segundo caso, o «jazz» é música essencialmente rítmica. Isto não significa que ele seja só ritmo sem mais nada; quer apenas dizer que é impossível a existência de «jazz» quando falta um ritmo poderoso e sustenido [sic].
Outras características fundamentais do genuíno «jazz» são a simplicidade, a ausência de efeitos rebuscados e o emprego de uma técnica musical simples e desprovida de subtilezas.
O valor da improvisação
A improvisação realizada pelo executante é, como já dissemos, a pedra fundamental. Ela é, na realidade, o próprio espírito desta música e um dos seus maiores atractivos. Quando um bom instrumento improvisa sobre uma base rítmica apropriada, sem empregar tecnicismos e rodrigiuinhos, tratando-se unicamente de expressar com sinceridade os seus sentimentos na altura da execução, surge o verdadeiro «jazz».
É agora chegado o momento de mostrarmos como se produz o improviso e quais são os elementos que se requerem para ele exista. Para tal explicação é indispensável aludir, antes de mais nada, ao papel desempenhado pelas diferentes secções de uma orquestra e descrever em seguida a sua maneira de executar. Vamos por partes.
Em primeiro plano coloquemos a secção rítmica composta por: bateria, piano, guitarra e contrabaixo. A missão desta parte da orquestra é proporcionar o ritmo básico de «jazz», sobre o qual os elementos melódicos hão-de criar as suas improvisações. O baterista - cuja principal missão dever ser: conduzir um ritmo sóbrio e persistente - é o mais importante dos executantes desta secção, àparte o pianista.
Este tem um duplo papel, já que o piano, além da sua importantíssima contribuição rítmica, possui enormes probabilidades, considerado sob o ponto de vista melódico. A guitarra e o contrabaixo empregam-se principalmente para enriquecer o fundo rítmico, dando colorido e o interesse tonal, graças aos amplos recursos de que dispõem, neste sentido.
A secção melódica, que constituirá o seu edifício musical sobre a base subministrada pela rítmica, é formada por dois tipos de instrumentos: os de canas (clarinetes e saxofones) e os de cobre (trompetes e trombones).
Supunhamos agora uma pequena orquestra interpretando uma melodia qualquer.
A secção rítmica será formada por: piano, bateria, guitarra e contrabaixo; a melódica estará constituída pelo clarinete, sax-tenor e trompete.
Música, maestro
Os instrumentos rítmicos começam o seu labor enquanto a trindade mencionada em segundo lugar executa o primeiro e segundo [chorus] tal como foram descritos pelo autor da partitura. Imediatamente, enquanto o ritmo prossegue, invariável, os instrumentos, a secção melódica executa um coro a solo. É aqui que a improvisação principia. Mediante ela, o solista, seguindo as linhas gerais da melodia que está executando e usando-a à maneira de guia, procura traduzir artisticamente, pela forma mais sincera e expressiva, o seu estado de espírito, empregando para tal conseguir no mais alto grau, todos os recursos que a sua imaginação lhe sugira. Quando o primeiro solista termina, outros se lhe seguem: cada um improvisando sempre de acordo com a sua própria mentalidade artística e o carácter do instrumento que toca. Este trabalho sugere também mudanças de ritmo (coisa que a secção melódica faz continuadamente, enquanto a rítmica se mantém de uma maneira uniforme), segundo esse solista julgue conveniente.
Para finalizar, os solistas improvisam colectivamente; improvisação que, como se depreende, apresenta sempre sérias dificuldades, tanto para quem executa, como para quem ouve. Para o executante, porque deve estar sempre de ouvido atento ao ritmo básico e à improvisação dos companheiros, pois que toda a beleza da improvisação colectiva depende fundamentalmente da existência de certa harmonia entre o ideado [sic] por cada instrumentista; para quem ouve, porque tem que seguir o ritmo e simultaneamente prestar atenção às improvisações de cada um dos instrumentistas e às relações existentes entre elas.
Amostras excelentes, que permitem comprovar como se realizam as improvisações deste género, são as que foram gravadas por Louis Armstrong e seus «Hot Five» e as dos pequenos conjuntos de executantes, dirigidos por Red McKenzie, Bud Freeman e Pee-Wee Russell.
* * *
O facto da improvisação constituir a mais importante característica do «jazz», faz com que exista[m] entre ele e a outra música, convencionalmente chamada clássica, diferenças de abismo.
Neste espécie de música, uma vez composta a obra, está terminada toda a criação artística. Falta apenas encontrar um intérprete. Decerto que esse intérprete nem sempre será um Menuhin, um Horowitz ou uma Suggia; mas nunca será impossível conseguir um executante sofrível, que nos permita apreciar, melhor ou pior, o pensamento musical do autor.
No «jazz» as coisas, como já se disse, sucedem de maneira diferente: quem cria é o executante ao improvisar e o nome do compositor, (autor quase sempre de melodias vulgares de nulo interesse musical) é de mínima importância.
A improvisação, que é puro sentimento e, por consequência, exclusivamente temporal, é a genuína alma do verdadeiro «jazz». Talvez por isso mesmo esta música estranha, sempre diferente de instante para instante, só pelos poetas pode ser compreendida e... executada. O «jazz» não está ao alcance de qualquer pessoa. Os bons ouvintes não abundam.
* 1) Havia na época poucas pessoas em Portugal habilitadas a escrever, com conhecimento de causa, um artigo de opinião sobre o jazz (tirando LVB, praticamente só Pozal Domingues, que não escrevia para esta revista); 2) O estilo redactorial deste artigo - e as suas ideias principais - tem claríssimas semelhanças com a linguagem usada por LVB nos artigos por si assinados, a começar no título. 3) O artigo foi publicado numa revista "irmã" de uma publicação para a qual LVB escrevia regularmente; 4) LVB fez uma autêntica cruzada para distinguir o que considerava verdadeiro e falso jazz , preocupação que está explícita neste artigo;
O CD Quiet Nights, o mais recente de Diana Krall, está a poucas centenas de unidades de ser disco de platina em Portugal, o que representa 20 000 exemplares vendidos no total. Há mais de 17 semanas no topo da tabela da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) e com os concertos agendados para Outubro (Lisboa e Porto), Krall dificilmente deixará escapar mais este troféu luso.
A cantora e pianista tem, aliás, uma boa relação com a platina portuguesa pois este será apenas um dos vários CD's seus que já conquistaram idêntico sucesso editorial entre nós.
JNPDI e Cascais homenageiam Carlos Menezes Músico celebra em Setembro 89 anos
Carlos Menezes (anos 60).Fonte: Carlos Menezes
JNPDI e a Câmara Municipal de Cascais promovem no próximo dia 30 de Setembro, no Centro Cultural de Cascais, pelas 21h30, um concerto de homenagem a Carlos Menezes, guitarrista madeirense decano dos músicos de jazz portugueses e que um dia antes celebra 89 anos.
E como de guitarra se trata, a direcção artística do espectáculo foi confiada a Bruno Santos (também ele guitarrista e madeirense), que dirige um trio composto por Filipe Melo (piano) e Demian Cabaud (contrabaixo). A esta secção rítmica de luxo juntam-se os convidados especiais António José de Barros Veloso (piano), Maria Anadon e Maria Viana (voz), e, obviamente, o próprio Carlos Menezes.
Centro Cultural de Cascais.Fonte: JMS/JNPDI
Carlos Menezes
Há 89 anos nascia na ilha da Madeira Carlos Menezes, o primeiro músico de jazz português reconhecido internacionalmente e o pioneiro na introdução da guitarra eléctrica em Portugal, em 1944, instrumento então amplificado improvisadamente.
Ao longo de uma carreira de mais de 70 anos, a guitarra de Menezes fez-se ouvir em vários países e cruzou-se com músicos como Don Byas, Max, Tony Amaral, Jorge Costa Pinto (com cuja orquestra, a primeira big-band criada em Portugal, gravou em 1963 para a RTP) e Shegundo Galarza.
A sua ligação ao concelho de Cascais data do final dos anos 40, época em que começou a actuar no Casino Estoril. Foi, aliás, neste casino que foi descoberto, nos anos 50, por Steve Race, crítico de música da prestigiada revista Melody Maker, que o colocou no dicionário dos grandes guitarristas mundiais, tornando-o o primeiro jazzman português a internacionalizar-se como tal.
Para além de uma longa carreira na Emissora Nacional, como músico da orquestra ligeira, a sua exímia técnica na guitarra e a ligação ao Hot Clube de Portugal e a Luís Villas-Boas, asseguraram a participação em múltiplas jam-sessions na cave da Praça da Alegria.
Em jam-session no HCP, com Max (Junho 1954).Fonte: Augusto Mayer
O presente concerto insere-se no lançamento do livro Jazz em Cascais – Uma História de 80 Anos, recentemente editado pela Casa Sassetti com o patrocínio da Câmara Municipal de Cascais e o apoio do Casino Estoril, Hot Clube de Portugal e Jazz no País do Improviso.
"What Is This Thing Called Love?": 100 Grandes Standards (3)
"What Is This Thing Called Love?" é um bem conhecido original de Cole Porter e foi escrito para o musical Wake Up and Dream (1929).
Com o passar dos anos, tornou-se um dos temas mais populares entre os músicos de jazz, nomeadamente as vozes. E é precisamente pelas vozes que começamos, recorrendo a um cantor que sempre teve grande proximidade com o jazz: Frank Sinatra.
As vozes do jazz, como Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald, gostavam, ao contrário de Sinatra, de cantar este tema com um andamento (tempo) mais rápido.
Tal andamento mais rápido manteve-se nas interpretações dos instrumentistas. Eis a versão de Wynton Marsalis.
Agora vem a parte mais engraçada: é que vários músicos usaram a harmonia (os acordes e a sua progressão) desta canção para compôr novos temas com novas melodias. O exemplo mais conhecido é o de "Hot House", de Tadd Dameron, mas podem citar-se também "Barry's Bop", de Fats Navarro, "Subconscious-Lee", de Lee Konitz, e Fifth House", de John Coltrane.
What is this thing called love this funny thing called love just who can solve its mystery why should it make a fool of me?
I saw you there one wonderful day you took my heart and threw it away thats why I ask the lord in heaven above what is this thing called love?
Descoberto artigo desconhecido de Villas-Boas sobre Jazz e improvisação JNPDI divulga texto integral dia 23
João Moreira dos Santos (investigador e autor de quatro livros sobre a história do jazz em Portugal) anuncia a descoberta de um artigo desconhecido, até à data, de Luís Villas-Boas, considerado o “pai” do jazz no país.
Intitulado Como se deve ouvir a caluniada música de «JAZZ», o texto, não assinado, foi publicado originalmente em Agosto de 1947, na revista O Século Ilustrado, e nele Villas-Boas procura definir a essência deste género musical – por contraponto à música clássica e à música de dança – explicando detalhadamente, e pela primeira vez, o mecanismo da improvisação jazzística.
“(…) esta música estranha, sempre diferente de instante para instante, só pelos poetas pode ser compreendida… e executada”.
Villas-Boas
De acordo com Moreira dos Santos, este é “Um artigo muito esclarecedor, escrito por alguém muito esclarecido sobre o que é o jazz e que vem ajudar a compreender o trabalho pioneiro desenvolvido por Villas-Boas na divulgação deste género musical em Portugal. Ele preocupava-se em popularizar o jazz na pátria do fado e este artigo é uma peça essencial desse esforço que o ocupou durante décadas e granjeou muitos inimigos e insultos. É sobretudo curiosa a forma detalhada como explica o que é e como funciona na prática a improvisação no jazz. Creio este texto permanece actual volvidos 60 anos e que ainda hoje as novas gerações podem aprender com ele a descobrir este mundo fascinante que é o jazz”.
O artigo complementa e, sobretudo, expande, artigos anteriores que Villas-Boas publicara neste mesmo ano de 1947 no jornal Cartaz e na revista O Século – Rádio Mundial, peças divulgadas por Moreira dos Santos no livro O Jazz Segundo Villas-Boas (Assírio & Alvim, 2007). Tal como nesses textos, é visível neste a filiação teórica dos argumentos de Villas-Boas na obra Le Jazz, Cet Inconnu, livro publicado em 1945 por André Hodeir, célebre músico e musicólogo francês.
O texto integral será divulgado na próxima quarta-feira, dia 23, no Jazz no País do Improviso, sítio fundado em Setembro de 2003 por Moreira dos Santos e que no próximo dia 9 de Outubro celebra, com um concerto, no Centro Cultural de Cascais, o seu 6.º aniversário.
"My Favorite Things" é o que os americanos designam de "show tune", ou seja um tema composto para um musical, neste caso o "The Sound of Music", de 1959.
Composta pela dupla Rodgers e Hammerstein, esta canção foi popularizada por Julie Andrews na versão cinematogáfica da referida peça, filme que o mundo conheceu e aclamou em 1965.
Antes disso, porém, já John Coltrane adoptara este tema, usando o seu título para baptizar o disco que gravou em 1960 para a Atlantic.
"My Favorite Things" passou, então, a fazer parte do seu repertório durante alguns anos.
Dave Liebman, saxofonista que sempre se revelou influenciado por Coltrane, chamou também a si este tema.
Vários foram também os pianistas que improvisaram sobre esta canção, nomeadamente Dave Brubeck.
Ao nível das cantoras, a versão mais ousada e criativa foi a que Betty Carter gravou em 1979 no disco The Audience With Betty Carter, registo considerado por muitos um dos melhores exemplos de sempre do jazz vocal.
Maria João não lhe ficou atrás na reinvenção de "My Favorite Things", como se pode testemunhar no vídeo que a apresenta em dupla com a pianista Aki Takase.
Sarah Vaughan também gravou este tema.
Ainda ao nível das vozes, eis uma versão deste tema pelo inconfundível Al Jarreau.
E, já agora, a versão de Bobby McFerrin.
Raindrops on roses and whiskers on kittens; Bright copper kettles and warm woolen mittens; Brown paper packages tied up with strings; These are a few of my favorite things.
Cream-colored ponies and crisp apple strudels; Doorbells and sleigh bells and schnitzel with noodles; Wild geese that fly with the moon on their wings; These are a few of my favorite things.
Girls in white dresses with blue satin sashes; Snowflakes that stay on my nose and eyelashes; Silver-white winters that melt into springs; These are a few of my favorite things.
When the dog bites, When the bee stings, When I'm feeling sad, I simply remember my favorite things, And then I don't feel so bad.
...aqui ficam algumas das condições que o Ministério da Educação Popular definiu, durante o Governo de Hitler, para a atribuição de licenças para espectáculos de música de dança.
DEPARTMENT OF POPULAR EDUCATION AND ART
Conditions Governing the Grant of Licenses for Dance Music
NEGROID: Belonging to a Negro race. This includes the African Negroes (and also those living outside of Africa), also Pygmies, Bushmen and Hottentots. NEGRITO: In the wider sense of the term, the short-statured, curly or frizzy-haired, dark-skinned inhabitants of Southeastern Asia, Melanesia and Central Africa.
1. Music: The Embargo on Negroid and Negrito Factors in dance Music and Music for Entertainments.
2. Introduction: The following regulations are intended to indicate the revival of the European spirit in the music played in this country for dances and amusements, by freeing the latter from the elements of that primitive Negroid and/or Negrito music, which may be justly regarded as being in flagrant conflict with the Europeon conception of music. These regulations constitute a transitory measure born of practical considerations and which must of necessity precede a general revival.
3. Prohibition: It is forbidden to play in public music which possesses to a marked degree characteristic features of the method of improvisation, execution, composition and arrangement adopted by Negroes and colored people. It is forbidden in publications, reports, programs, printed or verbal announcements, etc.:
(a) to describe music played or to be played with the words "jazz" or "jazz music."
(b) to use the technical jargon described below, except in reference to or as a description of the instrumental and vocal dance music of the North American Negroes.
Exceptions may Be permitted where such music is intended for a strictly scientific or strictly educational purpose and where such music is interpreted by persons having two or more Negroid or Negritic grandparents.
4. Descripton of The Main Characteristic Features of the Above-Mentioned Music which Differ from the European Conception of Music: The use of tonally undefined mordents, Ostentatious trills, double-stopping or ascendant glissandi, obtained in the Negro style by excessive vibrato, lip technique and/or shaking of the musical instrument. In jazz terminology, the effects known as "dinge," "smear" and "whip." Also the use of intentional vocalization of an instrumental tone by imitating a throaty sound. In jazz terminology, the adoption of the "growl" on brass wind instruments, and also the "scratchy" clarinet tone. Also the use of any intentional instrumentalization of the singing voice by substituting senseless syllables for the words in the text by "metalizing" the voice. In jazz terminology, so-called "scat" singing and the vocal imitation of brass wind instruments.
Also the use in Negro fashion of harshly timbered and harshly dynamic intonations unless already described. In jazz terminology, the use of "hot" intonations. Also the use in Negro fashion of dampers on brass and woodwind instruments in which the formation of the tone is achieved in solo items with more than the normal pressure. This does not apply to saxophones or trombones.
Likewise forbidden, in the melody, is any melody formed in the manner characteristic of Negro players, and which can be unmistakably recognized.
5. Expressly Forbidden: The adoption in Negro fashion of short motifs of exaggerated pitch and rhythm, repeated more than three times without interruption by a solo instrument (or soloist), or more than sixteen times in succession without interruption by a group of instruments played by a band. In jazz terminology, any adoption of "licks" and "riffs" repeated more than three times in succession by a soloist or more than sixteen times for one section or for two or more sections. Also the exaggeration of Negroid bass forms, based on the broken tritone. In jazz terminology, the "boogie-woogie," "honky tonk" or "barrelhouse" style.
6. Instruments Banned: Use of very primitive instruments such as the Cuban Negro "quijada" (jaw of a donkey) and the North American Negro "washboard." Also the use of rubber mutes (plungers) for wind brass instruments, the imitation of a throaty tone in the use of mutes which, whether accompanied by any special movement of the hand or not, effect an imitation of a nasal sound. In jazz terminology, use of "plungers" and "Wah Wah" dampers. The so-called "tone color" mutes may, however, be used.
Also the playing in Negro fashion of long, drawn-out percussion solos or an imitation thereof for more than two or four three-time beats, more frequently than three times or twice in the course of 32 successive beats in a complete interpretation. In jazz terminology, "stop choruses" by percussion instruments, except brass cymbals. There is no objection to providing a chorus with percussion solos in places where a break could also come, but at not more than three such places.
Also the use of a constant, long drawn-out exaggerated tonal emphasis on the second and fourth beats in 4/4 time. In jazz terminology, the use of the long drawn-out "off beat" effect.