A Terra prometida de Maria VianaHá muitos anos que a voz de Maria Viana e o sentimento que nela mora "prometiam" um disco assim, intenso, pleno de emoções, cantado a partir da alma, profundo, dramático.
Essa
Terra Prometida acaba de ser alcançada finalmente, com o CD que a cantora gravou recentemente com o patrocínio de uma empresa de telecomunicações, cujo nome aqui divulgamos por acharmos meritório o seu envolvimento na cultura: Atena - Serviços de Telecomunicações, S.A.
Este projecto, que remonta a 2003, quando Maria Viana e o espectáculo Terra Prometida andaram em digressão pelo país, com o apoio do quarteto de Alan Thomas, centra-se na interpretação de uma selecção de canções espirituais, "a especial criação dos negros norte americanos que, na miséria da escravatura, e sob a influência do Cristianismo, frequentemente identificavam a sua condição com o sofrimento dos filhos de Israel no Egipto, e, por extenção, usando imagens do Velho Testamento, a existência da Terra Prometida, para onde iriam depois da morte (muitas vezes figurativamente referido como 'atravessar o rio Jordão')".
O CD abre com "Gospel Train", uma canção tradicional plena de swing bem ao jeito da voz de Maria Viana que aqui veste a primeira de várias personalidades que encarna neste disco. Poderíamos dizer que é a voz de uma mulher dos loucos anos 20, que chama para a alegria de viver.
Segue-se "Precious Lord", um dos temas mais emblemáticos compostos pelo Reverendo Thomas A. Dorsey (considerado o pai da música Gospel), escrito em 1932 na sequência da morte da sua mulher ao dar à luz um filho seu. Aqui Maria Viana é uma mulher desgastada e cansada pelas agruras da vida e que suplica o apoio e a orientação de Deus. É uma mulher que poderia ter saído de uma Igreja Baptista. É uma mulher com a voz doída mas que mantém a sua fé e se mantém viva e segue, ainda que cambaleando, o seu caminho.
Precious Lord, take my hand,
Lead me on, let me stand,
I am tired, I am weak, I am worn;
Through the storm, through the night,
Lead me on to the light:
Refrain
Take my hand, precious Lord,
Lead me home.
When my way grows drear,
Precious Lord, linger near,
When my life is almost gone,
Hear my cry, hear my call,
Hold my hand lest I fall:
Refrain
When the darkness appears
And the night draws near,
And the day is past and gone,
At the river I stand,
Guide my feet, hold my hand:
RefrainEm "Sometimes I feel like a motherless child", uma canção arranjada para duas vozes, Maria Viana canta com Carla Baptista Alves. Aqui, Viana encarna uma escrava negra que foi levada para longe das suas raízes, da sua família, ainda adolescente. A sua voz tem o peso da saudade e o sabor da injustiça que só uma mulher/escrava que não chegou a conhecer a sua mãe pode sentir e transmitir; uma mulher que provavelmente nem sabe onde nasceu... Por isso ela canta "Sometimes I Feel Like A Motherless Child", como que para exorcizar a sua dor.
Sometimes I feel like a motherless child,
Sometimes I feel like a motherless child,
Sometimes I feel like a motherless child,
A long ways from home
A long ways from home.
A long ways from home
A long ways from home
Sometimes I feel like I'm almos' gone
Sometimes I feel like I'm almos' gone
Sometimes I feel like I'm almos' gone
A long ways from home
A long ways from home.
A long ways from home
A long ways from home. "Come Sunday" é o segundo andamento da suite "Black, Brown and Beige" composta em 1942 por Duke Ellington, justamente como uma reflexão sobre a condição racial e o seu impacto na vida dos povos. Agora Maria Viana é uma escrava negra que anseia pela libertação que o Domingo traz, dia em que pode largar o árduo trabalho diário e rezar a um Deus que se compadeça com o seu sofrimento e o sofrimento do seu povo. Maria Viana canta como quem reza, sentindo e dando sentido a cada palavra que lança para o éter no encontro de Deus. Na verdade, ela recita os seus pensamentos como quem enumera um estado de alma, um sentir ferido.
"Nobody knows the trouble I've seen", canção tradicional, revela uma Maria Viana de interpretação bipolar: ora a mulher que canta a sua dor, ora a mulher que explode em alegria e sacode assim o lado lunar/obscuro da sua alma.
Nobody knows de trouble I've seen,
nobody knows but Jesus,
Nobody knows de trouble I've seen,
Glory hallelujah!
Sometimes I'm up sometimes I'm down.
Oh yes, Lord!
Oh nobody knows de trouble I've seen,
Nobody knows but Jesus,
Nobody knows de trouble I've seen,
Glory hallelujah!
If you get there before I do,
Oh yes, Lord!
Oh nobody knows de trouble I've seen,
Nobody knows but Jesus,
Nobody knows de trouble I've seen,
Glory hallelujah!Há pois muito para descobrir e meditar neste disco que é mais do que um disco; é um trabalho que documenta a capacidade dos músicos que nele participam, essa capacidade de transmitir sentidos e sentimentos.
No texto promocional do espectáculo Terra Prometida Maria Viana e Alan Thomas diziam:
"A multidão que seguiu Martin Luther King nos anos 60 entoou canções espirituais na luta pelos direitos civis. Hoje, como no passado, esse cancioneiro tem ajudado à elevação espiritual dos povos e á busca de soluções não - violentas para os problemas do mundo".