Story Teller é o segundo disco da cantora Marta Hugon, trabalho que tem recebido elogios por parte da crítica musical e também de alguns dos mais conceituados músicos de jazz portugueses. Aqui moram belas canções, enquadradas pelos aclamados arranjos do pianista Filipe Melo. Mas que história contam, afinal, este Story Teller e a sua autora?
JNPDI! : Qual a história por detrás deste Story Teller, ou seja, como é que este projecto começou?
Marta Hugon: Este projecto e estas “histórias” surgem como consequência natural do percurso iniciado com o meu primeiro disco, Tender Trap, e do trabalho desenvolvido com os músicos com quem toco desde então. O Story Teller inclui temas que há muito me apetecia gravar e combina-os de forma a reflectir o meu gosto musical e a forma como sinto a música. O nome surgiu depois do disco estar gravado, de os temas estarem definitivamente alinhados. Este Story Teller resume o gozo que me dá agarrar e interpretar as canções naquilo que elas têm de simbiose entre letras e música. Se quiser, estas ainda não são as canções escritas por mim, mas são as canções que eu fiz minhas e que quis contar da forma mais pessoal e verdadeira de que fui capaz.
JNPDI!: Foi fácil passar do primeiro ao segundo disco?
MH: Depois de um disco estar pronto, é natural e instintivo começar a pensar no próximo. Para mim, o arranque é sempre doloroso. As ideias muitas vezes surgem enquanto se toca ao vivo e se vai enriquecendo o repertório do grupo, como foi o caso do “Still Crazy After All These Years”. A determinada altura tive de parar, escolher os temas e pensar neste segundo trabalho como um todo. Pedi ao Filipe para fazer os arranjos porque precisava que canções tão diversas tivessem uma coerência musical que traduzisse aquilo que eu tinha na cabeça e o som da própria banda. E ele fez isso muito bem.
JNPDI!: Neste registo encontramos um variado leque de temas oriundos do universo do jazz, da pop e do cancioneiro brasileiro. Como selecciona o repertório para os seus discos?
MH: Geralmente existem um ou dois temas que servem de mote para começar a estruturar o alinhamento. Alguns, como o "River Man", do Nick Drake, ou o "Crash", do Dave Mathews, já faziam parte de um conjunto de canções que eu tinha a certeza de querer gravar um dia. Os outros foram escolhidos entre os meus standards preferidos e temas que convidavam a uma interpretação muito diferente do habitual, como por exemplo o "Good Morning Heartache". É sempre uma escolha que tem sobretudo a ver com um lado emocional e de gosto pessoal, mas que também passa pela dinâmica que as músicas devem criar entre si, para que o disco tenha princípio, meio e fim. Como numa história.
JNPDI!: A opção de cantar "Suburbano Coração", de Chico Buarque, em português do Brasil foi uma opção imediata ou ponderada?
MH: Curiosamente, quando comecei a pensar no repertório deste disco, não era esse o tema do Chico Buarque que eu ia gravar. Era uma canção muito bonita chamada “Trocando em miúdos”, mas depois descobri o "Suburbano Coração" que tem uma melodia incrível. Para além disso, tinha uma letra que de alguma forma fechava o “puzzle” do disco. Por isso, teve que ficar.
JNPDI!: Um dos pontos fortes do seu trabalho tem sido a parceria musical com Filipe Melo, Bernardo Moreira e André Sousa Machado. Esta já longa colaboração remonta a quando e em que circunstâncias se iniciou?
MH: Nós tocamos juntos desde 2004, ano em que foi gravado o Tender Trap. Poder continuar a trabalhar num contexto de banda é uma vantagem muito grande para uma cantora, pois permite que se desenvolva um trabalho musical sólido a que ajudam a cumplicidade musical e pessoal que se vai estabelecendo entre os músicos. O Filipe, o Bernardo e o André, para além da sua experiência e conhecimento do jazz, têm uma maneira de estar na música que é muito humilde e generosa, que é para mim uma referência.
JNPDI!: Neste disco participam ainda André Fernandes e João Moreira. Como surgiu a ideia de os convidar para este projecto?
MH: O André Fernandes já tinha tocado no Tender Trap e feito inclusive a mistura da gravação. É um músico que admiro muito e com quem já cantei, nomedamente nos Spill. Foi a primeira pessoa em quem pensei para tocar o "Crash" e é uma presença imprescindível neste disco. O João Moreira já tinha sido uma hipótese pensada para o Tender Trap que só agora se concretizou. É um músico muito criativo, com muito bom gosto e sabia que ia ser uma mais-valia para este disco.
JNPDI!: Na sua opinião, por mais naturalmente subjectiva que ela possa naturalmente ser, quais são os pontos fortes deste disco ?
MH: A escolha das canções, os arranjos e a cumplicidade musical entre os músicos que fazem parte do projecto.
JNPDI!: Uma particularidade que salta à vista nos seus discos é a grande preocupação estética com a apresentação gráfica em geral, nomeadamente o pormenor do disco em si ser uma reprodução dos velhos discos de vynil. Até que ponto tal preocupação (que é pena outros músicos não terem ou não poderem ter) é fruto da sua actividade profissional na área da publicidade?
MH: Essa preocupação é natural da parte de quem sabe que uma boa embalagem ajuda sempre a tornar um disco mais atraente e, consequentemente, a vendê-lo. Para quem não conhece a música e os músicos, a capa do disco é sempre a primeira impressão. E é bom que esta seja positiva. É a última das preocupações no processo de fazer o disco, mas é óptimo poder tê-la.
JNPDI!: Como se vê: a publicitária que canta jazz ou a cantora de jazz que faz publicidade?
MH: A cantora de jazz que faz publicidade.
JNPDI!: Estão previstos concertos a nível nacional para a apresentação de Story Teller?
MH: Sim. Para já, dia 8 de Maio no Festival de Jazz de Portimão, dia 7 de Junho no Festival de Jazz de Torres Vedras e dia 9 de Julho no festival de Torres Novas.
JNPDI!: Que disco vocal, para além deste, aconselha a cantora Marta Hugon aos leitores de JNPDI?
MH: Eu tenho andado a ouvir este último disco do Herbie Hancock River – The Joni letters, que conta com a participação de cantoras de quem gosto muito, como é o caso da Luciana de Souza e da própria Joni Mitchell. Não é exclusivamente um disco vocal mas tem muito a ver comigo.