24 de abril de 2008

Ray Bryant num DVD de excepção

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Acaba de sair mais um volume da colecção Jazz em DVD, da Planeta DeAgostini, quanto a nós um dos melhores inseridos nesta série de 41 DVD's. Referimo-nos ao concerto a solo que o pianista Ray Bryant realizou em Montreux, no Verão de 1977.

De facto, a técnica irrepreensível de Bryant, por um lado, e a selecção de repertório, por outro, fazem deste volume uma proposta muito interessante a nível auditivo. Bryant apresenta aqui versões extraordinárias de dois temas de Duke Ellington - "Take the 'A' Train" (tocado em estilo Boogie Woogie) e "Satin Doll" -, uma bela interpretação de "Georgia on my mind" (que recebe toda a sensibilidade e gosto musical do pianista), e exibe um balanço e uma técnica impressionantes em "Django", interpretação que só por si já merecia o visionamento deste concerto.

O espectáculo de Montreux contemplou ainda dois temas do repertório do Gospel - "If I can just make it into Heaven" e "Sometimes I feel like a motherless child" - e alguns blues (com destaque para o incrível "Saint Louis Blues"), encerrando com uma versão bem conseguida de "Things ain't what they used to be".

Porque pianistas como Bryant há poucos ou quase nenhums na actualidade, este DVD encontra-se disponível por apenas € 9,99 (mais portes de envio) exclusivamente através do nº de telefone 219 265 510 ou, eventualmente, num quiosque perto de si.

E agora passamos a palavra a Nat Hentoff, que tão bem descreve Ray Bryant e este DVD nas respectivas liner notes.



Ray Bryant por Nat Hentoff

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Constituiu sempre, para mim, que escrevo sobre jazz há já muitos anos, um grande mistério o motivo pelo qual Ray Bryant - em quem, entre tantas outras particularidades, se destaca a forma como toca blues, com uma tão grande profundidade e renovação contínua - não recebeu todo o reconhecimento que merecia.

Poderá assistir e ouvi-lo, em toda a sua penetrante intensidade, nesta série de concertos de Norman Granz, da Pablo, no Montreux Jazz Festival, e que o deixará sentir o que tantos músicos dele sempre afirmaram, ao longo do tempo.

Para qualquer artista, é sempre difícil conseguir agarrar o público durante um concerto. Exige não só o domínio do instrumento, que vai para além da perícia técnica, mas também a capacidade para contar histórias através da música, que irão ao encontro às memórias e vivências dos espectadores. Tal como posso comprová-lo, aqui, ao ouvi-lo dar uma nova vida ao blues e a outros cânones do jazz, Ray Bryant possui o poder regenerador de abordar a linguagem comum do jazz de uma forma que muito poucos pianistas conseguiram igualar.

Um membro-chave do influente panorama jazzístico da Filadélfia dos Anos 40 e 50, Ray Bryant era um dos pianistas residentes do Blue Note, quando surgiu a possibilidade de tocar com Charlie Parker, Miles Davis e Sonny Stitt. Demonstrando uma extraordinariamente sensível capacidade como acompanhante, tocou com a exigente Carmen McRae, e a sua capacidade para absorver a linguagem do jazz evidencia-se no seu trabalho com Dizzy Gillespie e Sonny Rollins. O facto de ter sido escolhido pelo mestre do ritmo, Jo Jones, para integrar o seu terceto é mais um testemunho da sua mestria e, tal como diziam os músicos, das suas «big ears».

Ray Bryant brindou o jazz moderno não só com as profundas raízes do blues, mas também com os sons do gospel, com o impulso orquestral do piano stride, e sempre o contínuo e pleno pulsar swing, que é a força do jazz.

Talentoso compositor, foi o criador do sucesso "Little Susie", bem como do rodopiante "Cubano Chant", gravado por Art Blakey, com quem Ray Bryant também tocou. Durante muitos anos, Ray Bryant trabalhou com o seu terceto ou como solista, como neste caso.

É mais um tributo à determinação de Norman Granz, chamando a atenção para artistas que conheceram as suas exigências quanto à autenticidade do jazz, tendo gravado com Ray Bryant, na Pablo,e incluindoo artista nesta série de actuações em Montreux.

A tradição a solo do blues em piano remonta ao século XIX, numa altura em que, depois da Guerra Civil, os percursores do jazz se encontravam finalmente livres para poder viajar e contar, aos ainda segregados ouvintes de raça negra, histórias que tinham algo a ver com as suas vidas.

Otis Spann, o magnífico pianista de blues, referindo-se aos seus espectadores nos clubes de blues, em Chicago, onde tocava com Muddy Waters, disse-me: «o que pedem é que lhes contemos histórias. O blues, para eles, é como um livro; querem ouvir histórias sobre as suas próprias experiências, e é isso que Ihes contamos». E é isso que Ray Bryant faz, em "Sometimes I Feel Like A Motherless Child", "Blues No. 6," e "St. Louis Blues", como nunca antes se ouviu.

NAT HENTOFF - JUNHO 2004


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