Quando na próxima sexta-feira arrancar, agora no Casino Estoril, a XXIX edição do festival Estoril Jazz escrever-se-á mais uma importante página na notável história do Jazz em Cascais e em Portugal. É que o cartaz é dos melhores de sempre e além disso suficientemente variado para permitir que diferentes públicos usufruam de uma excelente amostra de alguma da melhor música que se faz presentemente no mundo.
Senão vejamos o que se passa só nesta primeira semana de duas...
2 JULHO: 22h00
Renee Rosnes Quarteto
Renee Rosnes - piano
Steve Nelson - vibrafone
Peter Washington - contrabaixo
Lewis Nash - bateria
Canadiana de nascimento mas há anos radicada nos EUA, Renee Rosnes é uma das mais talentosas pianistas do actual jazz moderno de raíz clássica e, para além de líder dos seus próprios grupos, tem sido membro influente das formações de outras personalidades reputadas, realizando digressões internacionais e participando ao longo dos anos em obras discográficas de músicos como Wayne Shorter e Joe Henderson, James Moody e Bobby Hutcherson, JonFaddis e a Carnegie Hall Jazz Band.
Tendo publicado mais de uma dúzia de discos em seu nome, alguns dos quais em editoras de prestígio como a Blue Note, e recebendo por estas gravações vários Juno Awards – o equivalente canadiano dos célebres Grammy –, Renee Rosnes vem integrando mais recentemente o S.F. Jazz Collective, ao lado de grandes músicos como Joe Lovano, Joshua Redman, Miguel Zenón, Dave Douglas ou Nicholas Payton, entre outros, revelando-se então aos ouvidos de muitos (entre os quais os espectadores do Estoril Jazz 2007) como uma notável compositora para largos conjuntos instrumentais e arranjadora para obras de Thelonius Monk, Wayne Shorter e McCoy Tyner.
Hoje casada com o pianista Bill Charlap, com o qual forma um duo, Renee Rosnes prossegue uma carreira própria traduzida na presença em festivais um pouco por todo o mundo, tendo recentemente realizado gravações no Japão e editado um último disco, Black Narcissus, no qual presta homenagem à música do extraordinário saxofonista e compositor Joe Henderson e que tem, como sidemen, excelentes músicos há muito seus colaboradores, como os notáveis Peter Washington (contrabaixo) ou Lewis Nash (bateria) que, em conjunto com o original vibrafonista Steve Nelson, agora se apresentam a seu lado no palco do Estoril Jazz deste ano.
3 JULHO: 22h00
Grace Kelly Quinteto
Grace Kelly - sax alto, tenor
Jason Palmer - trompete
Doug Johnson - piano
Evan Gregor - contrabaixo
Jordan Perlson - bateria
Outra surpreendente presença feminina no Estoril Jazz deste ano é a da saxofonista norte-americana Grace Kelly, nascida Grace Chung em Wellesley (Massachussets) e filha de pais coreanos mas cujo nome artístico (para além das insólitas associações de ideias que sempre provoca) não está entre os mais conhecidos quando hoje falamos dos músicos em relevo na cena internacional, o que é natural pois ainda vai nos 18 anos de idade.
Apesar de tudo, tendo desde muito cedo estudado música e praticado o saxofone, Grace foi-se inserindo no mundo do jazz que logo abraçou, revelando os seus talentos que vão muito além do da simples “menina prodígio” pois, a ser assim, dificilmente poderia ter já tocado ao lado de músicos mais jovens mas outros também com larga história, como Phil Woods, Hank Jones, Wynton Marsalis, Kenny Barron, Cedar Walton, Rufus Reid, Matt Wilson, Adam Rogers, Billy Hart, Ronnie Matthews ou Ray Drummond, para apenas citar alguns dos mais célebres e conhecidos, e ainda Lee Konitz, Jerry Bergonzi ou Allan Chase, estes últimos seus professores, tendo sido a mais jovem aluna a completar os Estudos de Jazz da New England Conservatory Prep School.
Além de actuar em clubes de jazz e de já ter participado em gravações discográficas, tocando toda a família de saxofones (excepto o barítono), Grace Kelly estuda presentemente composição, arranjo, flauta e piano e, para além do jazz, interessa-se pelo rock, pelo funk e pelos blues, formando o seu próprio quinteto com a participação de Doug Johnson (piano), Evan Gregor (contrabaixo), Jordan Perlson (bateria) e ainda Jason Palmer (trompete), o qual sem dúvida se destaca nos nossos dias como uma das mais firmes certezas do trompete moderno, em termos instrumentais e conceptuais.
3 JULHO: 23h59
Wallace Roney Quinteto
Wallace Roney - trompete
Antoine Roney - sax alto, soprano, clarinete bx
Aruan Ortiz - piano
Rashaan Carter - contrabaixo
Kush Abadey - bateria
Aqueles que viram as imagens e os sons da derradeira actuação em palco do genial Miles Davis – num concerto dirigido por Quincy Jones e realizado em sua homenagem durante o Festival de Jazz de Montreux de 1991 – recordar-se-ão, certamente, de um jovem trompetista que timidamente se colocava à frente da orquestra e ao lado do mestre, tocando por vezes algumas das partes solísticas que lhe estavam reservadas quando o mestre, já diminuído por um frágil estado de saúde que antecipava de alguns meses o seu desaparecimento, estava impedido de tocar por dificuldades de respiração.
Ensinado e tutelado pelo próprio Miles Davis desde que, em 1983, este o ouviu tocar na sua gala de aniversário no Carnegie Hall de Nova Iorque, Wallace Roney desde muito antes conquistara a admiração dos seus pares quando, apenas com 16 anos de idade, surgira nos meios do jazz dando os seus primeiros passos numa carreira que depois se tornaria profissional e que se desenvolveria ao lado de músicos famosos, como Art Blakey, Elvin Jones, Walter Davis Jr., McCoy Tyner, Sonny Rollins, Curtis Fuller ou ainda Dizzy Gillespie.
Pela sua especial ligação à música, ao som e à técnica e expressividade instrumental de Miles Davis, Wallace Roney foi naturalmente convidado por Herbie Hancock quando, após a morte do mestre, o pianista reconstituiu o seu famoso quinteto com Ron Carter, Wayne Shorter e Tony Williams para uma digressão internacional de homenagem ao génio do grande trompetista, que chegou a incluir Portugal no seu trajecto.
Hoje casado com a pianista Geri Allen, Wallace Roney prossegue a sua carreira individual com actuações em clube e festivais nacionais e internacionais, trazendo consigo ao XXIX Estoril Jazz um quinteto formado por seu irmão Antoine Roney (saxofones, clarinete-baixo), Aruan Ortiz (piano), Rashaan Carter (contrabaixo) e Kush Abadey (bateria).
Charles Lloyd Quarteto
Jason Moran - piano
Reuben Rogers - contrabaixo
Eric Harland- bateria
Não poderia terminar de melhor maneira a primeira parte do Estoril Jazz deste ano: a actuação do quarteto de Charles Lloyd, não apenas pelo que o grande saxofonista representa na história do jazz moderno como pela notável colaboração que os seus mais jovens pares trazem a este notável grupo, constituirá sem dúvida (tal como sempre acontece quando Lloyd se desloca a Portugal) um dos mais importantes concertos da presente temporada.
Com especiais ligações sentimentais a Cascais (e a este festival em particular), não é demais recordar as memoráveis noites que, em meados dos anos 60, Charles Lloyd iluminou durante as suas actuações no Luisiana Jazz Clube, então dirigido por Luiz Villas-Boas e Jean-Pierre Gebler, com o histórico quarteto que à época incluia nada menos que Keith Jarrett, Cecil McBee e Jack DeJohnette, bem como a posterior passagem pelo Parque Palmela na edição do Estoril Jazz 2001.
Considerado um dos mais talentosos continuadores de uma certa espiritualidade que ficou a marcar a derradeira fase da trajectória criativa de Coltrane mas logo criando uma linguagem própria matizada pelos sons, pelas ideias e pela música popular ligada aos movimentos políticos e sociais da juventude norte-americana nos anos 60, Charles Lloyd jamais deixaria de estar presente na memória dos amadores de jazz; e o seu regresso, em plenos anos 80, a uma renovada actividade profissional constituiria um dos notórios acontecimentos neste domínio musical.
Agora à frente do seu novo quarteto – que os ouvidos deste cronista viu nascer num primeiríssimo encontro realizado na Casa da Música (Porto) em 2007, no início de uma digressão europeia – Charles Lloyd certamente não poderia ter encontrado outros músicos que melhor compreendessem (e ajudassem a recriar) uma linguagem musical e instrumental tão personalizada, sempre com os pés assentes em várias tradições do jazz e nas músicas do mundo mas ao mesmo tempo buscando os caminhos da modernidade. Neste sentido, os contributos de Reuben Rogers e Eric Harland são ainda o melhor incentivo à evidência de uma segunda forte personalidade neste quarteto, a do pianista Jason Moran, sem dúvida um dos mais originais criadores do jazz actual.
NOTA: Biografias fornecidas pela produção do Estoril Jazz.