26 de junho de 2010

Geração "Download" põe fim ao CD

Quem entrar na FNAC da Praça da Catalunha, em Barcelona, terá um precioso vislumbre de como evoluirá a breve prazo o mercado da distribuição da música a nível mundial. É que não só a secção de Jazz se eclipsou para pouco mais de dois expositores, como toda a secção de música (rock, pop, folk, clássica, etc) emagreceu substancialmente. Pelo contrário, as secções de informática, gadgets (ipad’s, ipod’s) e merchandising engordam a olhos vistos e concentram a grande maioria dos consumidores.

Nunca como agora me pareceu tão óbvio que o CD tem os dias contados ou, pelo menos, vai cada vez ter menos a dizer na música, tal como aliás se concluiu na conferência que realizámos na passada segunda-feira na FNAC do Colombo, em Lisboa, com a participação de André Fernandes (TOAP), António Rúbio (crítico de Jazz) e Ricardo Pinheiro (Universidade Lusíada).

Mas que fenómeno está a afastar os melómanos do CD?

Aqui há uns 15/20 anos alguém chamou aos jovens de então a "geração nintendo". Ora, se essa geração já teve filhos (sem ser virtualmente, claro),
talvez possamos baptizar esse filhos de "geração download".

Não serei porventura original neste baptismo, mas o que importa é analisar como mudou a relação com a música gravada ao longo das décadas até chegar ao presente e é precisamente a geração "Download" que está a causar uma total mudança de paradigma no mundo da indústria musical.

Mais de 100 anos a ouvir música gravada

Longe vai o tempo em que os nossos avós e bisavós ouviam música gravada em cilindros e depois em discos de shellac e ebonite de 78 rpm que só continham uma faixa de dois a três minutos de cada lado. Para os ouvir era preciso dar à corda no gramofone, mas como também davam à manivela no automóvel, talvez não os incomodasse. Difícil era os discos, facilmente quebráveis, chegarem inteiros à “tortura” da pesada agulha de aço que os desgastava sem piedade. Como os sofás não abundavam, não havia, todavia, o incómodo da falta de comando para mudar de faixa, que também, de resto, não estaria lá para ser mudada.... Já agora, amplificadores também não havia, pois tudo era mecânico, e a única forma de controlar o volume era fechando ou abrindo as portas de madeira do armário em que estava incorporado o gramofone. Muito sofisticado... para a época, aliás!



Vieram depois os discos de vinil propriamente dito, para o que contribuiu a segunda guerra mundial. Foi este o suporte de referência dos pais da "geração nintendo", que é como quem diz os avós dos "download". Foi, porventura, a geração “LP". E Long Play era tudo na sua vida... o emprego, o casamento, Salazar... Nada parecia findar.

A esta geração sucedeu a geração “CD”. A música era agora digital, mas embalada em plástico puro e duro. Tudo começou a miniaturizar-se: as casas, os carros, os computadores, os ordenados…





Finalmente, no novo milénio despontou a geração "Download" e os pickups e leitores de CD’s deram lugar aos Ipod e Ipad, o vinil e o CD passaram a MP3, os amplificadores são docking stations, a música ouve-se no Spotify e Pandora, descarrega-se do Itunes e envia-se aos amigos pelo MSN ou partilha-se no Facebook...

Esta geração veio riscar (de risk, i.e. colocar em risco) o próspero negócio da venda de música criado pela geração "Manivela" e herdado pelos "LP" e “CD”, cada vez mais singles na sua luta contra a pirataria. E se dantes tinham sido os suportes a diminuir (do LP para o CD poupou-se muito plástico), esta nova geração trouxe consigo a diminuição das vendas, esse tema tabu para as principais editoras. Os discos continuam a poder ser de ouro ou platina, mas é preciso cada vez vender menos para lá chegar.

Mas vamos por partes. O que é que a geração “Download” reivindica?

Digamos que o grande mote é o livre acesso à cultura - que é como quem diz, "pah, pessoal, não curtimos largar a mesada nas discotecas e tar a sair de casa para ir lá quando podemos fazer tudo na nossa home, ok?!" - e à qualidade diferenciada - ou seja, "não estamos para comprar um CD com uma música decente e nove coxas!" O novo paradigma é "queremos bom e de borla".

Importa, portanto, perceber de onde veio este novo contexto. Para isso, convém não esquecer que a geração "Download" é a mesma do 2 em 1, dos jornais gratuitos, do leve hoje pague amanhã, crédito na hora, empresa na hora, fast food, simplex, etc. O objectivo é o já, o imediato e o gratuito.

O pior é que nada disto faz muito sentido para os melómanos das gerações "Manivela", "LP" e “CD” do jazz, ou seja, aqueles "maluquinhos que gostam de comprar CD's porque trazem os booklets com as informações detalhadas sobre quando o produto foi realizado e enlatado”.

Mas quem não curte mesmo a geração “Download” são os executivos das grandes editoras, as chamadas majors. Por causa disso, passam cada vez mais horas enfiados em centros de congressos a tentar perceber como enquadrar no mercado tradicional esta “malta” com hábitos tão pouco lucrativos para elas… Esquecem-se talvez que a sociedade já só lhes paga 500 Euros precários, o que não chega para manter os mesmos hábitos de consumo de bens culturais que tinham as gerações “LP” e “CD”.



Ocorreu-lhes encerrar os sites onde os “Download” se reuniam para copiar música, mas não resultou. Na Suécia, o ataque ao Pirate Bay (que, como o nome indica, é um dos principais sites para obter links onde piratear música) teve como consequência o crescimento do Pirate Party, fundado em 2006. Este é agora o terceiro maior partido da Suécia em membros e em 2009 recolheu 7,3% dos votos para o Parlamento Europeu. Sobre isto tem havido várias palestras e vários debates. Este é interessante.




Ocorreu-lhes também recriar o LP em vinil por ser analógico e, logo, difícil de copiar... Porém, o preço extremamente elevado não lhe permite vender senão escassas centenas por edição.

Uma coisa é já certa: depois do furacão que é a geração “Download” nada ficará como dantes. Dentro de 10 anos, o CD arrisca-se a ser uma raridade em cadeias como a FNAC e não só. Talvez sirva sobretudo como cartão de visita para os músicos angariarem concertos, podendo ser vendido por estes nos seus espectáculos ou encomendado através dos seus sites. A compra online de músicas é já uma realidade, o que desconstrói totalmente o conceito de LP que vigora desde 1948 e tem sido uma característica idiossincrática da indústria discográfica.

O futuro do CD pode estar, residualmente, em algo que já se faz nos EUA: a personalização. Poderemos ir a um clube de jazz e sair de lá com um CD do concerto acabado de ouvir. O mesmo se aplica aos festivais. Em vez dos melómanos adquirirem, tal como no passado, um CD massificado, terão, então, acesso a algo que se cruza com os seus momentos de lazer, algo individualizado e altamente personalizado que além de música conterá também, simbolicamente, a memória de uma experiência emocional.

Assim vai o mundo da música, sempre em sintonia com a sociedade.


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