45 anos de Belarmino, o primeiro filme português com jazz
Belarmino, a primeira longa-metragem portuguesa com uma banda sonora de jazz, completa em 2007 nada menos do que 45 anos. Realizado em 1962 e estreado em 1964, o filme de Fernando Lopes documenta a história de um boxeur português, Belarmino Fragoso, e visita um Hot Clube que já não existe, com cadeiras de palhinha e uma bela pintura mural. A direcção musical e composição é de Manuel Jorge Veloso, com quem JNPDI! realizou uma breve entrevista.
Belarmino, a primeira longa-metragem portuguesa com uma banda sonora de jazz, completa em 2007 nada menos do que 45 anos. Realizado em 1962 e estreado em 1964, o filme de Fernando Lopes documenta a história de um boxeur português, Belarmino Fragoso, e visita um Hot Clube que já não existe, com cadeiras de palhinha e uma bela pintura mural. A direcção musical e composição é de Manuel Jorge Veloso, com quem JNPDI! realizou uma breve entrevista.
Manuel Jorge Veloso
JNPDI!: Como é que surgiu a oportunidade de compor e dirigir a banda sonora de Belarmino? Era no mínimo inusitado um filme português dos anos 60, sobre um boxeur português ter como fundo musical o jazz...
Manuel Jorge Veloso: O Fernando Lopes (realizador) também gostava de jazz, éramos amigos chegados (aliás, também colegas na RTP, onde nos conhecêramos) e ele ia muitas vezes ao Hot para ouvir jazz. Já dois anos antes o Fernando Lopes me convidara para compor a música para um documentário intitulado «As Palavras e os Fios», sobre a fábrica de cabos da CELCAT. E foi esse, em boa verdade, o primeiro filme português com jazz na banda sonora. Quanto ao «Belarmino», o rosto e o próprio balanço do Belarmino Fragoso (a andar e a jogar box), uma certa paixão pelo cinema americano que ambos nutríamos e ainda o próprio carácter duro da espantosa fotografia a preto e branco do Augusto Cabrita (de certo modo evocativa do cinema negro), justificaram que fosse o jazz a ser escolhido.
JNPDI!: Fale-nos um pouco do tema que compôs para o genérico do filme, tanto musicalmente como em termos de intenção emocional subjacente.
MJV: Neste caso, não há qualquer intenção emocional subjacente ao tema que escrevi para o genérico. Trata-se de um blues modal, cujo tempo e as próprias acentuações se adaptavam às mil maravilhas ao tipo de animação fotográfica que o Mário Neves queria fazer sobre as fotos do Augusto Cabrita. Tão simples como isso! Outras partes da música, isso sim, podem ter mais a ver com certas associações emocionais. Mas não o genérico.
JNPDI!: Há quem afirme que a gravação dos temas foi realizada sob a projecção do filme já montado e há quem, pelo contrário, afirme que foi realizada em estúdio. Como decorreu afinal o processo?
MJV: Não, a música não foi gravada com a projecção do filme. Nesse sentido (e salvaguardadas as devidas distâncias!) tratou-se de uma opção radicalmente oposta àquela que foi seguida pelo Miles Davis, por exemplo, ao gravar a célebre banda sonora para o filme «O Ascensor para o Cadafalso», do Louis Malle. Primeiro, decidimos (o Fernando Lopes e eu) em que sequências haveria música, cronometrei essas sequências (ainda em bruto, pois a afinação da montagem foi feita já na fase de pós-produção do filme) e gravámos a música nos estúdios do Valentim de Carvalho que depois foi ajustada na montagem final do filme.
Belarmino em Belarmino
JNPDI!: Parece que os ensaios com o grupo de músicos clássicos que completam o quarteto do HCP foram um tanto demorados pela sua dificuldade em tocar de forma sincopada... Confirma?
MJV: Eu precisava, para o genérico e para uma passagem do filme em que o Belarmino passa junto da Igreja de S. Domingos, de um naipe de quatro trompas que, como é óbvio, só encontraria na Orquestra Sinfónica da (então) Emissora Nacional. O 1º. trompa era um grande instrumentista - Adácio Pestana - e infelizmente já não me lembro dos nomes dos restantes três. Como músicos do domínio da «clássica», era-lhes difícil como é óbvio swingar, pelo que tive de usar uma notação especial (não vale a pena entrar em pormenores técnicos) para que eles fossem «forçados» a swingar. O que veio a acontecer!
JNPDI!: Como surgiu a ideia de chamar para as gravações o trompetista Milou Struvay?
MJV: O Milou Struvay era um trompetista belga bastante bom - e amigo pessoal do Jean-Pierre Gebler, que era membro fundador do Quarteto do HCP - pelo que ele o convidou para vir até Lisboa, onde fizemos umas sessões no Hot, um concerto no cinema Império e a gravação da banda sonora para o filme.
JNPDI!: As bobines com as gravações originais estão preservadas?
MJV: Não sei se as bobinas originais estão preservadas. Eu tenho uma cópia em 7 ½ e o som foi recentemente tratado digitalmente para a edição em DVD do «Belarmino». Já agora, posso informar os leitores do seu blog que os temas de jazz da banda sonora do filme serão passados no meu programa «Um Toque de Jazz» de 27 de Janeiro de homenagem ao Jean-Pierre Gebler (RDP/Antena 2, 23.05/24.00), tal como excertos do concerto que realizámos no Cinema Império em 31 de Janeiro de 1964, do qual existe uma gravação amadora, até hoje inédita.
JNPDI!: A cena que se passa no Hot Clube estava planeada desde o início ou surgiu devido à participação neste filme do Quarteto do HCP?
MJV: Tanto quanto me lembro, estava prevista desde o início. Trata-se de uma montagem paralela entre dois mundos diversos da noite lisboeta da época: o cabaret Ritz Clube e o Hot, clube de jazz. A ligação entre as duas cenas é feita, afinal, sonoramente, por uma bela balada composta pelo Justiniano Canelhas, que era o pianista do Quarteto do HCP.
JNPDI!: E a célebre cena em que Luís Villas-Boas desce, no seu estilo inconfundível, as escadas que dão acesso ao Clube, como surgiu?
MJV: Havendo uma sequência passada no HCP, não poderia faltar (como assinatura) o velho Villas, a descer as escadas. Essa cena sempre esteve prevista.
JNPDI!: Este filme é também uma memória do Quarteto do Hot Clube de Portugal, consigo na bateria, Jean-Pierre Gebler (saxofone-barítono), Justiniano Canelhas (piano) e Bernardo Moreira (contrabaixo). Qual foi a importância de Gebler para o jazz em Portugal?
MJV: Foi enorme! Pelo repertório que passámos a trabalhar, pela atitude perante o próprio acto jazz, pelos contactos internacionais que, por essa via, o jazz português então começou a ter. Mas, melhor do que voltar a reafirmá-lo, reporto os seus leitores para o que Bernardo Moreira disse ao seu blog, por alturas da morte do Jean-Pierre. [NA: Ver post de 30/12/2006]
JNPDI!: Gostaria um dia de ver o tema que compôs interpretado pela nova geração de músicos de jazz portugueses?
MJV: Bom... a Maria Anadon, num CD que gravou há tempos dedicado às bandas sonoras do cinema português, incluiu uma versão do meu tema para o genérico do filme (cantada em vocalese) e uma versão (com letra) da balada do Canelhas, com arranjos do Carlos Azevedo.
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