18 de fevereiro de 2006

Manuel Jorge Veloso:
«O Jazz é a mais consumada arte
de saber ouvir os outros»

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JNPDI! inicia hoje um conjunto de entrevistas aos principais críticos de jazz portugueses. Começamos por Manuel Jorge Veloso, figura pioneira na divulgação do jazz na televisão, onde estreou em 1963 o célebre TV Jazz. Antes (e depois) disso foi músico, propulsionando à bateria o Quarteto de Jazz do Hot Club de Portugal e acompanhando, ocasionalmente, músicos como Dexter Gordon (Cascais Jazz), Don Byas ou Chet Baker. Para o cinema compôs a música para as longas-metragens Belarmino e Uma Abelha na Chuva (de Fernando Lopes), Pedro Só (de Alfredo Tropa) e para uma dezena de curtas-metragens. Desde 1993 que apresenta o programa Um Toque de Jazz (RDP-Antena 2) e há 8 anos que é crítico de Jazz do Diário de Notícias.

JNPDI!: Ao fim destes anos de actividade profissional como crítico, o que é para si o jazz?
Manuel Jorge Veloso: Como certamente para milhares de amadores de jazz, o jazz é (pode ser, nos melhores casos) uma área exigente da criação musical e, curiosamente, uma daquelas em que, com maior clareza, a dialéctica entre o talento individual e o talento colectivo se estabelece da forma mais fulgurante. É, ainda, a mais consumada arte de saber ouvir os outros... mas jamais perdendo a ocasião de «meter conversa», sem correr o risco de ser mal recebido! Nos seus primeiros tempos e mesmo até aos anos de 1960, o jazz manteve praticamente vivas, com uma ou outra nuance, as características de «música popular»; mas, de então para cá, foi-se tornando paulatinamente (como eu costumo definir) «a mais erudita das músicas populares», hoje ombreando mesmo, em várias das suas expressões, com outras áreas eruditas da grande música. Mas acima de tudo e durante muito tempo, o jazz foi uma forma peculiar e exemplar de um povo espezinhado e segregado fazer ouvir a sua voz e contaminar os outros nessa luta e nessa forma tão peculiar de fazer arte superior.

JNPDI!: Como se deixou seduzir pelo jazz e quando?
MJV: Desde bastante cedo, talvez por volta de 1955, coincidindo curiosamente com uma fase mais adiantada dos estudos de música clássica, no Conservatório. Mas devo confessar que as coisas começaram de modo algo enviesado, não propriamente pelo jazz «puro e duro» mas pelas versões orquestrais do Mantovani ou do Kostelanetz (hoje, chamar-lhes-íamos easy listening!) para os grandes clássicos do cancioneiro norte-americano que, mais tarde, eu viria a conhecer pela alcunha standards; ou pelas versões vocais para o mesmo tipo de repertório de grupos-chave dessa época, como eram os Hi Lo's, os Four Freshmen (sobretudo) ou, ainda, esse espantoso Norman Luboff Choir! Pouco tempo depois, descer as escadas que me levavam (quase todas as noites) à cave do Hot Clube foi o verdadeiro começo de tudo.

JNPDI!: Quando escreveu pela primeira vez uma crítica de jazz para ser publicada/divulgada?
MJV: Admito que deve ter sido logo no início dos anos de 1960 mas não me lembro, com precisão, onde ou quando isso terá acontecido. Ao longo dos anos, recordo-me de ter escrito para a Flama, o Cinéfilo, o Sete, a Capital, talvez O Jornal, nos anos mais recentes a revista , o Independente, o Diário de Notícias. Sou um desleixado, não guardei praticamente nada. Só depois de ter computador...

JNPDI!: Alguma vez foi pressionado por ter escrito algo "inconveniente" sobre um disco ou um músico?
MJV: Nunca.

JNPDI!: A dada altura surge como pioneiro com um programa de jazz na RTP. Pode falar-nos dessa experiência?
MJV: Uma experiência inesquecível! Repare que, para além daquilo que os pouquíssimos e esparsos concertos de jazz tornavam possível - num ambiente cultural em geral soturno, pelo obscurantismo vigente - poucos rostos e corpos da história e do quotidiano do jazz eram então conhecidos entre nós (o Festival de Jazz de Cascais chegaria, só, em 1971!) e quem não tinha a oportunidade ou a possibilidade de viajar ao estrangeiro, deste modo podendo assistir a concertos ou frequentando clubes de jazz nas grandes cidades europeias, aproveitava o TV Jazz (assim se chamava o programa) como uma oportunidade única de ver «em carne e osso» alguns dos mais importantes músicos de jazz desse tempo. O TV Jazz chegou a ter, entre 1962 e 1971, uma regularidade mensal, quinzenal ou até semanal, consoante o material disponível, o que era nesse tempo (e ainda hoje!) absolutamente invulgar. Nessa altura produziram-se nos EUA ou na Grã-Bretanha séries de grande qualidade musical e televisiva - hoje consideradas verdadeiras série de culto, como a norte-americana Jazz Scene USA ou a britânica Jazz 625 - que eu apresentei e transmiti na íntegra no (então) único canal da RTP! Mas também os poucos músicos de jazz portugueses desses anos tocaram com a regularidade possível no programa.

JNPDI!: Como é que se convence a RTP da época a avançar com um programa de Jazz?
MJV: A coisa surgiu com relativa naturalidade mas foi preciso perseverança. É preciso, no entanto, sublinhar que a RTP da época da ditadura estava recheada de carolas que sentiam estar a arrancar com uma coisa nova e aliciante, pessoas ligadas ao jornalismo, ao espectáculo, às artes e à cultura que, pouco a pouco, se foram tornando profissionais (também) de televisão nas suas respectivas áreas de interesse e que não eram propriamente adeptos ou seguidores do regime. Muito longe disso! Por outro lado, promover a divulgação da arte e da cultura num meio de comunicação tão importante como era (e continua a ser) a televisão era uma outra forma de militância e de resistência contra esse mesmo regime e contra o obscurantismo há muito instalado na sociedade portuguesa. Se aquilo que, nessa época, muitos de nós fizemos em televisão terá conseguido ultrapassar as imensas dificuldades e constrangimentos envolventes, acabando por ter (eventual) qualidade, é porque foi muito difícil ao regime e aos seus servidores na RTP (que os havia e muitos!) contrariar o que era óbvio e imparável.

JNPDI!: Alguma vez sentiu que o Jazz não era bem-vindo na RTP do regime da época?
MJV: Com toda a franqueza, não! Vejamos: o responsável pelos programas de música clássica quando entrei para a RTP em Maio de 1958 era o João Paes de Freitas Branco, o que diz logo tudo! Como se compreenderá e independentemente do que ele pensava acerca do jazz (e não pensava mal), para um esclarecido e empenhado amante e conhecedor de música, o facto de eu ser um tipo que vinha do Conservatório dava-lhe, por assim dizer, garantias e tornava credível que o jazz fosse surgindo como uma hipótese natural no âmbito da programação musical.

JNPDI!: E censura, houve?
MJV:
No caso concreto do TV Jazz não; mas era preciso ser-se esperto para escapar à censura ou contorná-la, porque ela entrava por todas as portas e janelas daquela casa, como se pode calcular.

JNPDI!: E como chega depois à rádio?
MJV: Bom, tal como hoje acontece, talvez o facto de aparecer na «caixa» da TV fosse meio caminho andado para que outras portas se abrissem. Não tive, assim, grande dificuldade em engrossar o número daqueles (poucos) que, nessa época, já praticavam na rádio a militância da divulgação do jazz. Lembro-me de ter apresentado programas ou rubricas de regularidade e importância muito diversa em estações como a ex-EN, o ex-RCP ou a RR.

JNPDI!: A divulgação de jazz tem futuro na rádio? Que leitura faz do panorama actual?
MJV:
Tem imenso futuro na rádio, assim o quisessem entender os responsáveis pelas muitas estações que existem. (Como o teria na televisão, se as coisas não se tivessem degradado, nessa área, a um nível tão rasteiro). O panorama actual do jazz na rádio não é nada animador; mas, por exemplo, na Antena 2, depois do esforço pioneiro de uma década, o actual alargamento da programação de jazz a uma hora diária de emissão (dias úteis e fins-de-semana) fez com que, assim de repente, voltássemos a uma situação que já tivemos em inícios dos anos de 1980, quando um programa como o Abandajazz era transmitido diariamente na Rádio Comercial, o que é um facto muito positivo.

JNPDI!: Quando faz uma crítica de um concerto ou de um disco, quais são os seus critérios para analisar a realidade que vai transmitir aos leitores?
MJV: Procuro ser objectivo e, na medida do possível, pedagógico, passe a presunção. Sobretudo quando este disco ou aquele concerto não corresponderam ao que seria de esperar em função dos músicos protagonistas. É esta, sem dúvida, a situação mais complicada. Ou seja, é preciso compreender que, no jazz - uma música em grande parte criada no próprio momento de tocar -, há factores internos e externos aos próprios músicos que podem influir num sentido negativo, prejudicando a disposição, a imaginação e a criatividade. E como, na situação de concerto, não há a possibilidade de alternate takes, os promotores de concertos ou festivais têm de procurar compreender que as reticências do crítico a um dado concerto não se dirigem a quem os escolheu e contratou mas àquilo que, em concreto, os músicos fizeram, sendo para tal quase irrelevante tudo o que deles ouvimos (ou lemos) serem capazes! Jamais concordei com aqueles que, de forma alienada, exaltam um determinado concerto só porque os músicos que nele participaram (pelo que deles se conhece ou ouviu falar) se tornaram, para todo o sempre e em todas as circunstâncias, sábios e intocáveis criadores!

JNPDI!: Existe um perfil de leitor médio para quem o crítico escreve?
MJV:
Creio que depende da publicação para a qual esse crítico escreve. Para um jornal diário, mesmo um jornal de referência, julgo que não se deve escrever como para uma revista especializada; e desde já confesso que raramente eu terei conseguido seguir esta regra. Acho que se têm de apresentar mais dados e argumentos, eventualmente não conhecidos do leitor comum mas que se consideram adquiridos em relação ao leitor já iniciado, aquele que sabe do que se está a falar. É um problema real com o qual tenho de lidar constantemente e que, ao fim destes anos todos, ainda não consegui resolver! Sobretudo no que toca à necessidade de dizer tudo aquilo que pretendo num espaço curto e delimitado, de uma forma clara, alheia à linguagem e às insinuações de clã (para entendidos lerem), respectivamente mais próprias das publicações especializadas ou injustificáveis numa crítica transparente.

JNPDI!: O crítico de jazz tem de saber ou não de música, mesmo não sendo necessariamente um músico?
MJV: Claro que não! O que é preciso é saber ouvir, ter uma intensa prática auditiva. E procurar conversar com os grandes músicos, que os continuará a haver. Não é preciso ser realizador para escrever sobre Cinema ou escritor para falar sobre Literatura ou pintor para ser crítico de Artes Plásticas. Mas sem dúvida que ajuda! Quer dizer, julgo que os conhecimentos de música são uma ferramenta útil para entender e ir acompanhando em tempo real, quase sem necessidade de recuo histórico, a evolução do jazz e, assim, não cair no mesmo tipo de disparates nos quais, no seu tempo, já o Panassié caiu. Há quem ontem se tenha rido do Panassié, porque ele recusava o bebop argumentando que não era jazz; mas, ao mesmo tempo e em contrapartida, aquilo que em tempos se censurou ao Panassié é rapidamente esquecido quando hoje se recusa liminarmente, sem qualquer hesitação ou inquietude, outras vias que o jazz tem vindo a explorar. Neste sentido, julgo que os conhecimentos musicais ajudam a compreender, talvez melhor e para além de noções mais básicas, esses desenvolvimentos, esses novos caminhos; mas também ajudam a destrinçar o trio do joio e a procurar advertir para o embuste daqueles que se arvoram em chico-espertos da modernidade!

JNPDI!: Que memórias/histórias guarda destes anos de actividade na área do jazz como crítico?
MJV: Bom... três anestesias gerais fizeram grandes estragos nas minhas faculdades de memória, sobretudo em relação a um passado mais afastado. Mas não guardo propriamente grandes histórias da actividade de crítico, excepto alguns aspectos anedóticos quanto à edição (ou substituição) de títulos, cortes em textos e outros atropelos... As principais memórias relacionam-se, sim, com noites inesquecíveis em que pude participar enquanto músico, como aquela em que me vi a tocar (por causa do abandono... por KO... do Joe Morris, o baterista da big band de Quincy Jones) com os principais solistas da orquestra: o Julius Watkins, o Jerome Richardson, o Sahib Shihab, a Melba Liston, o Benny Bailey, o Les Span... Ou a madrugada-quase-manhã de um clube de Liège, numa jam session com o Chet Baker, o Jean-Pierre Gebler, o Philip Catherine, o René Thomas, o Jacques Pelzer, o Justiniano Canelhas... Ou as conversas com o Pony Poindexter ou o Don Byas... Gerry Mulligan no Luisiana... Milt Jackson na Rádio Renascença... um yeah! do Dexter Gordon, depois de uma acentuação na tarola... enfim... coisas assim!

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Manuel Jorge Veloso, Lugi Trussardi e Chet Baker.

Ah... e ainda fico a guardar a história de esta entrevista para o JNPDI (se não estou enganado) ser, porventura, a primeira que me fizeram, enquanto crítico e divulgador do jazz, em quarenta e tal anos de actividade!

JNPDI!: Que músicos de jazz de renome internacional teve oportunidade de entrevistar até hoje?
MJV: Que me recorde, nunca entrevistei qualquer músico de jazz de renome internacional. O que não quer dizer que não tenha tido os mais inesquecíveis e enriquecedores momentos no que se refere à captação de experiências e absorção de ensinamentos com alguns dos músicos com os quais tive a rara felicidade de tocar e conviver. Mas, voltando às entrevistas, o problema é que estas devem ser encaradas com o máximo rigor e responsabilidade possíveis, pois talvez seja o que de mais importante se pode ainda fazer para manter viva uma certa tradição da transmissão oral, como forma de aprendizagem do próprio fenómeno jazzístico nas suas várias vertentes. Acontece que eu sempre fui preguiçoso quanto à necessidade de me preparar convenientemente para fazer entrevistas responsáveis. Preferi, portanto, não as realizar.

JNPDI!: E qual ou quais tem pena de não ter conseguido entrevistar?
MJV: Todos, claro!

JNPDI!: Dos vários concertos a que assistiu em Portugal, qual o que mais saudades lhe deixou pela qualidade musical?
MJV: Para apenas indicar meia dúzia de concertos de importância e significado muito diverso, lembro-me (pela novidade) dos concertos pela orquestra de Count Basie (1956) ou pela orquestra do Duke Ellington com a Ella Fitzgerald (1966); das actuações do quarteto de Charles Lloyd no «Luisiana» (com o Keith Jarrett, o Cecil McBee e o Jack DeJohnette, depois de um TV Jazz que realizei com eles na RTP, em 1966); e, já nos últimos anos, os concertos pelo trio do Brad Mehldau no Seixal Jazz (1998) ou pelo quarteto do Kurt Rosenwinkel com o Mark Turner na Marinha Grande (2001), entre alguns outros. No estrangeiro, foram momentos únicos o concerto pelo novo quinteto de Miles Davis em Antibes, Juan-les-Pins (1963) ou o da orquestra de Charlie Mingus no Festival de Jazz de Newport (Nova Iorque, 1972).

JNPDI!: E pela qualidade emocional?
MJV: Todos os do 1º. Festival Internacional de Jazz de Cascais (1971); Sun Ra, ao ar livre, num cais de Nova Iorque (1972); e também o do Archie Shepp, na 1ª. Festa do «Avante!» (1975).

JNPDI!: E, já agora, o pior?
MJV: O de um tal Carlos Maza num Guimarães Jazz, já antigo.

JNPDI!: Já temos, na sua opinião, jazzmen e jazzwomen de qualidade internacional? Quem?
MJV:
Já. Desculpe... mas não digo. Isto é muito pequeno.

JNPDI!: E pode falar-se numa nova geração de críticos de jazz em Portugal?
MJV: Às vezes...

JNPDI!: Considera que há festivais a mais?
MJV: Nunca há festivais de jazz a mais; mas o facto é que (aqui entre nós) eles são em número bastante superior à procura real.

JNPDI!: Diga-nos o elenco de um festival ideal. Só valem os músicos ainda vivos...
MJV:
Desculpe... mas também não digo. É que (quem sabe?) ainda pode ser que alguém me convide para director artístico de um festival ou comissário de um centro cultural. E não vou dar «de bandeja» os nomes desse possível elenco!

JNPDI!: Presumo que tenha uma vasta colecção de discos... Quantos são?
MJV: Não tão vasta como poderia julgar-se. Mas são bastantes: à volta de 7.000 CDs.

JNPDI!: Quais as maiores preciosidades entre esses?
MJV:
É impossível responder. Como se compreenderá e é natural, as preciosidades são inúmeras. Não se trata de gabarolice!

JNPDI!: Por falar em discos, que registos (num máximo de 5) recomendaria a um leigo em jazz?
MJV: Nunca recomendaria cinco! Mas, sem puxar muito pela memória, assim ao correr da pena, apenas por ordem cronológica e para documentar marcos decisivos na história do jazz, há cinco escolhas óbvias:

1) - «The Complete Hot Five and Hot Seven Recordings» (Louis Armstrong)

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2) - «Never No Lament» (The Blanton-Webster Duke Ellington Band 1940-1942)

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3) - «The Complete Savoy and Dial Sessions» (Charlie Parker)

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4) - «Kind of Blue» (Miles Davis)

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5) - «Free Jazz» (Ornette Coleman)

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Mas certamente que haveria dezenas de outras combinações possíveis.

JNPDI!: O que mudou no jazz em Portugal entre o momento em que começou a divulgá-lo e o presente?
MJV: Tudo: no que respeita ao ensino, à prática, à maturidade, à internacionalização, ao profissionalismo, ao escancarar do gueto em que alguns de nós queremos conservá-lo, à (apesar de tudo) quantidade de músicos e à qualidade de vários deles, às escolas que surgiram, à possibilidade de formar três big bands ou de assistir a 10 festivais por ano, até ao escândalo de não haver jazz nas (quatro) televisões, 32 anos depois de Abril!

JNPDI!: O Jazz é uma música com futuro no século XXI? Que caminhos pode em sua opinião tomar?
MJV: Com um tal passado e um tal presente, naturalmente que o jazz é uma música com futuro no século XXI. Parece-me, de resto, que isso é já claríssimo. Mas continua a ser inútil pretender-se impor-lhe balizas ao seu desenvolvimento e modernidade ou quanto aos caminhos pretensamente correctos que pode ou deve tomar: a especificidade e as características que eram únicas e pareciam indissociáveis do jazz em 1920 transformaram-se logo em 1930 e ainda mais em 1940, evoluíram noutra direcção em 1950, foram subvertidas no melhor sentido (e ao mesmo tempo retomadas com generosidades diversas) em 1960, alteraram-se (há quem diga: abastardaram-se) em 1970, sofreram um retrocesso (disfarçado de regeneração e retoma de identidade) em 1980, aglutinaram-se e voltaram a dispersar-se a uma nova luz em 1990 e prosseguem com novos e ainda mais interessantes contributos em 2000. Uma música assim não pode morrer, antes continuará a evoluir por caminhos imprevisíveis; mas sem dúvida aberta a influências as mais diversas, acabando por apropriar-se das melhores. Como (quase) sempre fez.

RETRATO BIOGRÁFICO

Manuel Jorge Veloso nasceu em 1937, em Lisboa.
Com formação musical clássica (1º. ano do curso superior de Composição e 2º. ano do curso superior de Violino, pelo Conservatório Nacional), foi nos anos de 1960 e 1970 baterista de jazz amador e membro fundador do primeiro grupo português com actividade jazzística exclusiva e regular - o Quarteto do Hot Clube de Portugal - com o qual se apresentou em concertos por todo o país e, ainda, no Festival Internacional de Jazz de Comblain-La-Tour (Bélgica) em 1963.
Individualmente, tocou em jam sessions com inúmeros músicos de jazz portugueses e estrangeiros de passagem por Portugal ou no estrangeiro (França, Bélgica), entre os quais Jerome Richardson, Sahib Shihab, Bennie Bailey, Melba Liston ou Julius Watkins (da orq. de Quincy Jones) e, ainda, Don Byas, Herb Geller, Chet Baker, Barney Wilen, René Thomas, Philip Catherine, Pony Poindexter, Paul Gonsalves, Gerry Mulligan ou Milt Jackson, tendo integrado com Kevin Hoidale e Jean Sarbib o Quarteto de Dexter Gordon no I Festival Internacional de Jazz de Cascais (1971).
Profissionalmente, foi assistente musical na área da música clássica na RTP - entre 1958 e 1971 - tendo, nessa época, produzido e apresentado um programa de jazz regular intitulado TV Jazz. Foi, ainda, assistente de produção do programa O Povo que Canta (Michel Giacometti) e, mais tarde, entre Maio de 1974 e Julho de 1975, membro da Comissão Directiva de Programas.
Desde o início da sua actividade profissional até hoje foi autor de vários programas e rubricas de jazz na rádio portuguesa. A partir de Março de 1993, realiza e apresenta na RDP-Antena 2 o programa Um Toque de Jazz.
Na sua actividade de divulgação e crítica na área do jazz, publicou ao longo das últimas quatro décadas inúmeros artigos na imprensa diária e hebdomadária e é, desde Março de 1998, crítico no jornal «Diário de Notícias».
No domínio do cinema, compôs a música para as longas-metragens Belarmino e Uma Abelha na Chuva (Fernando Lopes) e Pedro Só (Alfredo Tropa) e para cerca de uma dezena de curtas-metragens de Fernando Lopes e Faria de Almeida. Foi professor da cadeira Construção e Análise da Banda Sonora, na Escola de Cinema do Conservatório Nacional (1971/1973), e fez o Mestrado em Realização pela Escola Superior de Cinema e TV de Babelsberg-Potsdam.
Na edição discográfica, foi produtor (EMI/VC, Sassetti-Guilda da Música, Caminho) nas áreas da música popular, erudita, jazz e discos literários (1971/1974).
Na edição literária, traduziu o livro O Mundo da Música, de Leonard Bernstein (Livros do Brasil) e colaborou na entrada «Jazz», in Rudolph Stephan (coord.), Música. Enciclopédia Meridiano/Fisher, vol. 7 (1968). Lisboa: Editora Meridiano, Lda.
É coordenador e autor de várias entradas no domínio do jazz para a Enciclopédia da Música Portuguesa do Século XX, Instituto de Musicologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (no prelo).


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