6 de setembro de 2004

Entrevista com Mark Whitfield

[«Jazz no País do Improviso!» tem vindo a reeditar algumas das entrevistas realizadas entre 1995 e 1999 e publicadas no jornal «A Capital» e na revista «O Papel do Jazz». Findamos esta série com a conversa que gravámos, em 1997 com o guitarrista Mark Whitfield]

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Hoje actuam no CCB três dos melhores guitarristas de jazz da actualidade: Doug Raney, Russell Malone e Mark Whitfield. Um trio que vem acompanhado por outro tio, o do pianista Kenny Barron. Antes do concerto entrevistámos Mark Whitfield.

Este «Guitar Summitt», como foi baptizado, foi proposto aos músicos pela Projazz, como um desafio raramente explorado em concerto. Aceitaram-no Doug Raney, filho do grandde guitarrista Jimmy Raney, nascido em Nova Iorque e radicado há alguns anos na Dinamarca; Russell Malone e Mrk Whitfield, que por cá andaram recentemente no filme «Kansas City», de Robert Altman. Malone já esteve em Portugal com o trio de Diana Krall e é reconhecido como um promissor talento, cujos préstimos já foram inclusive reconhecidos pelo veterano organista Kimmy Smith.

Quanto a Whitfield é uma das maiores revelações dos últimos anos, com uma discografia a solo já assinalável, onde conta com colaboradores como Tommy Flanagan, Dave Holland ou Al Foster.

O outro trio promete por si só um dos concertos do ano: Kenny Barron, no piano, Ray Drummond no contrabaixo e Ben Riley na bateria.


- Como explica que actualmente não seja comum encontrar guitarristas em gruposd de jazz?

- Geralmente os guitarristas são arrastados para estilos mais populares de música,, quer seja o rock'n'roll ou o rhythm & blues. É muito mais fácil ganhar a vida a tocar outras coisas

- Não é contudo o seu caso...

- Não, porque felizmente os meus pais gostavam de jazz e porque em toda a minha vida ouvi jazz e sempre gostei de guitarra. Por isso, foi lógico para mim tocar guitarra jazz e estou muito agradecido por essa oportunidade e por ter uma carreira como músico de jazz.

- Concorda que há muita resistência ao som da guitarra no jazz?

- Não, para dizer a verdade comigo passa-se justamente o contrário. Quando viajo é muito comum encontrar pessoas que dizem que não são fans de jazz mas que gostam da maneira como nós tocamos. Para esses a guitarra é um instrumento apelativo. A guitarra é um instrumento muito popular.

- Já tocou com Wynton Marsalis...

- Ah, mas o Wynton não gosta de guitarra. Ele próprio me disse isso. Não é um grande fan de guitarra no jazz por duas razões: primeiro, porque para tocar guitarra é preciso amplificação e o Wynton prefere tocaro em acústico; segundo, porque a música a que ele está habituado, a música que o tem maravilhado ao longo dos anos e que ele tenta emular, não tem guitarristas. Contudo, o Wynton usa a guitarra ritmicamente quando toca música dos anos 20, 30 ou 40. Até eu já trabalhei com ele e sei que o Russell Malone também. E ele tem trabalhado muito com o grande Danny Barker, na guitarra e no banjo. Mas, no jazz moderno, o Wynton e o Branford e tantos outros não vêem um lugar para a guitarra porque nos últimos 20 anos a guitarra não tem realmente estado presente nos principais grupos de jazz.

- Gostaria de ter trabalhado com Miles Davis?

- Sim, teria adorado.

- E o seu som ter-se-ia encaixado no grupo de Miles?

- Depende. Eu conheci o Miles em 1988. Nessa altura eu estava interessado em tocar num estilo moderno de fusão e teria tocado isso para tocar com ele. Teria tocado num estilo mais de fusão e R&B para entrar na sua banda e tocar com ele. Penso que se em algum período da minha vida tivesse tido essa oportunidade teria adoptado o meu estilo para encaixar no da sua banda, pelo menos por um curto período.

- Quão importante foi o seu trabalho com Betty Carter e outras vozes?

- Foi muito importante porque uma das coisas mais importantes na guitarra é funcionar no papel de acompanhante, quer seja de um solista ou de um cantor. Tocar a guitarra mais no papel do piano. E quando trabalhei com a Betty Carter e com a Carmen McRae, especialmente com estas duas, tive a grande oportunidade de tocar guitarra no papel de acompanhante. Gostei muito de fazer isso com a Carmen. Foi maravilhoso porque me ensinou como funcionar no papel de acompanhante, como o pianista faria, algo em que Joe Pass era um mestre. E essa foi uma parte do treino que tive que desenvolver e foi bom ter a oportunidade de trabalhar com vocalistas nesse estilo.

- É por isso que em «Forever Love» os temas escolhidos são quase todos temas celebrizados por grandes vozes?

- Sim, claro.

- Não é um risco fazer um album só com baladas, quando a maioria do público de guitarra prefere canções uptempo?

- Como diz, a maior parte das pessoas que gostam de guitarra jazz gostam de canções uptempo e com muita energia. Mas há muitas pessoas que não são realmente fans de guitarra jazz, mas que gostam de baladas e a guitarra pode ser um instrumento muito bonito e é muito apelativa para pessoas que apenas gostam de música bonita. Eu pessoalmente gosto de tocar guitarra em ambos os ambientes, tanto de uma forma muito energética e uptempo, como em baladas, embora pensasse que talvez pudesse ter algum risco fazer um album inteiro só de música romântica. Há muitos fans de jazz que podem pensar que não é muito criativo, mas espero que este album chegue a pessoas que gostem de ouvir música romântica e bonita.

- Quais são os seus projectos para o futuro?

- Tenho estado a trabalhar em música experimental que está na linha daquilo que o Wynton Marsalis, o Kenny Garrett e músicos como eles estão a tocar actualmente em trio. E tenho planos para fazer um disco só com baixo, bateria e guitarra, com diferentes saxofonistas a tocar algumas das composições mais avançadas que tenho escrito e alguma música moderna e outra mais energética. Estou sempre à procura de novos sons e novas combinações dentro de mim próprio e quero continuar a colocar desafios a mim próprio.

- Que músico apontaria como mais importante da história do jazz?

- É difícil... Teria de referir Duke Ellington porque provavelmente foi o que produziu maiores efeitos no jazz. Penso que podemos dizer que Duke Ellington foi o mais influente.

- E que disco apontaria?

- Talvez o «Birth of the cool», de Miles Davis, porque penso que abriu uma porta a várias gerações de expressão na música e é talvez um dos discos mais importantes.

- Como vai ser o concerto de Lisboa?

- Acabei de telefonar ao Russell Malone há pouco, mas ainda não temos a certeza absoluta de nada porque sentimos que deve ser algo especial. Ainda estamos a discuti-lo.

- E é um grupo que se reúne unicamente para este concerto...

- Sim, é um evento único. Estou satisfeito por estar disponível para o fazer porque penso que será divertido e queremos que seja algo de especial.

[entrevista realizada telefonicamente e publicada originalmente no jornal «A Capital», de 8/03/1997]


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