6 de agosto de 2007

Aconselhamos

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Recebemos de algumas editoras vários discos para recensão crítica, dos quais damos agora finalmente nota, aproveitando a pausa no Jazz em Agosto.

Sem qualquer excepção todos os discos nos agradaram, naturalmente uns mais do que outros, mas a verdade é que estão todos a um bom nível, registando-se mesmo um caso de excelência.

Comecemos pelo tal CD de excelência: Disorder at the Border: The Music of Coleman Hawkins, editado pela ENJA.

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Este é o mais recente disco do saxofonista Bennie Wallace e bem podemos dizer que é do melhor que ouvimos nos últimos anos no âmbito do Jazz contemporâneo. Wallace presta aqui uma homenagem ao saxofonista Coleman Hawkins (cuja importância no Jazz dispensa grandes apresentações, mas poderemos dizer que foi ele quem pioneiramente criou o vocabulário do sax-tenor no Jazz), focando-se na música que este tocou antes de se ter envolvido no bebop.

Gravado ao vivo em Berlim, em 2004, no ano em que se celebrava o centenário do nascimento de Hawkins (1904-1969), este é o resultado de uma parceria entre Wallace e a filha de Hawkins (Colette), que se ocupa do espólio do pai, reunindo um naipe (que é uma verdadeira orquestra) de músicos de inquestionável importância e competência: Bennie Wallace (sax-tenor); Terell Stafford (trompete); Ray Anderson (trombone); Jesse Davis (sax-alto); Brad Leali (sax-alto); Adam Schroeder (sax-barítono); Donald Vega (piano); Danton Boller (contrabixo); Alvin Queen (bateria).

De todos estes merecem destaque, além de Wallace (brilhante nas baladas «La Rosita», onde tão bem invoca o estilo de Hawkins, e «Body and Soul»), dois músicos que ainda no recente Estoril Jazz tão boas provas deram: Terell Stafford e Jesse Davis. O primeiro é uma presença constante de qualidade ao longo deste registo, com o seu estilo bem enraizado na tradição, destacando-se o seu solo em «Disorder at the Border», um daqueles solos que faz abrir um largo sorriso no mais devoto amador de Jazz. Também o pianista Donald Vega se apresenta a um elevado nível, logo desde o primeiro tema, contextualizando bem o ouvinte no tipo de Jazz que a orquestra se prepara desde logo para fornecer ao longo dos próximos 60 minutos.

Quanto ao repertório obviamente que a selecção se baseou em temas associados a Hawkins (também conhecido por Bean ou Hawk), incluindo originais deste («Disorder at the Border»; «Bean and The Boys») e canções por si interpretadas ao longo dos mais de 50 anos de carreira: «La Rosita»; «Honeysuckle Rose»; «Body and Soul» (um dos expoentes máximos dos muitos temas que Hawkins gravou); «Joshua Fit the Battle of Jericho».



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Se dúvidas restassem de que Kurt Elling é a melhor voz masculina do Jazz na actualidade as mesmas foram totalmente dissipadas com a sua recente actuação no Estoril Jazz.

Nightmoves, do qual interpretou alguns temas no referido concerto, é o seu mais recente CD, o primeiro para a editora Concord e o sétimo de uma carreira discográfica (na blue Note) sólida e premiada que começou em 1995, quando aos 27 anos lançou o seu primeiro registo discográfico: Close Your Eyes.


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Se a memória ainda estiver bem viva, muitos leitores relembrarão certamente o extraordinário concerto que Abbey Lincoln protagonizou no Centro Cultural de Belém, em 1997, no âmbito do Estoril Jazz. Desse concerto ficou-nos até hoje presente a forma como esta cantora terminava cada tema, sempre com originalidade e renoavada criatividade.

Cantora inspirada por Billie Holiday, Abbey surge agora com um novo CD editado pela Verve: Abbey sings Abbey.

E o que é este CD?

Há várias formas de entrar nele, por assim dizer.

Por um lado, este disco é um conjunto de temas compostos (letra e música) por Abbey Lincoln, exceptuando-se o caso de «Blue Monk», em que apenas a letra é da sua autoria. Por outro lado, o presente disco é nada menos do que uma revisita dos temas que Abbey gravou desde 1990 para a editora Verve. Revisita no sentido em que Abbey volta aos referidos temas, mas também porque volta de uma forma renovada, marcada pela ausência do piano e a proeminência da guitarra, o que chega a dar ao disco um certo ar bluesy e country (e que alguns consideram próximo dos trabalhos de Cassandra Wilson e mesmo Norah Jones).

No cômputo global, o disco resulta muito bem e a voz de Abbey adequa-se perfeitamente ao novo ambiente sonoro criado pela introdução da guitarra de Larry Campbell, sendo nítido, logo quando soam os primeiros acordes de «Blue Monk», que este é um projecto a reter e a revisitar ao longo dos anos.

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Third Quartet é nada menos do que o disco onde se reúne pela terceira vez (desde a sua formação no ano 2000) um quarteto de notáveis músicos liderado pelo guitarrista John Abercrombie e composto por Mark Feldman (violino), Marc Johnson (contrabaixo) e Joey Baron (bateria).

Editado pela prestigiada e inovadora ECM, este CD apresenta oito originais de Abercrombie e um tema de Ornette Coleman («Roundtrip», que Pat Metheny e Jaco Pastorius tão bem interpretaram em Bright Size Life) e outro de Bill Evans («Epilogue»).

O mais interessente neste disco são sem dúvida os diálogos e a interacção entre a guitarra de Abercrombie (que, como poucas, se distingue imediatemente entre os múltiplos guitarristas que emergiram desde os anos 70 até ao presente) e o violino de Feldman, sobretudo em temas como «Banshee» e «Wishing Bell».

Voltando a Ornette Coleman e ao seu «Round Trip», mais uma vez este tema se presta a um bom momento auditivo. Abrindo com a bateria de Baron, a que se segue o contrabaixo de Johnson (é importante ouvi-lo também com Stan Getz, nomeadamente no célebre concerto gravado em vídeo na Califórnia) e se somam depois a guitarra de Abercrombie e o violino de Feldman, a melodia é exposta pelo quarteto apenas no final, sem dúvida uma forma diferente de recriar este já clássico tema.

Apesar de ser um guitarrista excepcional Abercrombie tem sido mal amado por vários amadores de Jazz, que nunca lhe perdoaram as influências da fusão e de músicos como Jimmy Hendrix ou os efeitos que acopla à sua guitarra. Pois os amadores mais críticos podem agora reconciliar-se com Abercrombie, já que neste disco, tal como em vários que o antecedem, a sua guitarra soa não raras vezes cristalina e limpa de efeitos, realçando-se assim as suas belas linhas melódicas e uma sonoridade suave e contemplativa.

Já agora... se por acaso a RTP Memória transmitir o excepcional concerto de Abercrombie no Cascais Jazz de 1980 não percam. Quanto a mim foi um dos concertos que me aproximou do Jazz e uma das razões pela qual Abercrombie será sempre importante e uma referência. Em 1989 tivemos oportunidade de com ele aprender num Workshop organizado pelo Hot Clube no Palácio Fronteira e de o ouvir no Hot Clube. Desses concertos ficaram gravações em cassete que ainda são das que mais prazer nos dão ouvir entre a obra de Abercrombie.

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Outra surpresa discográfica muito interessante é Route F, CD liderado pelo baterista Billy Hart, gravado em 2004 e editado em 2006 pela ENJA.

Hart é um baterista com um notável curriculum como sideman de músicos como Buck Hill, Shirley Horn, Montgomery Brothers (1961), Jimmy Smith (1964-1966), Wes Montgomery (1966-1968), Herbie Hancock (1969-1973), McCoy Tyner (1973-1974), Stan Getz (1974-1977) e ainda Miles Davis, com o qual gravou o disco On the Corner.

Acompanhado por Johannes Enders (em saxofone tenor e soprano) e por Martin Zenker (contrabaixo), Hart apresenta neste seu 10.º disco como líder um repertório essencialmente composto pelo referido saxofonista (apenas «Turnaround» é da autoria de Ornette Coleman).

E de facto, acaba por ser Enders - músico natural de Munique (Alemanha) e que tem tocado, entre outros, com Donald Byrd, Roy Hargrove e Lester Bowie - a alma deste trabalho, conferindo-lhe uma aura de magia e de introspecção que valem bem uma audição atenta. O trio funciona na perfeição e proporciona a Enders o ambiente sonoro ideal para dar expressão à sua musicalidade e vida interior.


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Given Soul é o terceiro CD do trompetista Hugo Alves, músico autodidacta que de forma sólida e empenhada tem vindo a construir uma carreira no Jazz que é já digna de realce, tendo sido apreciado de forma muito positiva pela revistas Jazz Hot (França) e Jazz Dimensions (Alemanha), por exemplo.

Editado em Maio de 2007 pela Actus, neste registo todos os temas são da sua autoria, ganhando vida pela intervenção do próprio e de Pablo Romero (piano eléctrico), Rodrigo Monteiro (contrabaixo) e Michael Lauren (bateria). A opção pelo piano eléctrico resulta muito bem, conferindo ao disco uma certa diferenciação e carisma.

Em crítica para o jornal Correio da Manhã o crítico de Jazz António Rúbio reviu nos seguitnes termos este CD: "Hugo Alves, grande figura do jazz nacional, confirma todos os dotes que possui como trompetista. A evolução para este disco é a mais importante da sua carreira. O som cristalino do trompete e a fluidez das notas que dele saem só podem ser produzidos por um intérprete maduro e perfeitamente senhor dos segredos mais escondidos do seu instrumento, tirando dele toda a melodia e harmonia que precisa para solar da forma exemplar que aqui encontramos. Um marco".

Dito isto... pouco mais podemos acrecentar, restando-nos endereçar os parabéns a Hugo Alves por este trabalho, mas sobretudo pela sua determinação em construir uma carreira no Jazz partindo do seu autodidactismo e sustentando-a passo a passo com múltiplas e importantes iniciativas, nas quais se inclui a Orquestra de Jazz de Lagos (fundada em 2004) e o projecto de criação da AJMMA - Atelier de Jazz e Música Moderna do Algarve. Portugal precisava de mais músicos e empreendedores assim, na verdade.


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