Herbie Hanc(r)ock no Coliseu
Foto de João Moreira dos Santos
No princípio era o medo... Herbie Hancock entrou em palco e passou os dedos pelo teclado electrónico de onde saíam sons de coros vocais e outros efeitos datados e, dizemos nós, mesmo de mau gosto, produzindo um tema amorfo e despejado de interesse e emoção.
Iria o público aplaudir o não aplaudível? Seria Hancock capaz de realizar um mau concerto?
A dúvida só ficou esclarecida quando o tema inicial terminou e Hancock usou os seus dotes de comunicador para se dirigir ao público presente (apesar de tudo pouco para a dimensão da sala e retardatário, entrando aos magotes após o segundo tema...) e quebrar assim o gelo.
Só a partir daí se produziu realmente música e o medo inicial se dissipou. Hancock ao piano acústico revelava os seus dons de improvisador nato, marcado pela criatividade, originalidade e infinitude de recursos e pela reinvenção sonora. Assim serviu, por exemplo, o seu excelente "Dolphin Dance". Dos teclados electrónicos emanou uma das melhores versões do extraordinário "Watermelon man", plena de funky e muito bem apoiada pelos seus sidemen. Destaque para Nathan East, no baixo eléctrico, e para a guitarra "mágica" de Lionel Loueke, que planou em solo pelo éter do Coliseu.
Surge então um problema com o teclado electrónico... mas Hancock não se intimida, antes pelo contrário recorre aos seus dons de orador, improvisa em torno do tema e dá a deixa para um momento alto da noite: um solo absoluto de Loueke. Se aquela guitarra não cantou, andou lá perto, é verdade que apoiada por pedais de efeitos que permitiam gravar os grooves e colocá-los a rodar em loops. Mas de resto todos os múltiplos timbres e ritmos provieram apenas das suas mãos e de toda a sua herança africana.
Depois houve alguns temas do mais recente disco de Hancock, com Nathan East a dar a voz a "I Just Called to Say I Love You" (seria mesmo necessário?) e a "When Love Comes to Town", aqui sim um tema que pôs o Coliseu a bater os pés (happy feet!) e permitiu a Loueke evidenciar que a sua guitarra também sabe de Blues.
Foto de João Moreira dos Santos
O público estava conquistado e queria mais. Hancock e o seu quarteto voltaram com "Cantaloupe Island" (não podia faltar!) e o concerto prolongou-se para além de 'round' midnight', não sem que várias cadeiras fossem ficando gradualmente desocupadas. (seria da música ou do avançado da hora?) Hancock recorreu então ao seu teclado portáil e passeou-se com ele pelo palco. Há quem o conteste pela utilização desta geringonça móvel, mas a verdade é que nos pareceu bem e permite uma maior interactividade com o público e com os músicos.
Foto de João Moreira dos Santos
Era proibido fotografar? Bem, no fim a alegria era tanta que os flashes disparavam em todas as direcções e os telemóveis andavam no ar à procura do melhor ângulo... Ninguém pareceu incomodar-se, nem mesmo os músicos.
Foto de João Moreira dos Santos
Enfim, o que se perdeu em jazz puro, ganhou-se em espectáculo e divertimento. Confesso que este concerto me deu um grande gozo e mais não digo...
7 Comments:
foi um grande concerto! muito mais descontraído que o do jarrett...
Pois...
Não posso deixar de comentar o post do nosso caro André Mota - que comentário enternecedor !
- Força aí grande André (ainda por cima teve a sorte de os poder ver aos dois) Como invejo a tua conta bancária, o teu tempo e a tua inocência ...
Limitei-me a dizer que achei o concerto do Hancock muito mais descontraído, porque o foi. É um facto. Apesar da grandiosidade do trio do Keith Jarrett, e de ser dos mais importantes na história do jazz contemporâneo, confesso que o concerto do Herbie Hancock me tocou mais. São registos diferentes. E a formalidade do concerto no CCB do Jarrett deixou-me desconfortável. Tenho 20 anos, estudo musica no Hot Clube, sei que tenho muito a aprender; mas tenho direito à minha opinião, e às vezes parece que há medo em dizer "prefiro A a B", ou "não gostei de A". Eu admito as minhas prefências: o concerto de Jarrett/GP/JDJ estava envolvido numa controvérsia enorme e o que sinto é que as pessoas pura e simplesmente nem falam deste concerto: penso que foi algo que aconteceu de sublime (porque o foi!) e ficou suspenso na História. O concerto de Hancock disse-me mais. Simplesmente isto.
Obrigado.
André Mota
Só ví o do Keith Jarrett. Adorei.
É claro que acho dispensável todo "ruído" criado á volta do mesmo. Irrita-me o "vedetismo". Neste caso, a culpa é em grande parte do próprio Keith Jarrett.
Mas como apenas quería ouvir música ... cheguei ao CCB, sentei-me, ouví e fui embora.
Caro João, quero agradecer esta sua actividade na cobertura de concertos aos quais, por diversas razões entre as quais se contam a falta de disponibilidade de tempo e/ou de recursos financeiros (quando implicam deslocações), nem sempre temos oportunidade de assistir, embora já tivesse assistido a concertos desses mesmos músicos, no passado. Para quem menosprezou a capacidade jornalística inerente a certos blogs e respectivos autores, está aqui bem patente que vai mais longe que a imprensa tradicional (nenhuma publicação forneceria semelhante nº de fotos, por exemplo), complementando-a, e por vezes mesmo cumprindo o seu dever intrínseco, frequentemente por aquela ignorado.
Com a sua licença, cumprimento o meu colega José Menezes, com quem formei uma das primeiras bandas de Jazz, no Porto, mais de 15 atrás, entre os comentadores deste "post".
Obrigado pelo trabalho informativo e divulgativo que pratica, caro João.
RA
Caro André.
Tens toda a razão (apesar de continuar a invejar teres visto os dois concertos :-)Eu não consegui ver nenhum ... Tens todo o direito á tua opinião e eu não quis ser rude com o meu comentário. Espero que continues a gostar de jazz e a estudar ....
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