11 de dezembro de 2005

O Jazz português está de parabéns!

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Sobre Tender Trap, o primeiro CD da cantora Marta Hugon, que muito nos agradou, tanto pelo conteúdo como pela forma (excelente ideia a de reproduzir no próprio disco a imagem de um velhinho disco de vinyl), aqui deixamos um texto esclarecedor da autoria do nosso amigo António José de Barros Veloso (médico, amante de jazz e pianista).

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Para quem como eu acompanha há décadas o jazz português e tem assistido à ascensão de muitos músicos saídos do círculo do Hot Club e da sua Escola -guitarristas (sobretudo), pianistas, contrabaixistas - este CD já estava a tardar.

É sabido que "no princípio (do jazz) era a Voz", porque nada há como a voz, sobretudo a voz feminina. Mas depois de uma primeira geração de cantoras de jazz, que deixou marca com a Maria João e aMaria Viana, levou tempo até que surgisse uma nova vaga a tentar a sua sorte. Porque não é fácil nem atraente fazer carreira no jazz --numa época mais virada para o rock e seus derivados. É preciso é ter coragem.

A Marta Hugon teve coragem e rapidamente revelou ter também um enorme talento. Apercebi-me disso há vários anos. Mas decidi esperar para ver. Porque para mim só há uma maneira, uma prova infalível, de avaliar músicos de jazz: é tocar com eles. "Tomar-lhes o pulso", costumo dizer usando uma metáfora de inspiração médica.

E a oportunidade surgiu. Um concerto na Ordem dos Médicos. Três concertos no Hot Club. Breves encontros. Brevíssimos ensaios. Um repertório completamente novo. E a Marta lá estava, com a segurança, o à-vontade, a convicção, o timbre, a afinação e o swing que fazem dela uma grande cantora. E sempre, e sobretudo, com a grande paixão pelo jazz , patente em cada gesto, em cada frase, em cada nota. Este "Tender Trap" resulta, sem dúvida, numa "suave armadilha" que nos prende e que não faz mais do que confirmar todas essas qualidades.

O modelo escolhido para o CD é o tradicional. Trio acompanhante (piano, contrabaixo e bateria) que por vezes se transforma em quarteto pela adição da guitarra. Improvisos instrumentais intercalados entre as exposições vocais.

O repertório inclui 10 temas do "cancioneiro" do jazz (os chamados standards) e um samba.

A Marta revela, ao longo dos temas, invejáveis capacidades vocais e uma grande versatilidade que a faz estar à vontade nos tempos lentos, nos tempos rápidos e lhe deixa ajnda margem de manobra para uma batida de samba a preceito.

Escolhas? Não são fáceis, mas tavez arriscasse duas: "That old black magic" com uma primeira parte do tema acompanhado só pela bateria, em que a Marta revela uma articulação rftmica notável; "Manhattan", um tema tradicinal cantado com extrema descontracção e no registo certo.

Do quarteto acompanhante pouco há a acrescentar àquilo que todos sabemos. Bemardo Moreira com a sua competência e segurança, assegura a pulsação adequada. André Sousa
Machado revela as qualidades qué o colocam no pequeno lote de bateristas portugueses que sabem tocar jazz. Filipe de Meio com a sua energia e o seu estilo "à-la-Peterson" , oferece-nos solos de grande criatividade e emoção. Finalmente Bruno Santos, com o seu estilo soft em que cada nota é um achado, é a cereja no topo do bolo.

O jazz português está de parabéns. Resta-me desejar que este CD seja o início duma
longa actividade discográfica para prazer de todos nós.


António José de Barros Veloso
[Texto publicado no jornal "Expresso" de 03/12/2005, supl. Especial Natal, p. 54]


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