5 de maio de 2005

Toca-me um swing!

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Enquanto lá fora os obuses da artilharia russa cruzam os céus de Berlim e explodem prédios e rebentam ruas e vidas, Eva Braun e companheiros de bunker dançam alegremente na chancelaria do Reich, ao som de um gramofone.

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Num ápice, uma bomba estremece o sumptuoso edifício mandado erguer por Hitler em 1938 e a agulha de aço de onde antes brotava música ligeira sulca pesadamente o disco, deixando um impiedoso rasto de destruição.

Eva Braun teima em dançar e pergunta se há músicos na sala. Aparece um militar, senta-se ao piano e a ainda aspirante a senhora Hitler, embriagada por um momento de folia, ordena decididamente:

- Toca-me um swing!

A música maldita e interditada por Hitler salta das teclas do piano (que se adivinha alemão ou austríaco) e enche a sala. Cola-se aos pés e arrasta-os aos pares como se não houvesse guerra e Berlim não fosse uma cidade cercada.

E de repente a explosão!

Um obus bolchevique irrompe pela sala adentro e já os foliões improvisados descem apressadamente para a segurança dos 15 metros de profundidade do bunker de onde um fragilizado Hitler de mãos trémulas pensa ainda comandar um contra-ataque, isto quando a defesa da cidade, escassa de adultos, começa a ser confiada a um exército de jovens de 15 anos condenados a fazer a guerra.

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Embalado pelas palavras de Ilia Ehrenbourg, poeta russo, o exército de Estaline estava às portas da capital do III Reich:

Os soldados do Exército Vermelho ardem, como se fossem palha, para transformarem os alemães e a sua capital no archote da sua vingança. A Berlim! Estas palavras até ressuscitam os mortos - e esta ressurreição significa a vida! Soldados do Exército Vermelho, soou a hora da vingança!

Cinquenta e seis milhões de mortos depois, na Primavera de 1945 a guerra de Hitler estava praticamente perdida e o jazz haveria de voltar a Berlim, pelo menos ao lado ocidental.

Indiferente, porém, à destruição da Alemanha e de Berlim (sobre a qual se estima tenham sido lançadas 83 000 toneladas de bombas) e ao sofrimento de um povo esfomeado, Hitler dita as seguintes palavras no seu testamento político de 29 de Abril de 1945:

Morro com o coração transbordante de alegria ao pensar nas grandiosas realizações do nosso povo e no incontornável contributo para a História dado pela juventude que traz consigo o meu nome.

Dia 30 de Abril, der Fuhrer ist tot (o Fuhrer está morto), mas infelizmente para os alemães que ficaram do lado errado da história (leia-se muro) o terror só findaria quase cinco décadas depois da queda de Hitler, cuja ideologia perversa e doentia este filme tão bem retrata.

A ver no filme A Queda, uma interessante obra sobre os últimos dias dos curtos mas trágicos anos do império tirano que a megalomania do nacional socialismo projectara para um milénio. Duas horas e quarenta minutos de narrativa apoiada em larga medida no testemunho da última secretária de Hitler (Traudl Junge) e em que a barbárie e a loucura do ditador podem atormentar ainda hoje as almas mais impressionáveis (e não o somos todos?) pela crueldade e frieza de que também os seres humanos são capazes.

Custa a acreditar que foi só há 60 anos...

Já agora, resta acrescentar que o edifício onde Eva Braun dançou ao som do swing foi arrasado pelos soviéticos e os seus luxuosos materiais usados para reconstruir uma estação de metro e erguer memoriais aos combatentes do Exército Vermelho.

Quanto ao bunker, no seu lugar está hoje um parque infantil e um parque de estacionamento.

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