BREVE HISTÓRIA DO JAZZ (2)
Por Luís Villas-Boas
Para completar o cenário que no nosso primeiro artigo começámos a traçar, sobre a cidade onde o «jazz» nasceu, vamos recordar alguns factos históricos ligados a New Orleans.
Assim julga-se que os primeiros carregamentos de escravos para New Orleans tiveram lugar durante o ano de 1712. Esses carregamentos, de cerca de 7000 negros, foram efectuados pela Companhia do Mississipi, que detinha o monopólio desses transportes.
Por volta de 1725 a população da «Crescent City» estava numa proporção de 5000 negros para 4000 brancos, e foi nessa época que o célebre governador de New Orleans, Blenville, redigiu o código negro, que visava principalmente os negros e os judeus.
Nos meados do século XVIII surgiu, todavia, o marquês de Vauderil, que pretendeu tornar New Orleans, pelo seu esplendor, a Versailles do continente americano.
Ainda que esta tenha sido a época de maior desenvolvimento da cidade, a Luisiana estava a ser invadida por aventureiros que, sob o pretexto da colonização, procuravam fazer fortuna nas margens do Mississipi. Com eles nasceram as tabernas e as demais casas de prazer, onde era interdito vender bebidas alcoólicas aos negros e aos índios.
Como as mulheres escasseavam, resolveu-se, em parte, o problema exportando o que de mais reles havia em França, que no entanto encontravam facilmente com quem casar, desde o momento em que desembarcavam. E dizemos «em parte» pois os colonos, que tinham criado leis raciais desumanas, transgrediam-nas frequentemente, dando origem à raça creoula, que viria a desempenhar papel de relevo nos primeiros tempos do «jazz».
Durante os últimos anos do século XVIII deu-se a colonização espanhola, de pouca duração, pois em Outubro de 1800 a França, recuperava, como se sabe, a Luisiana.
Por esta altura, o desenvolvimento comercial desta cidade - aumentadas as vias de comunicação - era enorme, aumentando, também, o número dos cafés, tabernas, salas de jogo, etc., que tornaram esta cidade num dos principais centros de prazer do mundo.
Com a venda da Luisiana aos Estados Unidos (transacção conhecida pela «Louisiana Purchase»), as tradições francesas vão, em parte, porém, desaparecendo. No entanto, a música francesa que, misturando-se com a espanhola, tinha conquistado direitos de cidade, principalmente devido à Ópera Francesa, mantém a sua firme posição. Mas, para os escravos negros, não existia a ópera. A música que podiam ouvir era a que se cantava nas ruas do folclore francês e das danças da moda (mazurkas, quadrilhas, polkas e marchas).
Assim, lentamente e em gerações sucessivas, os negros iam assimilando numa música só os seus ritmos africanos e a música de folclore. Com a guerra civil, nasce a libertação dos negros, que passam a gozar de mais privilégios. Entre eles o de lhes ser permitido tomar parte nas paradas, que grupos de mascarados tinham iniciado por volta de 1850.
Mas os negros, apesar de terem assimilado, de acordo com a sua sensibilidade, a música dos brancos, não esqueciam a música dos seus antepassados. Assim, numa ampla praça de New Orleans, conhecida, por esse motivo, por Congo Square, realizavam-se infindáveis batuques, ao som de primitivos instrumentos, cantando e dançando até esgotarem as forças.
Ali, em plena liberdade, os músicos inatos, que são os negros, podiam dar largas ao seu gosto pela música, numa expontaneidade que os brancos não possuem.
Mas a libertação dos escravos trouxe, por outro lado, novos problemas aos negros que, de repente, se viram forçados a trabalhar e a deitar mão das mais estranhas profissões, para poderem viver. É a altura em que os vemos utilizar a música, não como um prazer, mas como uma profissão, tocando nas festas em que New Orleans era prolífica. De início, como não sabiam ler música, serviam-se dos seus dotes inatos para , de ouvido, tocarem as melodias dos brancos, dando-lhes, no entanto, um pouco da sua personalidade e do poderoso ritmo que possuiam.
Como instrumentos, os negros tinham de se contentar com os de sopro, que as fanfarras e as bandas das paradas já tinham posto de parte, pois os instrumentos requintados, como o violino, o violoncelo ou o piano, eram apanágio apenas das classes ricas.
Desta maneira, uma música híbrida de melodias de brancos e cânticos negros das plantações dos campos de algodão, de uma maneira geral, melopeias repassadas de tristeza, com que os negros procuravam amenizar o árduo trabalho de escravos, mas possuindo características rítmicas impressionantes, procurava uma forma definitiva e um nome que a distinguisse.
Só os negros conseguiam tocar dessa maneira e, por isso, e sobretudo devido a serem baratos os seus preços, depois de 1800, os negros substituíram os músicos brancos nos clubes ordinários, clubes onde a música desempenhava um papel de relevo.
Luís Villas-Boas
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