16 de agosto de 2004

Diana Krall: «O jazz está-me no coração»

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[«Jazz no País do Improviso!» reedita algumas das entrevistas realizadas entre 1995 e 1999 e publicadas no jornal «A Capital» e na revista «O Papel do Jazz». Hoje apresentamos a conversa que gravámos com Diana Krall em 1996, naquela que foi a sua primeira entrevista à imprensa portuguesa.]


Há 15 anos atrás Ray Brown ouviu-a cantar num restaurante e decidiu apoiá-la, chamando a si a orientação musical e profissional. Actualmente, Diana Krall mais do que uma cantora é uma intérprete de emoções que alia a tradição à contemporaneidade, misturando-as na sua bonita voz e no seu piano, pleno de swing e funky.

Antes da sua apresentação, hoje à noite [19/10/1996], no Centro Cultural de Belém, integrada no «I Women in Jazz», falámos com Diana e tivemos oportunidade de com ela trocar algumas impressões sobre as suas influências, o estado actual do jazz e, sobretudo, o seu último trabalho discográfico, em jeito de homenagem a Nat King Cole e aos seus herdeiros musicais.

O gosto de Diana Krall pelo jazz começou muito cedo. «A minha mãe tinha uma grande voz, o meu pai costumava trazer-me discos do Hank Jones, o meu tio cantava como o Bing Crosby e os meus avós gostavam de jazz. Havia sempre muita música em casa». Foi, aliás, o avô quem lhe apresentou, ainda nos tempos de meninice, Fats Waller, um encontro na Columbia Britânica, terra natal de Diana. Foi aí que a jovem Krall começou a aprender piano, tinha então quatro anos. Os primeiros discos que comprou foram os de «Miles Davis (My Funny Valentine) e Oscar Peterson».

A sua carreira começou a desenvolver-se com a ida para os E.U.A. e com o ingresso na Berkelee College of Music. Por conselho de Ray Brown, mudou-se mais tarde para Los Angeles, para estudar com Jimmy Rowles. «O Ray Brown dizia-me sempre para tocar com pessoas que tocassem melhor do que eu». Frequentadora do circuito de clubes dos E.U.A. e do Canadá, tem tocado com Sadao Wanatable, Christian McBride e Ray Brown. Em 1995, apresentou-se no Festival do Mar do Norte.

Quando lhe perguntamos hoje quais as suas influências, fala-nos de um conjunto alargado de músicos, desde o rock, ao pop e, é claro, do jazz. Entre todos contam-se «fundamentalmente Sting, Elton John, Carmen McRae, Jimmy Rowles, Ernestine Anderson,Helen Humes, Anita O'Day, Peggy Lee, Supertramp, Roberta Flack e Ray Brown».

Com um gosto tão ecléctico, quisemos saber porquê a opção pelo jazz, quando podia ter sido uma estrela do rock ou da pop, até pela sua beleza natural. «Porque é o que está no meu coraçãop. Quando ouço o contrabaixo do Ray Brown ou o piano de Oscar Peterson, uau! É a música com que cresci. Não me preocupa se é jazz ou não. O que conta é a beleza da música». Quanto à outra música, o rock ou a pop, «não se pode comparar com o jazz, como não se pode comparar o Duke Ellington ou Mozart. É o que é. Há lugar para essa música, que cumpre o seu papel: proporcionar descontracção e divertir».

Sobre o facto de ser mulher num mundo musical povoado sobretudo por homens, esta jazzwoman diz que até agora tudo tem corrido bem. «A única diferença é que demoro mais tempo a preparar-me para os concertos, por causa da maquilhagem».

Quando lhe apontamos o estado em que o jazz se encontra, onde algumas vozes críticas falam de falta de inovação, Diana Krall afirma: «Há coisas muito interessantes a acontecer, como o acid jazz, o hip-hop e o trabalho que o Gary Bartz está a fazer. Há músicos incríveis. Por exemplo, a Cassandra Wilson, que está a inovar. Demora tempo, mas é injusto dizer que não há nada de novo. Nós, por exemplo, em trio, temos um som totalmente diferente de tudo o que se faz. Mais do que a inovação, o importante é a beleza na música. É a beleza da música que me atrai».

Sobre o seu último disco, «All For You (A tribute to Nat King Cole)», editado pela MCA/Impulse, e explicando o porquê de tal homenagem, Diana diz que foi «influenciada por pessoas que foram influenciadas pelo Nat King Cole, como Oscar Peterson, Bill Evans ou Ahmad Jamal. Este disco é uma homenagem a Nat Cole e às suas influências, que foram muito importantes para mim».

Diana não se limita, contudo, a tocar a temática do famoso trio de Cole, o Cole que nem todos conhecem e que tem estado esquecido. «É sobretudo uma questão de feeling, aproximação e espírito. Tocamos muitos temas que nunca foram tocados pelo Nat e tocamos outros que ele tocou mas aos quais damos um som contemporâneo». Sobre o trio, com o guitarrista Russell Malone, «um músico excepcional», e o contrabaixista Paul Keller, diz que «apesar de ser uma formação antiga, soa a contemporâneo».

Já com um novo disco em mente, com gravação agendada para Fevereiro, comprova-se que afinal sempre há talentos vocais à altura de continuar o caminho apontado por Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald ou Carmen McRae. Depois de Cassandra Wilson, Diana Krall está decidida a vingar no meio restrito do jazz e a impôr a sua voz e o seu talento, mais do que reconhecidos mas ainda à procura da adesão das audiências. Uma voz a ouvir hoje à noite, sem falta, no Grande Auditório do CCB.

[entrevista publicada originalmente no jornal «A Capital», de 19/10/1996]


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