2 de abril de 2004

Wynton Marsalis, pernas de frango emprestadas e a minha gravata

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Outro grande trompetista, outra estória de um encontro. Não é um dos meus ídolos no jazz, mas é um senhor. O Miles Davis não o 'gramava' muito e ele em troca praticamente não falou nele quando ajudou a realizar o documentário do Ken Burns sobre a história do jazz...

Esta estória em concreto passa-se em 1998, quando Marsalis veio a Lisboa com a Lincoln Center Jazz Orchestra, integrado no Festival dos 100 Dias que antecederam a abertura da Expo 98.

Na época, eu escrevia sobre jazz para o jornal «A Capital» e portanto tive o privilégio de ir assistir aos ensaios da banda e de falar com Marsalis numa pequena conferência da imprensa improvisada em cima do palco do CCB (Centro Cultural de Belém).

Os jornalistas iam colocando as questões e no fim Marsalis demonstrou para a RTP a sua técnica no trompete com a surdina a fazer o efeito wah-wah. Fiquei estarrecido com o que ouvi, ainda por cima estava mesmo ali ao lado. Genial, não há outra palavra para descrever. De repente senti-me transportado a New Orleans ou aos momentos de glória da orquestra de Duke Ellington. Não sei se a RTP alguma vez passou as imagens, mas se não passou é um crime!

Entretanto, aproveitei para falar com alguns dos músicos e acompanhei-os aos bastidores. Mais tarde, e já depois de ter jantado com os músicos em amena cavaqueira, Marsalis apareceu no restaurante dos artistas (localizado debaixo do palco do grande auditório do CCB e inacessível ao público), e com enorme simplicidade dirigiu-se ao balcão e pediu um hamburguer com batatas fritas à senhora de serviço. «Já não há nada!», respondeu ela, ignorando por completo a quem se dirigia.

Sem reclamar, Marsalis regressou à mesa dos músicos da sua orquestra e improvisou um jantar, roubando batatas e pedaços de frango que tinham sobrado nos pratos e travessas. Ali estava um grande músico de renome internacional, acolhido «à boa portuguesa» mas sem vedetismos. É assim o jazz.

Presenciando isto, e vendo-o ali isolado a depenicar umas pernas de frango ainda me dirigi à cozinheira, mas nada feito. A 'simpatia' e 'disponibilidade' também tinham acabado, juntamente com a comida. E queria lá ela saber se era o Marsalis ou quem quer que fosse.

Findo este episódio, meti conversa com ele, esperando encontrá-lo de mau humor. Surpresa das surpresas, nada disso. Não só conversou como, num gesto de grande humildade, ainda me ajeitou o nó da gravata. «You gotta look good, man!».

Já não há disto na cultura. Um homem maior que o seu génio a ponto de não ficar sujeito à 'natural' arrogância do primeiro.

Já agora, é de visitar o site do Marsalis, espectacular em termos de grafismo e animação multimedia. Há também o site do clube de fans.

E, last but not least, por falar em Marsalis há que falar também no disco acabadinho de sair, «The Magic Hour». Na Amazon custa 13,49 euros, cá anda à volta dos 18,00. Há coisas em que Portugal gosta de ser grande... Ó IVA, ó IVA, contigo VAI morrendo em nós a educação pela cultura.

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