18 de fevereiro de 2004

Voando sobre um Ninho de Cucos…

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Acabo de chegar agora a casa vindo do concerto de Cecil Taylor no CCB e não resisto a passar para o écran (dantes era para o papel, temos de nos ir habituando) as impressões que trago deste evento de dois temas apenas.

A primeira destas, a menos importante mas a mais curiosa, tem a ver com a imagem. Cecil Taylor entrou em palco de meias brancas, vestido com uma indumentária que mais parecia um pijama e usando um género de ‘touca’ a tapar-lhe a calvície. Quem entrasse a meio do concerto jurava que tinham ido acordá-lo a meio da noite e que ele tinha vindo para o palco como quem sai do quarto para a sala. Só faltava o saquinho de água quente... Nada disto é negativo e até deu um certo ar intimista ao espectáculo.

A segunda tem a ver com a música de Cecil Taylor. Aos 75 anos revela uma vitalidade e uma energia musical intacta, propulsionadas por um espírito inconformista. A técnica está toda lá, assim como os seus tiques e assinaturas (tocar com os cotovelos, com toda a extensão do braço, etc...). A interacção com o baterista Tony Oxley funcionou quase sempre na perfeição, com este a ‘roubar’ aos pratos da bateria inesperados e inusitados sons metálicos para pontuar as frases de Taylor. Por vezes ficou a impressão de que a bateria estava a mais, que o piano só bastava. E ficou também a impressão de que para além da pequena e frágil figura física do músico está uma alma superior que provavelmente só nos será dada a conhecer na totalidade daqui a mais uns anos. Vê-lo ali a tocar, a partir da primeira fila, em pleno processo criativo, quase em transe (porque é em transe que se fica a tocar como ele toca) foi algo de mágico.

Só temos pena de Cecil, tal como há cerca de 25 anos no Festival de Espinho, não ter repetido novamente a ‘graça’ de partir as célebres 9 cordas do piano! A gerência do CCB agradece a poupança no orçamento...

Já agora uma nota positiva para o público presente no CCB. Não só proporcionou uma casa composta como resistiu sem baixas até aos 45 minutos, momento a partir do qual certos ouvidos menos avisados se viram forçados a rumar a outras paragens mais melódicas...

E, a finalizar, umas poucas palavras de Miles Davis sobre Cecil Taylor, retiradas da autobiografia do mago negro, que servem de mote para quem quiser deixar aqui o seu comentário sobre este concerto:

He was doing on piano what Ornette [Coleman] and Don [Cherry] were doing with two horns. I felt the same way about him that I felt about them. He was classically trained and could play the piano technically, but I just didn't like his approach. It was just a lot of notes being played for notes' sake; somebody showing off how much technique he had.


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