18 de novembro de 2003

A noite de Payton no Hot

Mais uma noite histórica no Hot Clube de Portugal, com a actuação do quarteto de Nicholas Payton, uma presença que foi possível graças à passagem deste músico por Lisboa em trânsito para Angola, país a que deverá chegar ainda hoje.

Musicalmente, a noite foi, como se esperava, muito interessante. Gostei particularmente da prestação de Reginald Veal no velhinho contrabaixo do clube, uma prestação que impressionou particularmente Bernardo Moreira, Presidente do Hot, levando-a a afirmar em voz alta: «o som que ele consegue tirar daquele chaço!» Reginald Veal é um dos grandes nomes actuais do contrabaixo no jazz e para tal muito contribuem a sua sonoridade, o perfeito sentido de tempo (impressionante a ligação com a bateria) e a colagem harmónica aos solistas.

Gostei também do jovem pianista Aaron Goldberg; criativo, seguríssimo no tempo, presente de corpo e alma, fabuloso em «I Mean You», de Thelonious Monk, harmonicamente inventivo, extasiante.

Na bateria acabou por se sentar um músico português (mais um milestone para o curriculum!), o cada vez mais maduro Bruno Pedroso, que não teve qualquer dificuldade em seguir o trio de músicos estrangeiros. Conhece os standards, tem técnica, sabe a linguagem, tem algo a dizer; nota positiva. Menos impressionantes foram porventura os seus solos.

E, finalmente, Payton, músico que não surpreendeu porque a sua competência já é mais do que conhecida entre nós. Humanamente, é uma personagem fleumática (influência da escola inicial de Marsalis?), dialoga pouco com o público, comanda o quarteto com olhares e não exterioriza qualquer emoção, ao contrário de Veal e de Goldberg. Pena que na nova geração de talentos se tenha perdido a visualização do prazer de tocar e a verdadeira alegria de estar em palco, muito embora tal seja em benefício de uma maior imagem de profissionalismo e seriedade do jazz. Musicalmente, Payton é irrepreensível e tocou basicamente standards («Softly as in a Morning Sunrise», «The Nearness of You», etc.) e temas de alguns dos gigantes do jazz, desde Joe Henderson («Recordame») a Miles Davis («Fran Dance»). Infelizmente, Payton não visitou o repertório de Louis Armstrong nem evidenciou todo o seu manancial técnico. Uma última palavra, e ainda a propósito do seu carácter fleumático: Payton, que se diz tão influenciado por Clark Terry, tem muito a aprender com o lado mais humano e simples deste músico. Pode e deve.

Pessoalmente, esta noite no Hot deu-me ainda a oportunidade de partilhar a mesa com Duarte Mendonça, Bernardo Moreira (Binau) e António José Veloso, com o qual troquei valiosas e importantes informações para o meu livro sobre a história do jazz em Portugal.


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