1 de janeiro de 2008

20 anos de Jazz em 2008!

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Com Omer Avital e Ali Jackson na porta dos artistas do CCB, à espera de Keith Jarrett (Nov. 2006)

Em 1988, há 20 anos, assisti ao meu primeiro concerto de Jazz ao vivo, um espectáculo protagonizado por uma figura lendária, o violinista Stéphane Grapelli. Este concerto inseria-se no festival Jazz Na Primavera, organizado por Luís Villas-Boas e Duarte Mendonça, e teve lugar na Aula Magna.

O "bichinho" do Jazz já tinha chegado, porém, muito antes. Primeiro, em criança, pelo visionamento, na RTP, dos grandes filmes musicais com as orquestras de swing e as performances de Fred Astaire.

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Depois, já na adolescência, através de três contactos, dois deles muito sui-generis. O primeiro foi a a exposição a um solo de Tommy Iommy, guitarrista dos Black Sabbath (uma banda de heavy metal), claramente influenciado pela linguagem do jazz.

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O segundo foi o visionamento de um concerto de John Abercrombie no Cascais Jazz de 1980, com um fenómeno de amor à primeira vista pela sonoridade deste guitarrista (dificilmente a porta de entrada no jazz podia ser outra que não a guitarra, face ao background de rock e hard-rock da adolescência) e sobretudo pelo contrabaixo de George Mraz.

O terceiro foi o mais insólito e ocorreu quando a minha mãe adquiriu um Renault 9 a um colega de trabalho apreciador de jazz, automóvel que trazia como bónus uma cassete de uma cantora que desde logo me apaixonou. Passei anos a tentar descobrir quem era até finalmente identificar a voz (tão só Sarah Vaughan), o disco (How long has this been going on?) e os músicos (Oscar Peterson, Ray Brown, Joe Passw Louis Bellson). Nada "mal" para início...

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Depois vieram os programas de Paulo Gil e José Duarte na RTP e o filme Bird (em 1988), um ponto de viragem e de ancoramento dfinitivo no jazz, e as primeiras idas às bibliotecas para descobrir a história dos Cascais Jazz.

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Entretanto, a amizade com dois brasileiros colegas do Colégio Moderno levou-me a tocar e, finalmente, a querer aprender a sério o baixo/contrabaixo, desejo que me levou ao Hot Clube de Portugal, depois de uma breve passagem pela Senófila (actual escola JB Jazz).

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Os primeiros tempos do baixo eléctrico (1986/87)

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Na Senófila (1987)

Foi o tempo das aulas com Zeca Neves e depois com Bernardo Moreira (em casa deste), a época dos workshops do Hot (com Red Mitchell, John Abercrombie, Dave Liebman, etc) e as primeiras experiências a tocar ao vivo...

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Na discoteca Springfellows, com o meu irmão e o tal amigo brasileiro (1988)

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Na Tapada da Ajuda (1989)

Os primeiros cursos Projazz, em 1990, foram um marco determinante na aprendizagem e vivência do jazz, quer pelas conversas, quer pelos ensimamentos de Rufus Reid, Clark Terry, Kenny Burrell, Bobby Watson, Sir Roland Hanna ou Ira Gitler.

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Com Rufus Reid, em Julho de 1990

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Com Bernardo Sassetti, Bernardo Moreira e Rufus Reid, em Julho de 1990

Estes cursos marcaram também a minha primeira experiência mediática ligada ao jazz (outras haveria, noutras áreas bem distintas) quando ocasionalmente a objectiva do fotógrafo do jornal "Correio da Manhã" me fixou juntamente com outros alunos e o crítico de Jazz Ira Gitler. O resultado foi publicado no jornal do dia 28 de Julho.

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Em 1991, seguiram-se novos cursos Projazz, desta feita orientados por Reggie Workman, companheiro musical de John Coltrane.

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Com Reggie Workman (de costas o baixista dos Clã).

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Foto de João Freire.

Nos anos 90, o Hot Clube tornou-se praticamente a minha morada nocturna, com incontáveis horas passadas na Praça da Alegria a ver e ouvir grandes nomes do jazz nacional e internacional. Alguns apareciam por lá fruto do acaso, como foi a participação de Pat Metheny numa inesperada jam-session com músicos portugueses.

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Em 1989, no Hot Clube, num concerto de John Abercrombie

Comigo ia quase sempre o meu irmão, por vezes a minha mãe também, e uma mochila de lona com um enorme gravador. Foi nele que registei muitos dos momentos históricos do Hot nos anos 90, como seja o concerto de celebração do seu 40.º aniversário, com a actuação de Eddie Henderson. Nas cvárias assetes que guardo podem ouvir-se Lee Konitz, Benny Golson, Curtis Fuller, John Abercrombie, David Liebman, Peter King, Hal Galper, Jimmy Ponder, Nicholas Payton (este num concerto de 2003) e muitos músicos portugueses. Mais tarde, já em 1991, surgiu mesmo o convite para integrar a direcção do Hot Clube, passando a colaborar com o Eng.º Bernardo Moreira.

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Lee Konitz no Hot Clube. Foto de João Moreira dos Santos

Foi, pois, no início dum contexto de crescente ineteresse pelo jazz que assisti ao meu primeiro concerto (o de Grappelli), a que se seguiriam nesse mesmo ano de 1988 os espectáculos do recém-criado festival Jazz na Cidade (no pavilhão do Belenenses, em Lisboa, onde vi os grupos de John McClaughlin, Max Roach, Larry Coryell e Carlos Martins) e do Jazz em Agosto (com Ornette Coleman). Ainda em 1988, oportunidade de ver ao vivo John Scofield, isto num período em que eram sobretudo os guitarristas que continuavam a motivar-me.

O concerto mais aguardado foi o de Miles Davis no Coliseu, em 2 de Abril de 1989, que se repetiria em 1991. Nesse ano estava a ler afincadamente a sua autobiografia e esperei-o na entrada do hotel Tivoli para o ver ao vivo (e vi)...

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O concerto mais marcante aconteceria em Julho de 1990, quando assisti à fabulosa actuação dos professores Rufus Reid, Sir Rolland Hanna, Clark Terry, Bobby Watson, Kenny Burrell e Kenny Washington. A alegria em palco, a empatia entre os músicos, a improvisação constante, os timbres, os temas... a partir daqui sabia que tipo de jazz ia ouvir e me apaixonava verdadeiramente. Próximo momento marcante: Betty Carter na Aula Magna, em Outubro deste mesmo ano. Inesquecível!

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Betty Carter na Aula Magna. Foto de João Moreira dos Santos

Em 1991 tive oportunidade de tocar naquele que considerava já o melhor festival de jazz em Portugal: o Estoril Jazz. Integrei então um grupo formado pelos alunos de contrabaixo e baixo eléctricos dos II Cursos Projazz, tendo tido o privilégio de partilhar o palco com dois nomes incontornáveis do jazz em Portugal: Bernardo Moreira (no extremo esquerdo da foto) e Iuri Daniel (extremo direito).

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Foto de João Freire

Em 1993, terminava o curso de licenciatura e o jazz ia ficando para segundo plano... até que em 1995 surgiu, através de um colega de faculdade que seguira jornalismo, o convite para escrever para o jornal "A Capital", com o qual colaborei até 1999. O primeiro concerto que me "calhou" cobrir foi o do músico que mais ambicionava ouvir: o contrabaixista Ray Brown. Dificilmente poderia, pois, ter tido melhor pontapé de saída.

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Em 1996, Diana Krall actuou pela primeira vez em Portugal. Ilustre desconhecida que era (e provavelmente também por razões de agenda dos jornalistas), nenhum órgão de comunicação social se mostrou disponível para a entrevistar. Recebi então um telefonema "desesperado" da sua editora discográfica a pedir que em representação da "A Capital" a fosse entrevistar ao hotel Estoril Sol. Assim fui e assim foi que lhe dei a primeira entrevista a um jornal português. Sem grande mérito meu, diga-se, pois apenas as circunstâncias assim o determinaram e também o facto de ter apreciado muito o disco que dedicara a Nat King Cole - All for you - e estar interessado em ouvi-la.

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A colaboração com a "A Capital" dava-me não só a hipótese de assistir a praticamente tudo o que de jazz e blues se passava na grande Lisboa, como também de ir conhecendo algumas das estrelas que passavam por Portugal, como foram os casos, entre outros, de BB King e Tony Bennett.

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Seguiu-se uma episódica colaboração com a revista "O Papel do Jazz" (dirigida por José Duarte, com quem alternava nas críticas de jazz para "A Capital"), onde publiquei uma entrevista com McCoy Tyner. Em 2001 surgiu o convite, por parte de Leonel Santos, para colaborar na revista "All Jazz", para onde escrevi até 2004, ano do seu término.

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Revista autografada por Branford Marsalis

Entretanto, em Setembro de 2003, passei para o mundo virtual e lancei o blog Jazz no país do improviso! (que em 2007 celebrou 4 anos com o concerto protagonizado pelo quarteto de Herb Geller) e a partir de 2005 passei a colaborar com o site norte-americano AllAboutJazz, tendo os seus editores eleito como uma das melhores entrevistas de 2006 a entrevista que realizei a Helen Merrill.

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Herb Geller no 4.º aniversário de JNPDI! Foto de João Moreira dos Santos

Já em 2006, comecei a colaborar com a revista Blitz, quando por iniciativa própria contactei o respectivo director (Miguel Cadete), propondo-me aí publicar um bom artigo de fundo sobre os 35 anos do Cascais Jazz, que então se assinalavam. Além desse artigo publiquei até agora um sobre Miles Davis e outro sobre Josephine Baker, retratando minuciosamente as suas passagens por Portugal.

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Ao longo dos anos tenho tido a oportunidade de entrevistar vários músicos de renome, nomeadamente:

McCoy Tyner
Diana Krall
Esbjörn Svensson (E.S.T.)
Ahmad Jamal

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Helen Merrill
Sheila Jordan

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James Cotton

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Ben Allison

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Aaron Goldberg

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Archie Shepp

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Houston Person

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Patricia Barber

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Snooky Young
Jef Neve
Roy McCurdy
Jason Moran

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Luciana Souza
Donald Harrison
Roberta Gambarini

Do contacto com os músicos, que sempre me cativou pela oportunidade de conhecer mais e trocar experiências, ficaram várias memórias e muitos autógrafos, os quais espero um dia poderem enriquecer a Casa do Jazz em Portugal. Uns foram improvisados em folhetos, programas e bilhetes...

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... outros em CD's (de que deixo aqui apenas alguns exemplos)...

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Nos anos mais recentes, tenho realizado vários eventos de divulgação do Jazz. Em Junho de 2005 idealizei e organizei para o Centro Nacional de Cultura o “I Roteiro do Jazz na Lisboa dos anos 20/40” – uma visita guiada aos teatros, clubes e cafés lisboetas que primeiro acolheram o som da surpresa - o qual teria uma segunda e terceira edição já em 2007, complementada pela realização do I Roteiro do Jazz em Cascais, em 1 de Dezembro de 2007, organizado em parceria com a Câmara Municipal de Cascais para celebrar o 80.º aniversário do primeiro concerto de Jazz neste Concelho.

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No I Roteiro do Jazz em Lisboa (2005), com Guilhere d'Oliveira Martins, presidente do CNC.

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II Roteiro do Jazz em Lisboa (2007)

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III Roteiro do Jazz em Lisboa (Set. 2007)

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I Roteiro do Jazz em Cascais. Dez. 2007.

De Janeiro a Maio de 2007 leccionei no Centro Nacional de Cultura o curso “À Descoberta do Jazz”. Em Março de 2007 idealizei e organizei em parceria com o Hot Clube de Portugal e o Teatro São Luiz o evento “Parabéns, Luís Villas-Boas”, uma homenagem ao “pai” do Jazz em Portugal em que participaram, entre outros, António José de Barros Veloso, Bernardo José Moreira, Bernardo Moreira, Big Band do Hot Clube de Portugal, Carlos Menezes, Fernando Tordo, Filipe Melo, Gualdino Barros, João Braga, João Moreira, Laurent Filipe, Maria Viana, Mário Laginha, Paula Oliveira, Paulo Gil, Pedro Moreira e Rão Kyao.

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Fotos: João Freire.

Os livros, uma grande paixão, surgiram em 2006, com a publicação de Duarte Mendonça: 30 anos de Jazz em Portugal. Seguiu-se, em Março de 2007, O Jazz segundo Villas-Boas.

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As conferências na área do Jazz tê sido várias, decorrendo em escolas de música, colectividades musicais, FNAC (onde mantenho desde Setembro de 2007 a rubrica “Noites de Jazz”) e na Hemeroteca Municipal.

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Com Bernardo Moreira e Duarte Mendonça, na Hemeroteca.

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Na FNAC de Cascais, em Dez. 2007

Ultimamente tem-me animado a vertente de coleccionador, comprando e recebendo livros e discos (sobretudo de 78 rpm) antigos com o propósito de num futuro próximo os integrar na referida Casa do Jazz em Portugal. Esse será o grande projecto que me proponho realizar, além da vertente de escritor (com diversos novos projectos em curso na área do jazz) e de produtor de concertos e festivais de jazz, da qual me fui aproximando quando no final dos anos 90 (depois de abandonar o já agonizante jornal "A Capital") passei a colaborar com o Estoril Jazz.

O jazz em Portugal atravessa aquele que considero ser o seu melhor período de sempre e portanto este é sem dúvida um bom momento para celebrar estes 20 anos de Jazz e contribuir para a sua crescente divulgação como legítima forma de arte, porventura a mais interessante do legado musical do Século XX. E se 2007 foi para mim o melhor ano Jazz de sempre, espero repetir "a graça" em 2008, ainda com mais empenho e mais projectos...

Espero que os leitores me desculpem este post, o qual não pretende ser um exercício de ego, mas apenas a partilha de algo que tenho vivido intensamente nestes últimos 20 anos e que temos, afinal, em comum nas nossas vidas: o Jazz.

4 Comments:

At quinta jan. 03, 12:00:00 da tarde 2008, Blogger JP said...

Não tem de pedir desculpas, porque são posts como este que nos mostram um lado que os artigos e revistas não mostram: o lado de dentro.
De qq forma, é um currículo invejável...

Joao Pedro

 
At quinta jan. 03, 12:10:00 da tarde 2008, Blogger JMS said...

Caro João Pedro,

Obrigado pelo seu comentário.

Entreanto, visitei um dos seus blogs e fiquei fascinado com aquela escrita numérica sobre a praia.

Abraço,

JMS

 
At sábado jan. 05, 10:12:00 da tarde 2008, Blogger Paulo Bastos said...

Fantástico!
Já cá não vinha há muito tempo e vejo este post...
que história, que 20 anos!
Parabéns.

 
At sábado jan. 05, 10:32:00 da tarde 2008, Blogger JMS said...

Muito obrigado.

Um excelente 2008!

 

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