Uma carta para reflectir
Por entendermos que merece reflexão e por se tratar de uma iniciativa que, se não é inédita, não é pelo menos comum, aqui divulgamos a carta que o guitarrista André Fernandes escreveu ao director do "Público" sobre a apreciação que o crítico de jazz deste jornal de referência escreveu sobre o concerto de Kurt Rosenwinkel no Seixal Jazz, da qual nos foi dado conhecimento pelo nosso amigo e pianista Filipe Melo.
Exmos.Srs., escrevo para expressar o meu desagrado pela crítica escrita por Rui Horta Santos aos concertos do SeixalJazz na edição de hoje.
Assusta-me pensar que à medida que o tempo passa, a atenção dada às Artes, e particularmente ao Jazz em Portugal, caia nas mãos de pessoas sem qualquer capacidade crítica, ou formação específica.
Senhor director:
O Sr.Horta Santos refere-se ao músico Kurt Rosenwinkel como um músico pouco original, e a quem falta encontrar uma "voz" própria. Qualquer músico estabelecido na nossa "praça" ou em qualquer outra parte do mundo poderá afirmar que este comentário é tão absurdo como dizer que Hall, Montgomery, Metheny ou Scofield não foram originais no seu tempo. Revela um desconhecimento total do instrumento em causa, e da sua história, para além de uma ignorância inaceitável do universo do Jazz actual. Isto não é uma opinião pessoal, mas sim uma afirmação universalmente reconhecida, e independente de gosto. Não espero que o Sr.Horta Santos goste ou desgoste do músico em causa, mas sim que o descreva de forma justa e correcta, coisa que não fez.
Em segundo lugar, o Sr.Horta Santos faz referência a dois músicos que teria a obrigação de conhecer, Joe Martin e Ari Hoening, comentando a sua prestação no concerto. Ora nenhum destes músicos tocou! Foram substituídos por Omer Avital e Eric Harland, outros dois músicos que é pena que o Sr.Horta Santos não conheça, ou reconheça ao ouvir tocar. Será que os ouviu?
Deveria ter a capacidade de perceber auditivamente que os músicos em palco não eram aqueles que pensava, e caso não fosse capaz, deveria pelo menos ter ouvido o líder do grupo a anunciar os nomes..
Eu falo com conhecimento de causa sobre este assunto, e penso que é deixar ir longe demais o desrespeito pelo Jazz e pelos músicos, permitindo que pessoas como o Sr. Horta Santos passem a escrever para uma publicação de prestígio como é o jornal Publico. O Sr.Horta Santos já escreveu várias asneiras sob o seu pseudónimo Abdul Moimême (?) em outras publicações, e fico muito preocupado com o seu futuro trabalho a nível nacional através do Público.
O país merece ser informado, não enganado.
Sinceramente, André Fernandes.
Músico, docente na Escola de Jazz Luis Villas-Boas (Hot Clube), e gerente da editora Tone of a Pitch.
Pois bem, os dados estão lançados para debater um assunto que merece debate: a qualidade da crítica musical em Portugal.
Já agora aproveitamos para informar que há já quem (e o quem aqui não é um qualquer quem) se esteja a movimentar para exprimir a sua indignação junto da Universidade de Aveiro por esta instituição dar a sua chancela à Colecção Let's Jazz em Público.
Os argumentos vão no sentido de a Universidade não dever associar-se a uma obra cujos textos, e passamos a citar, carecem de "rigor", revelam "ausência de investigação" e contêm "inúmeras imprecisões e erros".
Como se vê, tema para debate não falta.
Ainda assim creio que pior do que fazer algo mal, é não fazer de todo. Com erros e imprecisões se vai, se a humildade assim o permitir, aprendendo.
15 Comments:
Debate interessante, sem dúvida. E, já agora, qual a sua opinião sobre estas incidências?
Caro João. Não partilho a sua opinião de que mais vale fazer mal do que não fazer.A critica musical - especialmente num meio de comunicação de larga divulgação como um jornal diário ou um blog de referência - afecta decisivamente(para o melhor e pró pior)a carreira de um músico. Acho que a questão fundamental é perceber até que ponto o gosto pessoal pode (ou não pode) entrar na crítica a um espectáculo.Parece-me que apenas poucos dos nossos criticos têm a capacidade para OBJECTIVAMENTE dar ao leitor a "imagem" do concerto.Sem essa capacidade sobra apenas a subjectividade. E a subjectividade, em meu entender, não interessa veicular numa critica.Ao público não interessa se o crítico gostou ou não. Concordo completamente com o que o André Fernandes diz: "Não espero que o Sr.Horta Santos goste ou desgoste do músico em causa, mas sim que o descreva de forma justa e correcta,..."
Abraço
José Menezes
Caro José de Menezes,
Concordo.
Quando enunciei que fazer mal era apesar de tudo preferível a não fazer de todo referia-me a iniciatvias como a colecção Let´s Jazz em Público, não à crítica musical.
Essa é para consumo imediato e tem de facto consequências que afectam a curto prazo a vida profissional de quem vive da música e vive para a música.
Um abraço e obrigado pela participação.
JMS
Caro Horácio,
Eu próprio já realizei crítica de jazz para jornais e revistas e portanto provavelmente também cometi erros, pelo que não estou em condições morais de fazer julgamentos de quem quer que seja.
Tive apenas sempre a humildade de saber que tinha muito para saber e não assumir que sabia o que não podia ainda saber.
Neste caso concreto, creio que o André Fernandes sintetiza bem a questão quando fala na necessidade de o crítico de arte pensar a partir do objecto (o músico e a sua arte) e não a partir de si ele, o crítico. No primeiro caso temos objectividade; no segundo temos subjectividade. Ora, o jormalismo é a ciência do objecto... da apreciação rigorosa do objecto.
Nem mais.
Quanto ao Let's Jazz in Público, apesar de um ou outro texto mauzinho (e de um,em especial para lá de mau...) acho que vale a pena. Espera-se ainda melhor no futuro.Abraço
Pois, é o nosso lindo Portugalinho. É como um senhor que escreve para o mesmo jornal e que, de vez em quando, faz critica de música clássica apenas porque tem muitos cd's da dita em casa e já ouviu muitas interpretacoes de muitas obras. Claro que os conhecimentos verdadeiros sobre música são zero. Ainda assim da-se ao luxo (eu diria ao ridículo) de usar termos técnicos e tudo. Felizmente este dito cujo tem sido várias vezes desmascarado nos blogues que se dedicam a este tipo de música.
Que estupidez, essa ideia aristocrática de que só os formandos do hot clube podem falar de música.
Oops...Quem falou de Hot Club? Esse comentário parece-me completamente despropositado.De Música pode falar toda a gente ...Mesmo alguma que se devia limitar a ouvir.Acho engraçado que,sendo o assunto deste debate deveras interessante e actual-já que está claramente a aparecer uma nova geração de críticos que a médio prazer sucederá aos "históricos"-não apareçam mais opiniões construtivas sobre o assunto.
Cumprimentos a todos
José Menezes
A crítica raramente será objectiva pois tem sempre a marca pessoal de quem a está a fazer e é muitas vezes perigosa, pois pode destruir o valor do artista ou exaltar quando para isso não há razão. Não gosto muito de críticas.
Caros amigos, este é um debate que considero super salutar e que pode contribuir para esclarecer muitas coisas. Primeiro, eu pessoalmente não vejo nada de errado na crítica do Rui Horta Santos, mesmo depois do texto do guitarrista André Fernandes. Estamos num país livre a como tal o critico em questão é livre de ter a sua opinião sobre o concerto e a música do Kurt Rosenwinkel. Porque não? O que tem o seu texto de tão ofensivo? Eu nunca concordei que houvessem ?vacas sagradas? nas artes e na música, e certamente que o Kurt Rosenwinkel não o é também.
Obviamente que o RHS não põe o Kurt, o Scofield e o Jim Hall no mesmo patamar, e então?
Parece que me Portugal existe uma pressão para que todos concordemos com algumas coisas dentro desta área. Isto é algo que me custa a aceitar, como podem ver pelas coisas que faço. Porquê que o critico em questão tem que concordar com ?qualquer músico estabelecido na nossa "praça??? Não me parece que isso seja critério suficientemente objectivo ou que conceda ao KR algum tipo de inantigibilidade. Será que alguém poderá ter esse estatuto? Porquê?
Não é por os músicos da nossa praça ou de qualquer outra praça gostarem do KR que este é inquestionavelmente inatacável. E se o critico argumentar que todos os críticos da nossa praça pensam o contrário? Como é que ficamos? Quem é que tem razão? Quem é que valida e torna objectiva uma opinião? Ninguém. Estamos num país livre e como tal o RHS tem o direito de dar a sua opinião de forma não ofensiva, como fez.
É muito simples, o André Fernandes acha que o KR é o maior e parece que existem outros músicos na praça a concordar com ele. O RHS acha o contrário, e pelos vistos outros pensam como ele inclusive o autor do blog que publicou a carta do André. Como é que ficamos? Cada um ouve agora a música e tira as suas conclusões pessoais.
A outra acusação do André é que o crítico tinha obrigação de distinguir o Joe Martin do Omer Avitale ouvindo-os. O mesmo entre o Eric Harland e o Ari Hoening. Por amor de Deus. Quantas pessoas em Portugal já ouviram o Joe Martin? 10? 20? Quantas são capazes de os distinguir num blindfold test?
Aqui julgo que a culpa é do Seixal já por não actualizar a informação sobre os músicos, nomeadamente antes de o concerto começar.
?Assusta-me pensar que à medida que o tempo passa, a atenção dada às Artes, e particularmente ao Jazz em Portugal, caia nas mãos de pessoas sem qualquer capacidade crítica, ou formação específica.? Eu pessoalmente não percebo o porquê deste comentário. Parece-me o mesmo despropositado e exagerado se as razões são apresentadas. Será que o RHS tem concordar com as opiniões vigentes? Será que isso é que é ter ?capacidade crítica??
Penso que quem anda à chuva molha-se, ou seja, quem expõe a sua música ou o seu trabalho publicamente é passível de ser criticado, inclusive o KR ou eu. É importante é que as opiniões sejam consubstanciadas e que os autores se identifiquem.
Uma das razões que me mantêm afastados dos fóruns dos blogs é a falta de identificação das pessoas. Acho isso uma vergonha.
Na minha opinião o crítico Rui Horta Santos faz parte de uma nova geração de críticos de grande valor que tenho tido o prazer de acompanhar e incentivar ao longo dos últimos anos. Outros são o João Aleluia, Eduardo Chagas, António Branco, Vasco Carvalho. É a ordem natural das coisas.
Quanto a esta conversa é bom que continue, como acho essencial o texto original do RHS ser publicado neste blog sob o risco que tornar esta mais uma discussão estéril e que não elucida as pessoas.
Cumprimentos,
Pedro Costa.
Caro Pedro Costa,
Agradeço a sua participação neste importante tema e acho que toca em alguns tópicos importantes.
Contudo, penso que ao crítico de arte em geral e do jazz em particular se pede responsabilidade e objectividade.
Penso que esse é um dos pontos principais da argumentação do André Fernandes, sobretudo quando demonstra que o jornalista em causa não se apercebeu sequer da substituição do baixista e do baterista, cujos nomes foram aliás anunciados pelo próprio Rosenwinkel.
Estaríamos portanto perante uma questão de falta de profissionalismo e esse é o primeiro ponto. Ainda que recorramos a um eufemismo, como a "desatenção" para o atenuar.
O segundo ponto é que a falta de profissionalismo causa danos aos visados e isso causa naturalmente inquietação a qualquer músico que possa ser objecto de crítica por parte da imprensa.
De facto, tal como um jornalista de economia que não estuda o objecto de análise pode arruinar a reputação de uma empresa/produto/serviço, também um crítico de música o pode fazer, e isso tem consequências directa na vida profissional do músico afectado.
Por isso se lhe deve exigir profissionalismo, rigor e sobretudo objectividade. A questão não é saber se o crítico gostou ou não da música, mas sim se o projecto apresentado cumpre os seus propósitos, se insere numa determinada estética musical e, acima de tudo, é honesto e tem criatividade e valor artístico.
Naturalmente que o crítico pode adicionar a esta análise objectiva alguma subjectividade, mas deve resguardar-se afirmando claramente que se trata de uma opinião pessoal e não baseada em factores racionais.
Se abrirmos a crítica musical à mera apreciação subjectiva (o crítico gostou ou não gostou) então qualquer pessoa se qualifica para fazer crítica musical, mesmo sem conhecer a música ou os standards de excelência da mesma.
É um tema que dá pano para mangas, como se vê.
Creio que não se deve personalizar, no entanto, esta questão em RHS porque ele pode ser apenas a ponta do iceberg e também não podemos, por outro lado, generalizar.
Já que um leitor, ainda que sob anonimato, falou em Hot Clube eu aproveitaria esta oportunidade para referir que bem faria o Hot em abrir um curso para crítica musical de jazz e outro para melómanos que quisessem perceber os rudimentos da música e deste género em particular. Resta saber se a nova geração de críticos teria a humildade de se inscrever e de admitir que tem algo a aprender. Se o fizesse, creio que todos sairíamos a ganhar. Eu próprio passei pela escola do Hot e por vários cursos com grandes nomes do jazz e só graças a essa experiência me atrevi a pensar sequer em escrever sobre jazz. E ainda hoje utilizo o que aprendi para avaliar o que me é dado ouvir.
Obrigado pela resposta, João.
Leu o texto original ?
Eu penso que deveria tentar colocar no blog o texto original. Eu posso ajudar.
Sem ele esta é uma conversa de surdos.
Assistir a workshops faz parte da nossa vontade de saber mais, assim como ouvir música, ler, falar,etc.
Na verdade o RHS é uma pessoa com bagagem para dar a sua opinião, é por isso que escreve no Público.
Não quer dizer é que a sua opinião seja igual á do André Fernandes, á sua, ou á minha.
A meu ver o texto original fundamenta a opinião do crítico. Qual é o problema?
É por isso que ele foi convidado a assitir ao concerto, é por isso que eu envio centenas de discos para criticos, é para ter a sua opinião, e já tive opiniões negativas de discos que editei. Eu quero sempre ser avaliado na convicção que estou a cumprir o meu caminho. De certeza que o KR vai continuar o dele porque tem muita convicção daquilo que faz e bastante sucesso também.
Pessoalmente acho que o Hot Clube devia incluír a disciplina de Estética musical. Essa é muito importante para dar aos jovens músicos um panorama estético do Jazz, não só para eles poderem escolher o que querem fazer, mas para lhes mostrar que existem várias maneiras de tocar Jazz.
É preciso ensinar a esses músicos que para além do Charlie Parker, Thelonious Monk, Bud Powell, Charlie Christian, Django Reinhardt, Jim Hall, também existiram Anthony Braxton, Jimmy Lyons, Sonny Simmons, Joe Morris, William Parker, Craig Taborn, Tim Berne, Julius Hemphill, Evan Parker, que deram e alguns ainda dão contribuições importantes ao Jazz. É preciso que se saiba que o Jazz está bem vivo enquanto arte em progressão e não apenas como recriação.
Força,
Pedro Costa.
Caro Pedro Costa,
Se lhe fôr possível enviar-me o artigo original agradeço-lhe.
vou tentar encontrá-lo no público.pt
Peço Desculpa por só comentar agora este Titulo.
A Verdade é que a Universidade de Aveiro, nada tem a ver com os textos elaborados na colecção "Lets Jazz" do Publico.
A colaboração do Centro de Estudos Jazz da UA com a colecção do Publico interfere apenas com as Musicas,Fotos ou Imagens presentes em cada Livro.
Os textos são da autoria de José Duarte Ou de Musicos por si convidados.
Admito no entanto que alguns textos desses Convidados, são bastante Limitados de Informação ou de Criatividade, como o de Duke Ellington.
Por Outro Lado, textos como o de Piano,Blues ou Voz Feminina são um bom exemplo de textos personalizados e com Boa Informação.
Registe-se então que O centro de estudos de jazz, nada tem a ver com esses textos.
Jose Pedro
Centro de estudos de Jazz
Caro José Pedro,
A informação que nos fornece é muito importante e deixa-nos simultaneamente preocupados e contentes.
Preocupados porque de facto não houve o cuidado de quem de direito identificar claramente qual o papel da UA nesta colecção.
Contentes, por verificar que a UA, particularmente o seu Centro de Estudos de Jazz, está não só atenta como revela uma atitude crítica e objectiva aos conteúdos que são transmitidos aos leitores em matéria de jazz.
Concordo consigo no facto de alguns dos textos serem realmente pobres, embora não esteja neste momento em condições de apontar quais. Recordo-me, por exemplo, do que se refere a Eric Dolphy, mas aí mais pelos pontapés na gramática e na língua de Camões.
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