30 de dezembro de 2006

Morreu Jean-Pierre Gebler

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Faleceu no passado dia 27 de Dezembro o saxofonista-barítono Jean-Pierre Gebler, vítima de uma crise cardíaca, músico que teve extraordinária importância no desenvolvimento do jazz em Portugal. A notícia chegou ontem a Lisboa através do Dr. Barros Veloso, conhecido no meio jazzístico nacional como Tó Zé Veloso ou Dr. Jazz.

Nascido em Uccle, em 1938, na Bélgica, Gebler teve como mestres inspiradores Gerry Mulligan e Lars Gullin, tendo começado a tocar saxofone aos 14 anos. Um ano depois iniciou os estudos com Jack Sels, vindo a conquistar por duas vezes o primeiro prémio no concurso anual do Hot Club da Bélgica, em 1956 e 1957.

Corria o ano de 1958 quando Gebler integrou a banda de Jacques Pelzer e Benoît Quersin, com os quais gravou o histórico LP JAZZ IN LITTLE BELGIUM, juntamente com Milou Struvay (tp), Joel van Drogenbroek (piano) e Vivi Mardens (bateria). Já no final deste ano mudou-se para Paris, onde teve a ocasião de tocar com músicos como Chet Baker, Barney Wilen e René Urtreger.

Após a aventura parisiense, Gebler fixou residência em Portugal, onde tinha família, tendo exercido uma enorme importância no desenvolvimento do jazz em Portugal.

Em declarações hoje prestadas a JNPDI! Bernardo Moreira recorda a chegada de Gebler ao nosso país e o seu ingresso, em 1958, no Quarteto do Hot Club de Portugal :

"Ele veio para cá viver no Verão, tinha 18 ou 19 anos, porque os tios viviam cá, eram donos das minas de carvão do Pejão, no Porto. Primeiro esteve em casa do tio, no Estoril, mas não gostava de lá estar e alugou um quarto na Praça da Alegria, em frente ao Hot".

A chegada a Lisboa de um músico com a rodagem da cena musical de Paris não passou despercebida, como relembra Bernardo Moreira:

"Eu estava de férias, ia para a tropa, e recebi uma carta do José Luís Tinoco a dizer que «apareceu cá um puto belga que toca porreiro!» Depois, é claro, começámos a tocar uns com os outros no Hot e a partir de 1958 começámos a tocar com grande regularidade os quatro juntos e começou-se a chamar Quarteto do Hot Club de portugal".

Neste conjunto tomavam parte Justiniano Canelhas (piano), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Manuel Jorge Veloso (bateria). Sobre a importância de Gebler na sua formação refere o actual presidente do Hot Club:

"Foi a importântica total. Foi com o empurrão dele que se passou de uma forma de tocar amadora para profissional. Antes do Jean-Pierre cada músico tocava no tom em que lhe dava mais jeito e estava mais à vontade, sabia os temas mais comuns, mas não sabia bem as introduções nem os finais e o Jean-Pierre quando veio impôs-nos no Hot, definitivamente, tocar os temas nos tons em que foram escritos e sabermos todos de cor as introduções e os finais de todas as versões que estavam no mercado. O Jean-Pierre é realmente uma mola fundamental no upgrade que o jazz fez nos anos 50 para os anos 60. É fundamental. É a peça chave que nos pôs em contacto com o que se fazia em Paris. Foi através dele que nós aprendemos como é que se tocava a nível profissional".

Os frutos desta aprendizagem tornar-se-iam visíveis em Agosto de 1963, quando, já com outro background musical, o quarteto é convidado a actuar no festival de Comblain-la-Tour, na Bélgica. Aos grupos de profissionais presentes neste evento de renome internacional somava-se um grupo de amadores, mas que tocava pelos standards dos profissionais...

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Quarteto do Hot Club em Comblain-la-Tour, 1963. Foto de Duarte Mendonça.

Um ano antes esta mesma formação, acrescida do trompetista Milou Struvay, já havia sido imortalizada no filme/documentário Belarmino, de Fernando Lopes, executando música composta por Manuel Jorge Veloso e Justiniano Canelhas.

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Gebler, Arnold Wise (bateria), Chuck Israels (contrabaixo) e Jon Mayer
(piano) tocam no CUJ, em Janeiro de 1960. Foto de Augusto Mayer

Em Portugal Gebler viria a ter a oportunidade, nos anos 60, de tocar com músicos como Gerry Mulligan, Dexter Gordon, Paul Gonsalves e Pony Poindexter, quer no Hot Clube, quer no Luisiana ou ainda no CUJ (Clube Universitário de Jazz), onde actuou em 1960 na sequência de uma pequena digressão ibérica com Chuck Israels, Arnie Wise, Jon Mayer e Perry Robinson.

A sua presença em Portugal valeu-lhe ainda a estreia na televisão, nos anos 50, actuando com o a banda do pianista francês Raymond Fol, juntamente com Jorge Costa Pinto (bateria).

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Embora não fosse um mestre do barítono, Gebler era contudo um músico com algum relevo. Bernardo Moreira descreve-o nos seguintes termos:

"Era um músico com limitações técnicas mas para a época era um tipo de muito boa qualidade. Não era um fora de série, como é evidente. Na altura havia poucos saxofonistas-barítono, os que havia eram os craques. Havia o Gerry Mulligan, o Art Pepper, que tocava de vez em quando barítono, mas pouco, havia o Serge Chaloff e o Harry Carney, do Duke Ellington. O barítono fora das big bands era muito pouco usado... Ele apareceu a tocar barítono por influência do Gerry Mulligan, claro, e como amador era um músico de muita qualidade".

Entretanto o tempo corria e Jean-Pierre Gebler, agora já perto dos 30 anos, era chamado a trabalhar nas minas dos tios, no norte de Portugal, regressando mais tarde à Bélgica, segundo o próprio por ter sido expulso pela PIDE. Neste país trabalharia como empresário da indústria têxtil, abandonando por razões económicas a sua carreira musical, a qual só retomaria em 1982, ao actuar no Cascais Jazz com o quarteto de Jacques Pelzer.

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Jean-Pierre Gebler e Jacques Pelzer, Cascais Jazz, 1982. Foto de João Freire.

A parceria musical com Jacques Pelzer daria origem, em 1984, ao disco Jean-Pierre Gebler and Friends, no qual participaram ainda Al and Stella Levitt, Michel Herrm Richard Rousselet e Freddie Deronde. A partir de então, Gebler apareceu apenas pontualmente na cena musical, gravando mais três discos J.P. Gebler Quintet (1986), Ballades Ou... Presque (1993) e Meggie (2001).

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Estoril Jazz, 2003. Foto de Henrique Calvet

Na sequência deste último CD, Jean-Pierre Gebler actuou pela derradeira vez em Portugal em 2003, no Estoril Jazz, contratado por Duarte Mendonça para realizar um concerto denominado J.P. GEBLER BELGIAN ALL STARS.

Já visivelmente fora de forma, o saxofonista foi acompanhado por Steve Houben (saxofone e flauta), Fabrice Alleman (saxofone, clarinete e flauta), Gino Lattuca (trompete), Phil Abraham (trombone), Michel Herr (piano), Jacques Pirotton (guitarra), Salvatore La Rocca (contrabaixo) e Bruno Castellucci (bateria).

Jean-Pierre Gebler e o seu contributo para a formação de músicos de jazz em Portugal estão desde há alguns anos devidamente assinalados na Escola de Jazz Luís Villas-Boas, tendo a sala principal de aulas sido baptizada em sua homenagem.

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Foto de João Moreira dos Santos

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Foto de João Moreira dos Santos


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