As estórias "secretas" de Miles no Cascais Jazz '71
[Miles Davis - Cascais Jazz 1971: Foto de Nuno Calvet, in «All Jazz» #2]
Aqui há uns meses, JNPDI! publicou um post em que referia, induzido por um artigo que lera, que o conhecido fadista João Braga tinha tido o privilégio de conduzir Miles Davis ao Cascais Jazz, em 1971.
Ora, sucede que o próprio João Braga não só nos escreveu a corrigir essa informação (que afinal não corresponde à verdade), como nos revelou algumas estórias curiosas do seu encontro com Miles Davis no referido festival.
Com a sua autorização aqui reproduzimos as suas palavras, certos de que farão a delícia dos fans do Miles Davis (como nós) e de todos os que se interessam pelo Jazz.
A verdade é que nunca tirei a carta -- razão pela qual nunca poderia ter ido a guiar a limousine branca que foi buscar o Miles ao aeroporto da Portela. O condutor foi outra das exigências do génio: branco e fardado a rigor, com boné, luva branca, dragonas e tudo!
Aliás o homem não se ficou por aí no que a caprichos diz respeito.
Tive que arranjar um veterano boxeur para, à laia de sparring-partner, levar uma carga de porrada logo pela manhã, quando o grande artista acordasse. O pior foi que, na segunda manhã, farto de levar nas ventas, virou-se ao outro e foi despedido. Acordaram-me de supetão e lá tive que ir descobrir outro marmanjo.
Por outro lado, devo ter ficado com uma fama danada na classe médica da época: 1 - Mobilizei um médico para ir ao Hotel Palácio observar o cabeleireiro do Miles, que estava com um problema de ordem venérea no traseiro; 2 - Chateei todos os clínicos que conhecia para que me arranjassem as embalagens que pudessem de Profamina. Todos os que responderam ao meu pedido me avisaram, "vê lá o que andas a fazer, que isto, tomado em excesso, pode ser muito perigoso", apesar de eu clamar que aquilo era para o Miles Davis -- no que eles, obviamente, não acreditaram...
O genial autor de kind of blue saiu do armário (literalmente) da suite onde se encontrava, em meditação, e engoliu sem se deter as três caixas que reuni, não sem me sussurrar, na sua voz rouca, mas doce, que lhe fizesse companhia. Lembrei-me dos avisos dos médicos e recusei, polidamente.
Tipo giro, o tal Miles. E o Keith J., o Dizzy, o Monk, o Blakey, o Stitt, o Ornette e muitos outros com quem tive a honra de privar naquela aventura. Tudo gente muito boa.
Sobre a actuação de Miles no Cascais Jazz, refere ainda João Braga "arrepiou a forma como "atacou" a abertura do festival, com as costas mais parecendo uma cascata -- seria das profaminas?...)".
Este é sem dúvida um testemunho precioso para o livro que estamos a realizar sobre a história do jazz em Portugal e tem já entrada garantida!
Obrigado, João Braga, por partilhar connosco estes episódios de bastidores e continue a passar aqui pelo JNPDI!, onde é muito bem-vindo.
Aceitam-se mais estórias e memórias.
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